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Política

Instituto Lula: sobraram questionamentos, faltaram respostas

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Um exército sem generais. A base do Partido dos Trabalhadores compareceu ao Instituto Lula no domingo (16/8), mostrando sua força. Os dirigentes do partido, no entanto, faltaram mais uma vez

Nesse domingo, 16, foi realizado no bairro do Ipiranga em São Paulo, em frente ao Instituto Lula, um ato em defesa da democracia que reuniu cerca de 5 mil pessoas. A ação foi uma resposta ao grupo que pede o impeachment da presidenta Dilma, chegando ao fanatismo de recorrer às Forças Armadas.

O ato contou com bateria de escola de samba e com a aguerrida militância, não só do Partido dos Trabalhadores, mas dos movimentos populares e sindical. Dentro da programação do ato, foi realizada a 3ª Jornada pela Democracia, projeto que propõe debates temáticos com transmissão ao vivo pela TVT. Essa é a segunda vez que a Jornada é realizada como forma de enfrentar a narrativa golpista das manifestações chamadas por movimentos como o Movimento Brasil Livre e o Vem para Rua.

Participaram dos debates nomes como Laerte, Sérgio Shecaira, Vagner Freitas, Raimundo Bonfim, Paulo Teixeira e Eduardo Suplicy, entre outros. A escolha do local do ato tem uma importância ainda maior: há duas semanas o Instituto Lula sofreu um atentado. Foi a prova de que a intolerância pode chegar ao seu nível mais extremo, o da violência.

Adriano Diogo, ativista pelos direitos humanos e #JornalistaLivre, foi um dos debatedores e acompanhou o ato. Veja sua percepção sobre o dia:


“Venta nas Ruas um ar frio
Cheio de medo.
Venta nas ruas um ar pesado
Cheio de pranto.
Venta nas ruas, frias ruas
Um cheiro de morte…
Venta nas ruas, frias ruas
Onde vivem de joelhos
Venta nas ruas, onde morre o horizonte
Venta nas ruas, tristes ruas
Onde floresce a morte…
A morte…
A morte…”

 

Música “Venta nas Ruas”. Cortejo de João Guilherme Ratcliff — líder revolucionário da Confederação do Equador, condenado à morte na cidade de Recife.

Quando eu cheguei ao Instituto Lula nesse domingo, fui positivamente surpreendido por uma multidão de umas 5 mil pessoas. Imaginei que seria uma apenas uma pequena concentração simbólica de militantes. Mas ao contrário. As pessoas chegavam de vermelho, principalmente do movimento sindical, sorrindo. Uma festa. E as entidades que chamaram o ato usaram todo o aparato necessário para reproduzir esse clima. Os balões dos sindicatos marcavam a forte presença dos movimentos: Apeoesp, CUT, Sindicato dos Bancários e outros. O ato foi chamado por entidades, como o Instituto Lula, a Central Única dos Trabalhadores e a Central dos Movimentos Populares.

O ataque ao Instituto na semana retrasada deu um peso ainda maior ao evento. Finalmente eu pude ver o local onde a bomba estourou, a porta ainda estava toda perfurada, mostrando os fragmentos do projétil.

Os debates da Jornada pela Democracia complementaram a função política do ato. Foi como uma enorme aula pública, que a multidão acompanhava atenta. A mesa de que participei era composta pela secretária nacional de Juventude da CUT, Léa Marques, e pelo padre Zé Geraldo, com a mediação da jornalista Katia Passos, também dos Jornalistas Livres.

Mas quem eram as pessoas de relevância política que estavam lá? Muitos jornalistas, médicos, intelectuais, professores. Muitos militantes históricos que foram tentar dialogar com alguém. A mobilização do PT foi concentrada na Grande São Paulo e região do ABC. Alguns deputados e alguns vereadores marcaram presença, mas, no geral, a representação do partido foi fraca.

