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Lula não tem tempo pra ficar triste

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Dizem que falar sobre as coisas melhora tudo. Eu falo muito sobre tudo e pouco sobre o que sinto sobre as coisas. Minha mãe diz que sou isso desde sempre. Então vou escrever.

 

A passagem por Penedo foi pra mim uma catarse de sentimentos e sensações.

 

A única coisa que sabia sobre a cidade até alguns meses atrás era que meu pai havia nascido ali. Meu velho se foi no dia 25 de dezembro, as 2h da manhã, na única noite em que ficou sozinho no hospital. Insistiu que eu passasse a noite de natal com a família, a mesma que cresceu sem sua presença por quase três décadas. Essas separações nunca ficam impunes e ficamos afastados por anos.

 

Descobri mais sobre meu pai em seus últimos três meses do que em toda minha vida. As circunstancias da morte de meu avô em Penedo, a infância dolorida alimentada por pombos em São Paulo e as memórias, de meu pai e minhas tias, da dolorosa travessia de Alagoas para São Paulo. A coragem de minha avó, recém-viúva, em colocar todos os filhos em uma viagem duríssima em busca de vida em São Paulo.

 

Em seu velório ouvi histórias fantásticas sobre o orgulho que mantinha dos filhos. A vontade de conhecer a própria terra, a honra do homem que, duro demais com a família, criara outra vida com a comunidade do Grajaú em São Paulo. Foi pai para tantos outros. Descobri também que, como eu, ele falava pouco sobre as angústias da vida.

 

Prometi ao meu velho que visitaríamos, todos juntos, sua terra natal, assim que saísse do hospital. Bem perto do fim disse que iria de qualquer forma. Ele tinha uma curiosidade comovente sobre sua terra.

 

E cá estou eu poucos meses depois desse diálogo. Chegando ao barco que faria a travessia entre Sergipe e Alagoas, pelo “Velho Chico”, pensei ainda mais no meu pai enquanto estava hipnotizado por Lula, que olhava emocionado aquela imensidão de rio. Pensei nas semelhanças entre os dois e no quanto Lula carrega em si um pouco de todos os brasileiros que, como diria meu pai, não tem tempo pra ficar triste.

 

Meu pai nunca demonstrou toda tristeza que sentia pela afastamento dos filhos. Tivesse demonstrado, provavelmente esse afastamento seria menor. Criou pra si uma armadura que lhe garantiu sobreviver à infância miserável e à juventude sofrida.  Meu pai virou homem com uma mulher forte e irmãos generosos, unidos até hoje. Mas trazia a dureza daqueles que por quase toda vida apenas sobreviveu. Viveu pouco. E nos momentos de felicidade parecia nem saber direito como se comportar. O álcool (fuga da euforia da dura ou feliz realidade) foi mais parceiro que os filhos.

 

Minha mãe certamente também engoliu o choro outras tantas vezes, enquanto faxinava a casa de alguma madame e rezava em silêncio para que Deus iluminasse a filha que aos 13 anos cuidava sozinha dos seus irmãos mais novos. Duvido que minha avó tenha tido tempo de sofrer a viuvez precoce enquanto atravessava o país de trem, ônibus e caminhão, com filhos e meu pai em seu colo.

 

Quantos e quantas, principalmente mulheres, abriram mão de sofrer a própria tristeza por falta de tempo. Pela necessidade de lutar pela próxima refeição para os filhos. Essa é uma história comum nesse país tão injusto.  

 

Lula parece ter criado para si um personagem parecido. Assim como meu velho e as mulheres da minha vida, Lula “não tem tempo pra ficar triste”. A impressão que tenho é que vive aos poucos o luto de Dona Marisa. De vez em quando se pega pensando, lembrando e embarga a voz. Para logo em seguida seguir em frente.

 

É uma pena que uma parte do Brasil, que apenas odeia Lula e tudo o que ele representa, não possa enxergar essa viagem de Lula com os olhos de quem vai até o ex-presidente tocá-lo, abraçá-lo ou simplesmente para agradecer. A maioria nunca foi beneficiada por um programa social do governo, mas diz que a vida deles nunca foi tão boa. Uma demonstração tão comovente de carinho e afeto é tratada por setores da sociedade como alienação ou, pior, clientelismo barato. Quando é, na verdade, o contrário.

 

Os milhares de “Silvas” como meu pai, que dependiam da boa vontade de coronéis pra trabalhar, de forma quase escrava e por quase cinco séculos, ganharam liberdade para mandar ao diabo uma oligarquia rural que determinava quem vivia e morria no Brasil profundo. Quem poderia ficar na terra e quem deveria atravessar o Brasil e se aglomerar nos grandes centros.

