Conecte-se conosco

Artigo

Elisa Lucinda: A consulta

Publicadoo

em

Elisa Lucinda

É fim de tarde. Fui ver a lua nascer na praia e fotografar os barcos na areia em primeiro plano, a paciência lírica dos pescadores na beira mar em segundo, e ao fundo ele, o azul de tudo, preparando o seu tapete para a luz da cheia banhar. Estou no meu Espírito Santo, em Itapuã casa de minha irmã e dessa rima. Passo pela Vila dos pescadores e sinto o clima de resistência naquela ponta de praia onde resistem em suas últimas casas. São do tempo da Itapuã aldeia. A lição calma dos pescadores me faz pensar, e eu não sei aparentemente porque, em outra viagem.

Tenho dez anos, em terras capixabas e entro com minha mãe no consultório do médico, do pediatra da família. Um lugar clássico, um cheiro de saúde que já começava a exalar no elevador do prédio. Muito difícil descrever esse cheiro. Sei que me agrada lembrar. Doutor João Manoel, com o seu impecável jaleco branco e cara de Papai Noel (com essa rima), nos examinava com tanta leveza, tanta confiança no próprio serviço, tanta clareza, tanto conhecimento daquela arte de curar, com o olhar tão específico para as peculiaridades de cada um de nós, minhas e de meus irmãos, que fica difícil não ser saudosista daquela cuidadosa medicina de família. “Doutor, essa menina só quer comer abóbora, feijão, galinha, alface e banana, não sei o que faço mais”. “Não faça nada”, retrucou o doutor. “Mas que dieta maravilhosa dessa garota, vou copiar.” Ele disse olhando pra mim e em seguida para minha Mãe que ficou séria no começo, mas acabamos todos rindo, embora ele falasse sério .

A próxima cena, sequência direta e imediata, já sou eu no Rio de Janeiro, décadas depois. Eu, uma mulher adulta entrando num prédio em Copacabana. Ia ver o médico que tinha cuidado de mim há muito tempo. Foi meu cunhado querido quando namorado da minha irmã; formavam um casal de homeopatas unicistas. Há quantos anos tudo isso!!! E agora eu chegava ali, apreensiva e com medo de estar numa pré-crise de diverticulite. Sentia que o meu abdômen exigia cuidados. O consultório tinha o mesmo ar de Doutor João Manoel, transmitia a mesma segurança, o mesmo ambiente personal e generoso, coisa que o incenso aceso de agora apontava e dava aos ares o mesmo toque de saúde. Ao fundo, depois de me receber com um abraço maravilhoso à porta, sentou-se em sua confortável cadeira o doutor Pedro. Olhei pra ele com muito carinho. Seus cabelos brancos ficaram mais lisos e por causa disso, ele me pareceu hoje mais branco menos black que outrora; pelo menos eu achava que era afro o namorado da minha irmã. Ele concorda; “Por fora fiquei mais branco com o tempo, mas sempre fui preto”, reitera.

Com calma, depois dos comentários sobre as saudades pessoais, Pedro começa a me fazer tantas perguntas sobre mim, coisas que não podem ser respondidas sem que sejamos bons observadores de nós mesmos. Assim foi.

“Você ainda é estabanada, Elisa?” Agora estou menos, respondi, e no palco, sou muito orientada. Ali não me atrapalho.

Ele me olhou com os seus olhos bons de novo e me lançou outra pergunta dessa vez mais íntima, coisa particular de paciente e médico. Um detalhe tão específico. Como é que ele sabe disso? Pensei. Ainda se lembra? Foi então que percebi que na ponta das suas bonitas mãos, havia uma fichinha toda preenchida com letra linda, cuidadosa, calma. E não era uma fichinha de agora. Tinha história ali. “Eu guardo até hoje. Tenho a memória de minha clínica. A última vez que você veio aqui foi em setembro de 1993”.
Em setembro de 93 eu era uma órfã recente, há dois meses da traumática morte da mamãe, e desde então, na desconstrução violenta que a orfandade traz ,me perdi de Pedro. E agora estava ali com meu lugar de paciente, reservado, guardado, respeitado. Era meu. Como é meu o lugar que ocupar sendo eu no mundo. Eu era pessoa pra ele. Única e irrepetível .Como todo cidadão.

“Sua irmã era tão competente, Elisa; sei lá, a Cristina era a única médica com quem eu deixava meus pacientes quando eu viajava. Ela era incrível. Nela eu confiava.”