Qual era a cara das pessoas que estavam lá? Era a da indagação na busca de respostas e orientação. Houve isso? Muito pouco, muito pouco. Isso, apesar de, no mesmo final de semana, a revista “Veja” trazer um relatório sigiloso do Coaf (Conselho de Controle de Atividades) abrindo todo o sigilo bancário de Lula e do Instituto, colocando sob suspeição toda a biografia do Lula. Como é que um documento sigiloso do Governo Federal foi parar nas mãos da revista, sem que o ex-presidente estivesse a par da situação?

As pessoas queriam saber: “O que Lula fala sobre isso?” Logo ficou-se sabendo que Lula tinha ido no próprio domingo de manhã a Brasília, para conversar com Dilma. “O que foi fazer lá?” Aceitou a indicação como ministro para ter o foro privilegiado? Ou preferiu a dignidade de não se acobertar em um cargo de ministro?

Ele não aceitou o cargo de ministro. Mas quem estava lá não sabia disso. Não sabia também se havia chance de ele ser preso. E não era só isso que não sabiam.

Veja a situação: de um lado milhares de pessoas no Brasil inteiro, paramentadas de amarelo, em um nacionalismo exacerbado; do outro 5 mil pessoas militantes sinceros querendo saber o que estava acontecendo e por que estava acontecendo.

E qual era o único encaminhamento que havia na única mobilização que fez o enfrentamento ao golpe no dia 16: a perspectiva de organizar bem o dia 20.

Organizar bem o dia 20 para quê? Como? Qual a orientação? Um verdadeiro exército sem generais.

Mais uma vez a militância de esquerda e a base petista se mostravam prontas para o embate de ideias e as ações políticas, mas estavam órfãos e atônitos.

Esperava-se uma grande representação partidária e dos governos do PT da Grande São Paulo. Esperava-se também uma maciça participação de parlamentares, secretários de governos; respostas a tantas infâmias. Dentro daquele público tão diversificado e qualificado, tão pouca gente para orientar, responder e alimentar as esperanças. Apenas a direção do Instituto Lula, que deu todo o suporte e estava lá, enfrentando as dificuldades.

São Paulo jogou toda a sua energia de mobilização no ato do dia anterior na Arena Corinthians. Milhares de pessoas foram em busca da regularização de seus terrenos. Mas e a mobilização, e o repúdio ao ataque ao instituto? E a resposta ao que acontecia com pessoas enlouquecidas com as mentiras assacadas contra tudo de bom que aconteceu no país nestes últimos 12 anos?

Desde a época que antecedeu a ditadura não víamos manifestações tão agressivas e tão antipopulares. Desde a época que antecedeu o golpe de 1964 não víamos um congresso tão conservador e tão anti-democrático.

Na porta do Instituto Lula, estavam presentes a resistência, a esperança, a coragem e a certeza que esse país pode continuar melhorando e acabando com o analfabetismo político.

Mas era um exército sem generais.

Uma tribo sem caciques.

Uma nação sem dirigentes.

Diante de tantas indagações, pouquíssimas respostas.

Talvez naquele dia, na porta do Instituto, as pessoas pudessem se perguntar livremente: cadê os nossos aliados? Cadê os nossos coligados? Cadê os partidos que fazem a base de sustentação a nossos governos? Estavam lá ou estavam na Paulista de verde-e-amarelo, batendo bumbo e chamando o golpe?

Qual foi o erro que cometemos e por que os cometemos nesses 35 anos de vida? Por que não explicamos mais e melhor o que foi a Ditadura? Por que não contamos direito o que foi a tortura, as prisões e os desaparecimentos dos adversários do regime dos militares? Por que esquecemos os atentados a bomba contra bancas de jornais, contra o Riocentro, contra sede da OAB do Rio de Janeiro… E agora ficamos perplexos com o arremesso de um artefato explosivo contra a nossa própria casa, a casa que abriga o Lula.

