No último domingo (16), convoquei dois amigos para ir comigo nas manifestações na Praça Santos Andrade, centro de Curitiba. Nós três somos filiados ao Partido dos Trabalhadores, militamos diariamente e ocupamos cargos de direção em gestão de representação do movimento estudantil.
Como uma experiência quase antropológica, adaptamos ao contexto com camisas ‘normais’, retirei adesivos da mochila e celular (referentes ao coletivo que integro no movimento estudantil), pulseira da Marcha das Margaridas (havia participado do evento dois dias antes) e demais acessórios. Adotamos o papel de ambulante e das 13h até 17h acompanhamos o ato vendendo bebidas (melhor maneira de conversar com as pessoas sem ter que interpelar).
A experiência foi muito interessante, respeitamos a democracia, o direito da livre manifestação e aproveitando pra exercer alteridade, que não é simples, dessa formar observar além da generalização de que são “burros”, “ignorantes”, “loucos”, “coxinhas”. Até porque os grupos que reivindicavam intervenção (golpe) militar e reclamavam da “ameaça comunista” são bem menores, mas incômodos e raivosos.
Fica visível que a maioria dos presentes não pertence a grupos sociais mais pobres e sim das classes alta e média, também eram brancos em sua maioria, pude contar meus dois amigos e mais seis pardonegros em meio de mais 30 mil pessoas (campo de visão do local que estávamos), isso não deslegitima a natureza ou invalida a pertinência das reivindicações dos presentes, também não a configura como plural e diversa como em 2013, mas reforça autocrítica em buscar onde estão as falhas que culminam nas atuais crises, digo no plural, porque vejo três crises diferentes (financeira, política-institucional e a social).

Foto: Isabella Lanave/R.U.A Foto Coletivo
Um dos momentos que mais evidenciou pra mim, o esvaziamento de discurso dos participantes da manifestação, foi quando ao retornar das manifestações, encontramos uma família que mais cedo havia nos visto na fila do mercado e nos observou vendendo durante toda à tarde de sol intenso as bebidas. Perguntaram-nos se havíamos vendido tudo e elogiaram nossa tenacidade, enfatizando nosso esforço, o que tornou contraditório os elogios a nós, foi que essa mesma família horas antes bradava xingamentos aos petistas como “vagabundos”, “preguiçosos” e que “vivem de bolsa esmola”.
Em suma, a experiência não foi fácil eu confesso, ouvi diversas vezes hostilidades à presidenta Dilma que jamais desejaria presenciar (como militante, mas principalmente como mulher) e incitação de discursos violentos que destoam do caráter político direcionando para a misoginia, preconceito, machismo e ódio às pessoas das classes mais baixas, questionamentos me inundaram durante o tempo que estive lá, mas compreender mesmo sem concordar é fundamental para quem defende a democracia.
A superação da crise política e econômica passa por processos bem mais difíceis do que prevíamos, as tais reformas de base, mesmo que complexas, são as únicas formas reais de solução e enquanto não houver mudança no sistema político e sistema financeiro, permanecem esvaziados os discursos que tanto foram repetidos naquele domingo.