A consulta foi mais de duas horas. Muita gente não sabe que a homeopatia considera o todo do indivíduo. Nela não tem esse negócio de só dói o joelho, nem só o estômago, nem só o rim e vamos só tratar, e em separado, das partes reclamadas, cindindo e dissecando o indivíduo em vida. Não. A saúde é, sobretudo, uma relação de forças e de funcionamentos. A princípio, e salvo raras exceções, não se pode ter um médico que ,para curar uma coisa num órgão destrói outro .É como se na hora de jogar a água do banho suja fora jogássemos o bebê junto. Com todo o respeito que eu tenho à medicina alopática e seus avanços, me incomoda essa indiscriminação na prescrição e uso dos medicamentos. Nem todos os remédios podem ser para todas as pessoas. São diferentes as pressões, as hereditariedades, os hormônios, os hábitos. Não dá pra passar o rodo e colocar toda a humanidade viciada no mesmo ansiolítico, por exemplo. É de se estranhar. A homeopatia, e em especial a unicista, aquela que nos medica com um único remédio, aquela que estuda o nosso jogo, consegue ler o nosso tabuleiro, e chegar a uma conclusão de qual é a formula específica para aquela constituição humana. Dr. Pedro Paulo, leu meu exame de colonoscopia, a localização dos divertículos, interpretou em voz alta, numa linguagem que eu entendesse, todo o meu exame de sangue e, explicou, através dele, de como sabia pelas minhas taxas que eu não era uma consumidora permanente de embutidos. Fez o exame clínico, experiente, sabedor, cuidadoso. Observou pulmões, auscultou-me com a certeza dos veteranos e o interesse amoroso e investigativo dos iniciantes, fez comentários quase poéticos sobre o meu coração, e contou casos que reforçavam a alegria de viver. Sabia que tinha chegado lá triste. Me viu. Eu não era um número, o mais um, sem nome ou desabafo na fila dos desesperados. Tampouco havia fila. Infelizmente era uma consulta particular, pois dá vontade de que todo mundo tivesse acesso. Duas horas e tal de consulta, e ele me pergunta: “Você se impressiona facilmente?”. “Muito, doutor. Se eu sei de um acidente, de um atropelamento, e ele está sendo já socorrido, viro o rosto. Não quero ver. Não me interessa a fotografia da tragédia na tela do meu HD. Fecho os olhos na hora da faca no filme, mesmo sendo atriz e sabendo que é truque. Se vejo uma criança chorando, dói em mim, doutor. Com um sorriso de professor Pardal ou de Einstein, ele disse em seguida: achei o seu remédio”.

É assim essa medicina curiosa, depois de uma profunda anamnese o médico descobre o SEU remédio e mata a charada. É um estudo que desemboca numa poção capaz de ajustar nossos conflitos, potencializar nossas defesas, acionar nossas virtudes e diminuir o impacto de nossas fragilidades. Saí de lá já melhor do que entrei. Como devem resultar as consultas. No outro dia, quando vi que o remédio custava menos de vinte reais, aí fiquei boa de vez. Só pelo preço. E esse é mais um motivo pelo qual a homeopatia não vira política de saúde pública e mais uma razão pela qual ela parece não interessar aos grandes laboratórios. Pode ser mais barata e resulta numa forte prevenção. E o detalhe é que a minha medicação vai durar dois meses, pois é pra ser ingerida uma vez por semana. Nesta hora penso em minha querida Valeria, a empregada doméstica lá de casa que eu tanto amo e que gasta 400 por mês de remédios e piro na escabrosa diferença de preços. Como pode?

O objetivo principal dessa medicina homeopática é fortalecer o indivíduo e promover a sua saúde formando um paciente cada vez mais ativo e conhecedor de si. Assim se pode partir para um equilíbrio entre nossas constituições e os mundos que frequentamos. Por isso é tão eficiente nas alergias, nas rinites, nos males crônicos e outras mazelas. É como se ali, reencontrássemos o nosso eixo. O coração do nosso dínamo.

Queria que todo mundo tivesse acesso à essa fortuna que é o que é uma medicina neste grau de compromisso com a saúde e não com a doença.

Todo esse pensamento veio, porque o pano de fundo inicial desse meu passeio ao crepúsculo, era uma sensação de que estou melhor do que a semana passada quando a consulta se deu. Parece até que faz mais tempo. Doutor Pedro Paulo, o Pedro, é também um pescador. Como aquele Pedro. Um pescador sagaz. De almas. Faz a colheita do que somos e encontra um adubo para nossa terra continuar viva, pulsante, vibrante, fértil.
A lua é já alta e o sol já se pôs sobre as águas na noite de Itapuã , a Vila mágica dos bravos pescadores.

Artigo

LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

Publicadoo

em

Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

Continue Lendo

Artigo

OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

Publicadoo

em

 

Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

 

O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

 

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

 

Rogério Favreto

Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

 

Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

 

Continue Lendo

Artigo

Armai-vos uns aos outros

Publicadoo

em

Por José Barbosa Junior
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.

Continue Lendo

Trending