Por que omitimos de nossa base que tantas pessoas foram vitimadas pela ditadura? Por que cedemos nos planos municipais de educação à perseguição de gênero para os mesmos grupos monarquistas que saíram às ruas em 1964 em nome da família?

Por que permitimos que as panelas da burguesia voltassem a rufar contra a liberdade do povo brasileiro?

Poderíamos chamar de uma acefalia política. Mais de 5 mil pessoas se dirigiram a um encontro com imensa representatividade simbólica. Havia muitos militantes históricos, que participaram de lutas e da fundação do PT. Todos foram com uma expectativa muito grande. E onde que as pessoas obteriam respostas? Na internet, nas redes sociais, ou mesmo consultando os sites dos grandes jornais e das grandes emissoras de televisão. Isso é: no campo antagônico, o mesmo que estava promovendo os atos na avenida Paulista.

Muitos dirigentes não foram ao Instituto Lula porque viajaram, pois acreditaram que a bandeira branca apresentada pelo editorial do jornal “O Globo”, dias antes da manifestação seria o suficiente.

Nem o próprio Lula foi pautado para receber a multidão e foi enviado para Brasília em um café da manhã no Palácio Presidencial que gerou muitas dúvidas e controvérsias.

O Instituto Lula estar posicionando é fundamental, eles têm cultura política, de golpe, mas não é o suficiente. Essa cultura não foi disseminada no PT. Sempre se priorizaram alianças, governos de coalizão. A nova geração tem dificuldades de compreender o momento político do Brasil por que nunca lhe foi transmitido esse DNA do que foram os 21 anos de Ditadura no país.

Muitas pessoas queriam saber qual foi a posição do partido em relação à chacina ocorrida em Osasco, uma cidade governada pelo PT, enquanto o secretário estadual da segurança pública fazia fotos e poses no ato da avenida Paulista apoiando os golpistas. Saíram sem respostas.

Espero que, assim como eu, que fui tão animado, as 5 mil pessoas que lá se dirigiram tenham voltado com um pouco de esperança.

O dia 20 não é auto-organizativo. Não vai surgir de uma geração espontânea. É necessário explicar para as pessoas o que é um golpe e quais as suas consequências trágicas para um povo e para um geração.

Democracia tem imperfeições, mas não há nada melhor que tenha sido inventado na humanidade. É como ar que a gente respira, pode ser poluído, impuro, mas é a essência da vida.

Esperamos que o Brasil sobreviva a esse tsunami nacionalista verde-e-amarelo.

E que as cores do arco-íris sobrevivam na enorme aurora da esperança.

Agosto, 2015.

Campinas

Ocupação Mandela: após 10 dias de espera juiz despacha finalmente

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Depois de muita espera, dez dias após o encerramento do prazo para a saída das famílias da área que ocupam,  o juiz despacha no processo  de reintegração de posse contra da Comunidade Mandela, no interior de São Paulo.
No despacho proferido , o juiz do processo –  Cássio Modenesi Barbosa –  diz que  aguardará a manifestação do proprietário da área sobre eventual cumprimento de reintegração de posse. De acordo com o juiz, sua decisão será tomada após a manifestação do proprietário.
A Comunidade, que ocupa essa área na cidade de Campinas desde 2017,   lançou uma nota oficial na qual ressalta a profunda preocupação  em relação ao despacho  do juiz  em plena pandemia e faz apontamento importante: não houve qualquer deliberação sobre as petições do Ministério Público, da Defensoria Pública, dos Advogados das famílias e mesmo sobre o ofício da Prefeitura, em que todas solicitaram adiamento de qualquer reintegração de posse por conta da pandemia da Covid-19 e das especificidades do caso concreto.

