Marcia Tiburi: impressões de um primeiro debate

Por Marcia Tiburi

O primeiro debate entre os candidatos para o governo do estado do Rio de Janeiro em 2018 foi, também, o meu primeiro debate eleitoral. Para quem acredita na política como um instrumento de libertação do medo, do individualismo, da barbárie e, sobretudo, para quem, como eu, considera a verdade uma condição de possibilidade da própria existência, esse debate foi uma experiência esclarecedora sobre o funcionamento do jogo político. Há algo de constrangedor naquele formato e, confesso, é preciso paciência.

Tudo é feito para distanciar o povo da política. As estratégias de despolitização estão presentes já nas regras do debate, que impedem a reflexão séria e o desenvolvimento de pensamentos mais complexos. As pessoas são levadas a acreditar que problemas extremamente complexos podem ser resolvidos com fórmulas mágicas apresentadas em um minuto e meio, o tempo destinado às respostas dos candidatos. Esse “um minuto é meio” pode ser a metáfora do empobrecimento da política e da impossibilidade do ser-com (Mitsein), do apresentar-se autenticamente ao outro. Vale lembrar que a pobreza do mundo é também efeito da apropriação do tempo por uma lógica que leva tudo e todos a serem tratados como objetos negociáveis e substituíveis.

Mas, não é só. Cada candidato é apresentado e se apresenta como uma mercadoria, como se fossem meras positividades. A complexidade da pessoa real, o autêntico, a dialética entre o positivo e o negativo em cada um, desaparece. O candidato vira um robô.

De um lado, aqueles que relatavam o que já tinham feito, em um exercício de memória bastante seletivo, esquecendo-se, por exemplo, da cota de responsabilidade de cada um no caos em que se encontra o estado do Rio e o país. Os golpistas, e eram vários, não ousaram defender explicitamente o projeto político a que servem e foi responsável pela destruição de direitos sociais, o fim de postos de trabalho e a entrega do país a interesses estrangeiros, tudo com evidentes reflexos no estado do Rio. A economia da desigualdade que eles promovem, com graves consequências nas questões da segurança e da fome, foi esquecida, ao mesmo tempo em que o mantra de que tudo é uma questão de “gestão” foi repetido.

De outro lado, aqueles que procuravam apontar que são a solução, igualmente fácil, para os problemas criados pelos outros. Com respostas prontas e argumentos pré-fabricados procuravam ser didáticos a partir da crença de que o povo é ignorante. Usavam o “um minuto e meio” para apresentar respostas mágicas ditas com a convicção, a didática e a segurança que apenas aqueles que ignoram a gravidade do quadro social e econômico no estado possuem. Fraudulentamente, omitem que os graves problemas presentes não serão resolvidos com frases de efeito, fantasias ou apenas boa vontade.

O meu objetivo no debate era viver a experiência de encontrar com a diversidade a partir de quem eu sou, com minhas qualidades e defeitos. Não preparei respostas, nem fingi ser possível apresentar soluções complexas em “um minuto e meio”. Não atendi às regras que costumam ser ditadas por marqueteiros e especialistas em debates por uma razão: sempre procuro reagir à transformação da política em espetáculo. A profissionalização dos debates, importada dos EUA, acaba por empobrecer a política. Comunicação artificial, em que cada fala é produzida para adular a audiência, não me agrada.

Procurei, dentro dos limites formais do debate, ser quem eu sou, refletir e pensar antes de perguntar ou responder. Alguns podem dizer que é uma estratégia equivocada de alguém que não é da “política”. Na realidade, tentei mostrar que é possível fazer política de uma forma diferente, sem discursos prontos, agressões ou promessas vazias. Mostrar que um outro Rio de Janeiro é possível. Temos o melhor programa de governo e um compromisso com a verdade: coisas que tornam a nossa candidatura um experimento único.

COMENTÁRIOS

7 respostas

  1. Não assisti ao debate e não sou moradora do Rio de Janeiro mas onde moro não é diferente , guardadas as devidas proporções, creio que a experiência da Márcia Tiburi nessa disputa governamental será entre outras coisas, didática para os eleitores como nunca antes visto e vivido. Já é possível prever o que será a diferença entre quem realmente consegue entender o que é o fazer política com boa qualidade , no sentido de ser verdadeiro consigo e com os problemas sociais e como abrir caminhos possíveis para minimizar as deficiências em alguns casos e em outros, simplesmente a aceitação do que não será possível fazer, mas apontar estratégias para iniciar um repensar sobre o que está “normalizado” na politica e nao muda por isso mesmo. Nao muda nem pelos candidatos, nem pelos eleitores. Creio que ela terá essa função. A de dar uma sacudida na maneira distorcida de se pensar política . Por isso já valeu a pena a Marcia ter entrado no” jogo”.

