Cerca de 40 milhões de trabalhadores de braços cruzados; atos e manifestações em todos os estados do país e no Distrito Federal; transporte público, bancos e fábricas paradas; lojas fechadas; apoio das igrejas católica, evangélicas e de diversas entidades da sociedade civil. O Brasil viveu ontem a maior greve geral de sua história.
Num fato inédito, viram-se as principais centrais sindicais se unirem no chamamento à paralisação –unidade que foi uma das chaves a explicar o sucesso do movimento. Tão importante quanto isso foi a mobilização espontânea de coletivos formados em áreas onde o sindicalismo não alcança. Inúmeros relatos dão conta de atos e manifestações organizadas diretamente a partir da base, com destaque para regiões no Norte e Nordeste do país.
Eis os fatos que a grande mídia tenta abolir em seus veículos. Sua narrativa mentirosa seguiu o mesmo tom adotado antes da greve. Tais veículos esconderam o quanto puderam a realização do movimento. A manipulação desconheceu limites. Discípulos de Joseph Goebbels, o chefe da propaganda nazista, embriagaram-se na ilusão de que uma mentira repetida mil vezes acaba virando verdade.
Na véspera, a maior rede de TV do Brasil (mas não dos brasileiros) simplesmente riscou de seu noticiário que a greve ia acontecer. Nem um pio. No dia seguinte, porém, foi obrigada a colocar em campo quase todos os seus jornalistas para uma greve que, segundo eles, não ia acontecer… A mudança fala por si só. Retratou o reconhecimento covarde de que, apesar da torcida em contrário dos poderosos, a greve era uma realidade que nem o clã biliardário dirigente do grupo podia ignorar.
A narrativa do grande capital, difundida pelos que lhe prestam serviços e obediência, cobriu-se do mesmo tom falacioso diante do êxito da greve geral. Neste sábado, 29, os grandes jornais ainda se contorcem para reduzir o movimento a uma paralisação localizada e inexpressiva, coisa de minorias. O contraste com os fatos é tão brutal que provavelmente nem peixes aceitem ser embrulhados por papel desta categoria.
O governo golpista recitou o mesmo script. Não surpreende: tudo farinha do mesmo saco. Durante a greve, Temer e a camarilha de ladrões que (des) governa o país escalou ministros de segunda linha para dar curso à verborragia de falsificações. Osmar Serraglio, isso mesmo, aquele pilhado em tratativas destinadas a extorquir propinas de frigoríficos, foi aos rádios, TVs e jornais para pregar o “fracasso da greve”. O sujeito, pasmem, é ministro da Justiça. Nada melhor para retratar o tipo de criatura que tomou o poder de assalto –poucas vezes a expressão teve tanto ar de verdade.
Já o chefe desta gente, Michel Temer, recolheu-se no conforto palaciano. Cogitou fazer um pronunciamento à nação para festejar o suposto revés do movimento. Desistiu, e todos sabem as razões. Preferiu uma nota da qual é difícil se lembrar o começo, o meio e o fim. Não sem motivo. Com 4% de popularidade, rejeitado por 92% da população, odiado pelo povo, esnobado pelo papa e pendurado em acusações de ter comandado o roubo US$ 40 milhões durante a campanha eleitoral, Temer agiu com a mesma autoridade de meliantes que olham para um lado, gritam pega ladrão e saem correndo para o outro com a bufunfa alheia na carteira.
O prefeito Dória não perdeu a chance de exercitar sua vigarice com medo dos trabalhadores. Chegou ao gabinete de helicóptero. Lobista que fez fortuna à base de expedientes com empresários, sócios e órgãos públicos como a Embratur, Dória teve o desplante, bem ao seu feitio, de chamar o povo de vagabundo. Forçou servidores a dormirem no emprego. E obrigou um deles a uma humilhação sem precedentes: a de dizer que era a favor de greve, menos em dia de trabalho.
Fosse apenas assim, teríamos o cenário de um país governado por gente incapaz e desorientada. Mas não se trata disso. Na falta da força de ideias, a gendarmeria fantoche novamente recorreu à ideia da força. E dá-lhe polícia. Os golpistas convocaram milhares de fardados para atacar sem dó o movimento legítimo do povo contra as reformas que rasgam a CLT e praticamente exigem atestado de óbito de quem quer usufruir as já magras aposentadorias.
Fatos, fotos e imagens comprovam: os confrontos cantados em prosa e verso pela mídia oficial tiveram origem na repressão brutal aos grevistas. Os feridos passam de dezenas. Ao menos um trabalhador perdeu o olho; mulheres grávidas deram à luz ao não resistir ao impacto das bombas de gás e efeito (i) moral; manifestantes foram atropelados quando tentavam fugir das bombas.
Houve prisões em várias cidades. O espetáculo de violência protagonizado pela polícia encontrou seu ápice no cerco montado em volta da casa do presidente golpista. Centenas de soldados lançaram bombas e atiraram balas de borracha em trabalhadores e jovens que só queriam defender o direito a um presente digno, a um futuro melhor.
Mas o povo não recuou, mesmo diante de tamanha disparidade de condições de luta. O recado está dado. Os trabalhadores, estudantes, a juventude e a população mais pobre não vão aceitar calados abrir mão de direitos duramente conquistados. Existe tempo para anular a famigerada reforma trabalhista, aprovada só em primeira votação. Há tempo de impedir as mudanças reacionárias na aposentadoria.
A luta apenas começou. O caminho é o mesmo da greve geral: unidade na ação contra os golpistas. Nisso, a imprensa independente ocupa um papel fundamental. Não é à toa que as notícias sobre a greve conquistaram o primeiro lugar no Twitter mundial durante várias horas da sexta-feira.
É um trabalho que não se restringe às centenas de trabalhadores e jovens que compõem esta rede de informação verdadeira. Conta, como contou no dia da greve, com a colaboração de gente anônima que envia fotos, vídeos, notícias e mensagens de áudio mostrando o que de fato acontece – não a pós-verdade (mentiras, em bom português) difundidas pela mídia oficial. Os Jornalistas Livres congratulam e agradecem a todos que se juntam nesse esforço para resgatar a verdade.
De tudo isso, emerge uma certeza: nada será como antes depois deste 28 de abril histórico.