Ainda na nota a Comunidade Mandela reforça:

“ Gostaríamos de reforçar que as famílias da Ocupação Nelson Mandela manifestaram intenção de compra da área e receberam parecer favorável do Ministério Público nos autos. Também está pendente a discussão sobre a possibilidade de regularização fundiária de interesse social na área atualmente ocupada, alternativa que se mostra menos onerosa já que a prefeitura não cumpriu o compromisso de implementar um loteamento urbanizado, conforme acordo firmado no processo. Seguimos buscando junto ao Poder público soluções que contemplem todos os moradores da Ocupação, nos colocando à disposição para que a negociação de compra da área pelas famílias seja realizada.”

Hoje também foi realizada uma atividade on-line  de Lançamento da Campanha Despejo Zero  em Campinas -SP (

https://tv.socializandosaberes.net.br/vod/?c=DespejoZeroCampinas) tendo  a Ocupação Mandela como  o centro da  discussão na cidade. A Campanha Despejo Zero  em Campinas  faz parte da mobilização nacional  em defesa da vida no campo e na cidade

Campinas  prorroga  a quarentena

Campinas acaba prorrogar a quarentena até 06 de outubro, a medida publicada na edição desta quinta-feira (10) do Diário Oficial. Prefeitura também oficializou veto para retomada de atividades em escolas da cidade.

 A  Comunidade Mandela e as ocupações

A Comunidade  Mandela luta desde 2016 por moradia e  desde então  tem buscado formas de diálogo e de inclusão em políticas  públicas habitacionais. Em 2017,  cerca de mais de 500 famílias que formavam a comunidade sofreram uma violenta reintegração de posse. Muitas famílias perderam tudo, não houve qualquer acolhimento do poder público. Famílias dormiram na rua, outras foram acolhidas por moradores e igrejas da região próxima à área que ocupavam.  Desde abril de 2017, as 108 famílias ocupam essa área na região do Jardim Ouro Verde.  O terreno não tem função social, também possui muitas irregularidades de documentação e de tributos com a municipalidade.  As famílias têm buscado acordos e soluções junto ao proprietário e a Prefeitura.
Leia mais sobre:  
https://jornalistaslivres.org/em-meio-a-pandemia-a-comunidade-mandela-amanhece-com-ameaca-de-despejo/

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#EleNão

EDITORIAL – HOJE É DIA DE LUTO! PERDEMOS O MENINO GABRIEL

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Gabriel e Lula: aniversário no mesmo dia: 27/10

Gabriel e Lula: aniversário no mesmo dia: 27/10

Gabriel e Lula: aniversário no mesmo dia: 27/10

Perdemos um camarada valoroso, um menino negro encantador de feras, um sorriso no meio das bombas e da violência policial, um guerreiro gentil que defendeu com unhas e dentes a Democracia, a presidenta Dilma Rousseff durante todo o processo de impeachment, e o povo brasileiro negro e pobre e periférico, como ele.

Gabriel Rodrigues dos Santos era onipresente. Esteve em Brasília, na frente do Congresso durante o golpe, em São Paulo, nas manifestações dos estudantes secundaristas; em Curitiba, acampando em defesa da libertação do Lula. Na greve geral, nas passeatas, nos atos, nos encontros…

O Gabriel aparecia sempre. Forte, altivo, sorrindo. Como um anjo. Anjo Gabriel, o mensageiro de Deus

Estamos tristes porque ele se foi hoje, no Incor de São Paulo, depois de um sofrimento intenso e longo. Durante três meses Gabriel enfrentou uma infecção pulmonar que acabou levando-o à morte.

Estamos tristíssimos, mas precisamos manter em nossos corações a lembrança desse menino que esteve conosco durante pouco tempo, mas o suficiente para nos enriquecer com todos os seus dons.

Enquanto os Jornalistas Livres estiverem vivos, e cada um dos que o conheceram viver, o Gabriel não morrerá.

Porque os exemplos que ele deixou estarão em nossos atos e pensamentos.

Obrigada, querido companheiro!