  2. Realmente, esse formato restringe muito o debate. Já pra outros candidatos, é tempo demais até.

    Márcia Tiburi, torço aí pelo teu poder de síntese, mira las câmeras e vamo pas cabeças!

  3. Longa, profunda e profícua vida aos Jornalistas Livres!

    Longa, profunda vida à consagrada intelectual e transformadora candidata ao governo do Estado do Rio de Janeiro, Márcia Tiburi!

  4. Tudo bem, eu até acho esses argumentos interessantes. Acompanho a trajetória intelectual da Marcia desde 2012 – muito antes de ela se filiar ao PT ou ao PSOL. Conheço seus posicionamentos sobre a industria cultural, assisti todas as suas palestras, já comprei 4 livros para ler, sou entusiasta da PartidA e foi por isso que depositei grandes expectativa sobre sua candidatura, enquanto boa parte dos meus colegas – inclusive alguns petistas – a desacreditavam, embora não admitam isso publicamente. Mas já que, segundo ela, a candidatura tem o melhor programa, eu gostaria que os detalhes desse programa pudessem ser apresentados no debate, justamente para que eu – e o restante do eleitorado – possamos avaliar se o programa é de fato o melhor ou não. Acho que isso não tem a ver apenas com espetacularização da política, que de fato merece ser criticada, mas também com preparo e compromisso com o eleitor. Preparo implica não apenas bons princípios, mas também capacidade de demonstrar que tem competência para fazer aquilo que se propõe. Espero sinceramente que o partido não esteja usando sua candidatura apenas para eleger seus deputados ou pior, apoiando outro candidato ao governo. Nesse caso, o espetáculo estaria se elevando ao patamar de simulacro. Não faço julgamento moral, caso essa seja a estrategia, apenas gostaria de estar ciente disso de forma transparente. Até eu então eu vinha defendendo sua candidatura das críticas, mas está difícil de continuar defendendo.

  5. Infelizmente há que se adaptar a essa realidade, Márcia. Era nítido seu desconforto com o formato, mas se aceitou se candidatar, deve, a quem deseja ver o PT no governo, tentar, pele menos, jogar conforme as regras. Via-se que vc, Márcia, não se preparou para essa batalha! Ainda há tempo de vencer a guerra se vc usar sua inegável inteligência para mostrar que a esperteza não pode ganhar e o mau-caratismo não tem como sobreviver frente a um verdadeiro compromisso com o bem comum.

  6. Márcia

    Suas reflexões ficaram de bom tamanho e dentro do que esperávamos.

    O único porém que queremos destacar é que você terá de reduzir um pouco esse seu lado “filosófico” porque esse tipo de retórica já se mostrou ineficaz em eleições passadas entre aqueles que certamente você precisa atingir.

    Isso não quer dizer que você tenha de empobrecer sua linguagem, mas sim ter uma dialética mais próxima do povo que certamente está disposta a votar em Lula, por exemplo. Porque mesmo que você seja a candidata do PT, o partido do citado, o fato é que praticamente ninguém te conhece e não conseguira “se enxergar” em você como “se enxerga” em Lula. É o tipo de candidata que precisaria fazer, por exemplo, exatamente o que ele fez em termos de Brasil: pegar um ônibus e rodar o Estado inteiro pra que as pessoas possam conhecê-la, porque nem todas acompanharão debates televisivos e mesmo assim terão dificuldades em reconhecê-la, já que nesse momento você é uma “ilustre desconhecida”.

    Fora isso, a análise é bem por aí, com apenas uma ressalva (que tem a ver com o que apontamos): quando você se põe como alguém que acredita ser “possível fazer política de uma forma diferente, sem discursos prontos, agressões ou promessas vazias”, deixe claro que não se trata de ser uma outsider no pior sentido do termo (isto é, que tem como maior virtude não ser uma “pessoa da política”), pois é muito provável que alguns se lembrem de outros que se puseram assim (e que naufragaram em suas próprias idéias) e outros que conseguiram se eleger e nada acrescentaram, só se queimaram (caso de João Dória, o outsider-símbolo das eleições municipais de 2016).

    No mais, boa sorte em sua campanha e esperamos que seja um grande aprendizado pra ti. Abraços fraternos!

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