Metaforicamente, é como se um árbitro de futebol apitasse o fim do jogo aos 40 minutos do segundo tempo e argumentasse que o time A, que vence por um gol, jogou melhor e, portanto, na convicção dele, é merecedor da vitória. Na prática, Moro apitou, pegou a bola e, como um menino mimado, disse à nação: “O apito meu, a bola é minha, eu mando, acabou porque eu quero e Lula tem até amanhã, as 17h, para se entregar e ser preso.”
Por Thais Moya, especial para os Jornalistas Livres
Há ótimos estudos antropológicos sobre futebol e cultura brasileira, e este final de semana, em que houve a prisão de Lula e a decisão do Campeonato Paulista entre Corinthians e Palmeiras, foi um prato cheio para quem curte tais reflexões.
O Corinthians ganhou, mas o que mais se falou foi a polêmica do árbitro ter desmarcado um pênalti do Palmeiras, minutos depois, sob suspeita de ter recebido informações externas ao campo. Um contexto complicado, com distorções das regras sob aparente normalidade e a palavra final monocrática de um juiz.
Não foi a primeira, nem será a última vez que um clássico terá protagonismo duvidoso de um árbitro, ou mesmo que ele erre feio e as reprises televisivas escancarem sua falha. O que se destaca nesses lances é a conivência da torcida que tem seu time beneficiado. Ou seja, portanto, que seu time vença, pouco importa se o jogo foi legítimo e cumpriu as regras pré-estabelecidas.
É raríssimo um atleta admitir ou apontar um equívoco do juiz que o prejudique, como dizer, por exemplo: “Seu juiz, eu que toquei por último na bola, a lateral é do outro time”. Quando acontece, é tachado de otário e recriminado pela maioria.
O esporte expõe uma faceta perigosa do caráter humano, aquela que exige a lei somente quando agrada, ou melhor, instrumentaliza e manipula sua relação com ela de acordo com o que lhe beneficia, ou julga beneficiar.
A prisão de Lula é um exemplo extremo de como esta cisão de caráter pode se manifestar.
Os fatos são evidentes, pois de acordo o Código Penal (CP), que é literal, o processo judicial do ex-presidente ainda não foi concluído nem sequer na segunda instância, quanto mais na quarta instância como a Constituição e o CP determinam; portanto, não há margem para condenação definitiva, muito menos para uma prisão. No entanto, o juiz Sérgio Moro, mesmo sem amparo legal, encarcerou Lula em Curitiba.
Metaforicamente, é como se um árbitro de futebol apitasse o fim do jogo aos 40 minutos do segundo tempo e argumentasse que o time A, que vence por um gol, jogou melhor e, portanto, na convicção dele, é merecedor da vitória.
Na prática, Moro apitou, pegou a bola e, como um menino mimado, disse à nação: “O apito meu, a bola é minha, eu mando, acabou porque eu quero e Lula tem até amanhã, às 17h, para se entregar e ser preso.”
A torcida que queria esse resultado pouco se importou se o rito legal foi cumprido, apenas comemorou loucamente e reagiu agressivamente à outra torcida que exigia o devido cumprimento das leis.
Não vale nada se inúmeras “mesas redondas”, com especialistas, escancarem a ilegalidade cometida, que haja vídeo, com close e velocidade reduzida; a turma que quer Lula preso, fora do jogo eleitoral e político, grita e celebra o resultado final, monocraticamente definido por um juiz.
É um grande e sonoro “Foda-se a Lei!”, desde que seus desejos sejam contemplados. E, se necessário for para legitimar e garantir o resultado, mudam-se as regras no meio do campeonato, as narrativas são manipuladas, e “experts” do assunto matam a bola no peito e dão aquela famosa canetada.
O desastre é que não se trata de um esporte, e não se resume a um Fla x Flu. A prisão de Lula tem o potencial de destruir a democracia brasileira, que já está na quinta divisão, pois pode impedir que o político que figura o primeiro lugar isolado nas pesquisas eleitorais dispute o pleito, sequestrando, consequentemente, os votos da maioria dos brasileiros.
Se as regras do jogo judicial e eleitoral permanecerem à mercê do desrespeito autoritário de juízes, e, em razão disso, Lula não competir ao cargo de Presidente da República em outubro próximo, entraremos definitivamente no campo anti-democrático, em que qualquer violência poderá ter a conivência estatal e aplausos de uma arquibancada que não entende que a próxima vítima será ela.