Tentaremos, neste infeliz momento de Necropolítica, estar à altura do Amor à Vida que você nos deixou.

 

 

Leia mais sobre quem foi o Gabriel nesta linda reportagem do Anderson Bahia, dos Jornalistas Livres

 

Grande personagem da nossa história: Gabriel, um brasileiro

 

 

 

 

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Golpe

Presidência cavalga para fora dos marcos do Estado de Direito

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Por Ruy Samuel Espíndola*

O Governo, num Estado de Direito, deve ser eleito, e, depois de empossado, deve ser exercido de acordo com regras pré-estabelecidas na Constituição. Essas são as regras do jogo, tanto para a tomada do poder, quanto para o seu exercício, como ensina Norberto Bobbio. Governo entendido aqui como o conjunto das instituições eletivas, representadas por seus agentes políticos eleitos pelo voto popular. Governo que, numa República Federativa e Presidencialista como a brasileira, é exercido no plano da União Federal, pela chefia do Executivo, pela Presidência da República e seus ministros, como protagonistas e pelo Congresso Nacional, com os deputados federais e senadores, como coadjuvantes.

Ao Governo, exercente máximo da política, devem ser feitas algumas perguntas, para saber de sua legitimidade segundo o direito vigente: quem pode exercê-lo e com quais procedimentos? Ao se responder a tais questões, desvela-se o mote que intitula este breve ensaio.

Assim, pode-se dizer “Governo constitucional” aquele eleito segundo as regras estabelecidas na Constituição: partido regularmente registrado, que, em convenção, escolheu candidato, que, por sua vez, submetido ao crivo do sufrágio popular, logrou êxito eleitoral. Sufrágio que culminou após livre processo eleitoral, no qual se assegurou, em igualdade de condições, propaganda eleitoral e manejo de recursos para a promoção da candidatura e de suas bandeiras, e que não sofreu, ao longo da disputa, nenhum impedimento ou sanção do órgão executor e fiscalizador do processo eleitoral: a justiça eleitoral. Justiça que, através do diploma, habilita, legalmente, o candidato escolhido nas urnas, a se investir de mandato e exercê-lo. Um governo constitucional, assim compreendido, merece tal adjetivação jurídico-politica, ainda que durante o período de campanha ou antes ou depois dele, o candidato e futuro governante questione o processo de escolha, coloque em dúvida sua idoneidade, ou mesmo diga que não estará disposto a aceitar outro resultado eleitoral que não o de sua vitória, ou, após conhecer o resultado da eleição, diga que o conjunto de seus adversários podem mudar para outros países, pois não terão vez em nossa Pátria e irão para a “ponta da praia” .

O Governo constitucional, sob o prisma de seu exercício, após empossado, é aquele que respeita a mínimas formas constitucionais, enceta suas políticas mediante os instrumentos estabelecidos na Constituição: sanciona e publica leis que antes foram deliberadas congressualmente; dá posse a altas autoridades que foram sabatinadas pelas casas do congresso; não usa de sua força, de suas armas, a não ser de modo legítimo, respeitando a oposição, as minorias e os direitos fundamentais das pessoas e de entes coletivos; administra os bens públicos e arrecada recursos públicos de acordo com a lei pré-estabelecida, sem confisco e de modo impessoal; acata as prerrogativas do Judiciário e do Legislativo, ainda que discorde ou se desconforte com suas decisões; prestigia as competências federativas, tanto legislativas, quanto administrativas, etc, etc. Promove a unidade nacional, em atitudes, declarações públicas e políticas concretamente voltadas a tal fim.