 

Em Penedo existe agora um campus da Universidade de Alagoas. Existem famílias que, graças aos programas sociais criados por Lula, romperam o miserável e desgraçado ciclo da fome, que perdurou por gerações. O seguro safra e o incentivo à produção dos pequenos produtores tirou a exclusividade do cuidado com a terra do latifundiário. Mas, desgraçadamente, isso são políticas descartáveis para parte da sociedade brasileira.

 

A linda cidade de Penedo passou por transformações profundas. Assim como o Brasil. Você não precisa gostar de Lula ou achá-lo perfeito para perceber isso.

 

Ao fim e ao cabo, fiquei miseravelmente feliz com o fato de a doença que vitimou meu velho ter me dado tempo de vê-lo chorar, lamentar, se reconciliar com minha mãe e com os filhos. Lamento ele não estar naquele barco comigo hoje, no cemitério, na igreja maravilhosa da família Lemos que está ali há quase 300 anos e foi, provavelmente, freqüentada por meus antepassados. E poder tomar aquela gelada às margens do Velho Chico ao lado do Wagnão, presidente do sindicato que ele ajudou a construir no ABC paulista.

 

Lamento profundamente o que tem passado o maior líder popular do meu tempo. Lamento ele ser tão “povo” brasileiro em seu sofrimento. Lamento ele também não ter tempo pra ficar triste pela perseguição contra si e contra seus filhos, pela triste circunstância da morte de sua esposa, pela perda de amigos tão próximos e queridos e pela doença de outros. Torço para que, nos momentos mais duros, o carinho do povo seja o suficiente para confortá-lo, como espero ter confortado meu pai nos seus piores momentos. 

 

Não deve ser fácil, sobretudo, ver parte da sua obra sendo tão atacada. As tentativas de fechar universidades e tirar dinheiro dos programas sociais devem doer nele tanto quanto suas outras dores.

 

Espero que Lula ache um tempinho pra sofrer. E espero que, depois, siga sendo essa fortaleza desencontrada e imperfeita de sonhos e esperanças, que pode colocar em movimento, novamente, a energia do povo brasileiro para escrever a própria história. Para que tantos outros “Antonios” possam viver com felicidade na própria terra, junto com seu próprio povo. E –sobretudo– tenham um tempinho pra sofrer e ficar triste.

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5 Comments

5 Comments

  1. Lgi Building

    23/08/17 at 17:41

    Perfeito, para mim isso é tão claro, difícil é entender quem odeia Lula!

  2. Sávio Ronaldo Paiva Chagas

    23/08/17 at 22:05

    Muito boa a matéria sobre o Lula. Lula 2018.
    SEGUE O FLUXO.

  3. Ivaldo Moraes

    23/08/17 at 23:18

    Lindo demais, quanta emoção….

  4. vânia da rosa

    24/08/17 at 1:34

    Meu Deus, cai como uma lágrima silenciosa em meu coração. Como essa elite é podre! Como essa elite é bárbara! Como essa elite é composta de cadáveres ambulantes, zumbis gritando sua própria vacuidade espiritual e moral. Como nessas poucas palavras tu consegues mostrar aos olhos de quem quer ver a vasta ausência de qualquer empatia desta elite com o povo e com o país. Malditos vermes travestidos de seres humanos! Conseguiram agora o impensável, alem de atirar o povo no vórtice da desesperança e miséria estão violentando sua alma, roubando sua própria identidade.

  5. Sandra

    24/08/17 at 14:38

    Olá, Otávio, maravilhoso texto. Obrigada por isso.
    Eu acho que Lula, ultimamente, tem sido triste todos os dias, tantas são as injustiças que tem sofrido e visto sua família e muitos de seus amigos sofrerem. A gente vê isso em seu olhar.
    Mas a tristeza não o paralisa, não o incapacita para a esperança, não sequestra seu senso de responsabilidade pelo destino do povo que o admira, que o ama.
    É um mar de amor que a gente tem visto nesta caravana em relação a ele. Isso lava a tristeza, faz com que fique mais suportável. Acho que a tristeza segue sendo sua companheira, mas não é capaz de jogá-lo por terra..
    Força, Lula! Aqui no sudeste, bem longe da caravana, também tem gente que te ama!

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LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

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Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

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OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

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Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

 

O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

 

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

 

Rogério Favreto

Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

 

Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

 

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Armai-vos uns aos outros

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Por José Barbosa Junior
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.

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