O “Governo constitucionalista”, por sua vez, além de ascender ao poder e exercê-lo, tendo em conta regras constitucionais, como faz um governo constitucional, defende o projeto constitucional de Estado e Sociedade, através do respeito amplo, dialógico e progressivo do projeto constituinte assentado na Constituição. Respeita a história política que culminou no processo reconstituinte e procura realizá-lo de acordo com as forças políticas e morais de seu tempo, unindo-as, ainda que no dissenso, através da busca de consensos mínimos no que toca ao projeto democrático e civilizatório em constante construção sempre inacabada. E governo constitucionalista, no Brasil, hoje, para merecer esse elevado grau de significação político-democrática e civilizatória, precisa respeitar a gama de tarefas e missões constitucionais descritas em inúmeras normas constitucionais que tutelam, entre outros grupos sociais, os índios, os negros, os LGBT, os ateus, os de inclinação política ideológica à esquerda, ou a à direita, ou ao centro, sem criminalização ou marginalização no discurso público de quaisquer tendências ideológicas. É preciso o respeito ao pluralismo político e aos princípios de uma democracia com níveis de democraticidade que não se restringem ao campo majoritário das escolhas políticas, mas, antes, se espraiam para as suas dimensões culturais, sociais, econômicas, sanitárias, antropológicas e sexuais etc, etc.

Governos que ascenderam sem respeito a normas constitucionais, como foi o de Getúlio Vargas em 1930 e o que depôs João Goulart em 1964, são inconstitucionais. E governo que se exerce fechando o congresso e demitindo ministros do STF, como se fez em 1969, com a aposentação compulsória dos ministros da Corte Suprema Evandro Lins e Silva, Hermes Lima e Victor Nunes Leal, são governos inconstitucionais, arbitrários, autocráticos, fora do projeto civilizatório e democrático de 1988.

O ponto crítico de nosso ensaio é que um governo pode ascender de modo constitucional, mas passar a ser exercido de modo inconstitucional e/ou de modo inconstitucionalista. O governo do presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, é um exemplo deste último e exótico tipo: consegue ser inconstitucional e inconstitucionalista no seu exercício, embora investido de maneira constitucional.

E o conjunto de declarações da reunião ministerial de 22/4, dadas a conhecer em 22/5, é um exemplo recente a elucidar nossa asserção: na fala presidencial, a violação ao princípio da impessoalidade (art. 37, caput, CF) ressoa quando afirma que deseja agir para que familiares seus e amigos não sejam prejudicados pela ação investigativa de órgãos de segurança (polícia federal). Na fala do ministro da Educação, quando afirma “que odeia” a expressão “povos indígenas” e os “privilégios” garantidos a esses no texto constitucional, o que indica contrariar o constitucionalismo positivado nos signos linguístico-normativos “população”, “terras”, “direitos”, “língua”, “grupos” e “comunidades indígenas”, constantes nos artigos 22, XIV, 49, XVI, 109, XI, 129, V, 176, § 1º, 215, § 1º, 231, 232 da CF e 67 do ADCT. Essa fala ministerial, aliás, ressoa discurso de campanha de 2018, quando o então candidato disse, no clube israelita de São Paulo: “No meu governo, não demarcarei nenhum milímetro de terras para indígenas. Também há inconstitucionalismo evidente na fala do Ministro do Meio Ambiente quando defendeu que se fizessem “reformas infralegais” “de baciada”, “para passar a boiada”, “de porteira aberta”, no momento em que o País passa pela pandemia de covid-19, pois o foco de vigília crítica da imprensa não seria o tema ambiental, mas o sanitário e pandêmico, o que facilitaria os intentos inconstitucionalistas contra a matéria positivada nos arts. 23, VI, 24, VI e VII, 170, VI, 174, § 3º, 186, II, 200, VII, 225 e §§ da CF.

Outras falas e atitudes presidenciais ainda mais recentes, e de membros do governo, contrastam com as normas definidoras da separação de poderes, da federação e da democracia, princípios fundamentais estruturantes de nossa comunidade política naciona. A nota do general Augusto Heleno, chefe do GSI, ao dizer que eventual requisição judicial do celular presidencial pelo STF, levaria à instabilidade institucional, traz desarmonia e agride ao artigo 2º, caput, da Constituição Federal. “Chega, não teremos mais um dia como hoje” e “Decisões judiciais absurdas não se cumprem”. Essas falas presidenciais, após o cumprimento de mandados judiciais no âmbito do inquérito judicial do STF, ordenados pelo Ministro Alexandre Moraes, agridem o mesmo dispositivo constitucional, com o agravante do artigo 85, II e VIII, da CF, que positiva ser crime de responsabilidade do presidente atentar contra o livre exercício do Poder Judiciário. E o atentado contra a democracia poderia ser também destacado na fala do filho do Presidente, deputado federal Eduardo Bolsonaro, que declarou estarmos próximos de uma ruptura e que seu pai seria chamado, com razão, de ditador, a depender das atividades investigativas do judiciário, tomadas como agressões ao governo de seu genitor. E o atentado contra a federação se evidencia nas falas presidenciais contra os governadores e prefeitos que estão a tomar medidas sanitárias no combate a covid-19, em que o presidente objetiva desacreditá-los e incitar suas populações contra esses chefes dos executivos estaduais e municipais, para que rompam o isolamento social, com agressão patente aos artigos 1º e 85, II, da Constituição. Os ataques diários aos órgãos de imprensa e a jornalistas, assim como sua atitude contra indagações de repórteres, também afrontam o texto da constituição da República: 5º, IX e XIV, 220 §§ 1º e 2º, protegidos pelo art. 85, III, da CF.

Em nossa análise temporalmente situada e teoricamente atenta, o conjunto de declarações públicas conhecidas do então deputado federal Jair Bolsonaro, desde seu primeiro mandato parlamentar, alcançado em 1990, portanto após o marco constitucional de 1988, embora constituam falas inconstitucionais e inconstitucionalistas, não servem para descaracterizar a “constitucionalidade” de sua eleição em 2018. Embora ainda reste, junto ao TSE, o julgamento de ação de investigação judicial eleitoral por abuso dos meios de comunicação social, que poderão ganhar novos elementos de instrução resultantes da CPI no Congresso sobre fake news e do inquérito judicial do STF com objeto semelhante. Sua eleição presidencial se mantém válida, assim como sua posse, enquanto essa ação eleitoral não for julgada definitivamente  pela Suprema Corte eleitoral brasileira.

Algumas de suas falas públicas inconstitucionalistas e inconstitucionais pré-presidenciais devem ser lembradas: “Erro da ditadura foi torturar e não matar”; “O Brasil só vai mudar quando tivermos uma guerra civil, quando matarmos uns trinta mil, não importa se morrerem alguns inocentes”; “Os tanques e o exército devem voltar às ruas e fechar o congresso nacional”, etc. E durante o processo eleitoral de 2018, falas inconstitucionalistas também foram proferidas: “No meu governo, não demarcarei um milímetro de terras para indígenas”. “O Brasil não tem qualquer dívida com os descendentes de escravos. Nossa geração não tem culpa disso, mesmo porque os próprios negros, na África, escravizavam a si mesmos”, entre outras.

A resposta a nossa indagação: embora tenhamos um governo eleito de modo constitucional – até decisão final do TSE -, ele está sendo exercido de modo inconstitucional e de modo inconstitucionalista. A Presidência da República atual, caminha, inconstitucionalmente para fora do marco do Estado de Direito. E o passado pré-presidencial do presidente da República demonstra que o seu inconstitucionalismo governamental não é episódico e sim coerente com toda a sua linha de pensamento e ação desde seu primeiro mandato parlamentar federal.

  • Advogado – mestre em Direito UFSC Professor de Direito Constitucional – Presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB-SC – Membro Consultor da Comissão de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da OAB – Imortal da Academia Catarinense de Letras Jurídicas, cadeira 14, Patrono Advogado Criminalista Acácio Bernardes. 

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