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Editorial

EDITORIAL – UM GOLPE COM SANGUE NOS OLHOS

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Por Flávia Martinelli, para os Jornalistas Livres

Foto e vídeo: Sato do Brasil/Jornalistas Livres

Começou com sangue nos olhos. Um globo ocular dilacerado, cego e, por uma dessas ironias amaldiçoadas, esquerdo. Deborah Fabri, a estudante de 19 anos atingida por estilhaços de bala na primeira manifestação depois do golpe, foi perfurada em muito mais do que em seu direito de se manifestar. Figura de linguagem já não cabe mais na retórica da repressão inaugurada pelo golpista.

Houve também uma câmera fotográfica destroçada. A quantidade pedaços quebrados denuncia a ira do arremesso. E, ainda, centenas de olhos inflamados por spray de pimenta. Choro de gás e de inconformidade. “Mão na cabeça e cara virada pro muro, filho da puta! Olha pro chão, vândalo do caralho!”, é a clássica ordem de prisão policial da tropa de Geraldo Alckmin. E não dá para esquecer do olhar dos refletores do poder.

Lentes de TV estão seletivas. Só registram o vidro do caixa eletrônico quebrado. O noticiário da Globo adora um quebra-quebra. Os editoriais, espaços para a defesa do ponto de vista dos jornais, pedem mais repressão. A Folha e o Estado de S.Paulo tipificaram os manifestantes por um único grupo de meia dúzia de queimadores de lixo, pneus e quebradores de vidraças bancárias. Justificam a porrada, incutem medo na classe média, querem medidas mais duras para conter quem protesta.

O presidente golpista atendeu no mesmo dia. Temer autorizou as Forças Armadas a atuarem na Avenida Paulista no domingo (04/09) marcado para inúmeras manifestações. A “garantia da lei e da ordem” tem como desculpa a passagem da tocha olímpica no local. O governo do Estado gostou. Emitiu nota avisando que protesto não pode, não. Estão todos de olho, nas palavras dos jornais, nos “vândalos”, “arruaceiros”, “milicianos”, “fascistas”, “criminosos”, e, claro, “baderneiros”, definição preferida dos apoiadores do golpe.

Mas o que é “baderna” diante de um complô de corruptos, grandes instituições financeiras, indústrias e mercados internacionais capazes de derrubar uma democracia? E que massa é essa de “soldados da arruaça” ou “fanáticos da violência” como diz a “Folha de S.Paulo” que, depois de apoiar o golpe – esta sim a violência superlativa – se vitimiza de forma patética ao ter sua fachada pichada por manifestantes?

Os repórteres de gabinete não viram, por exemplo, que entre os incendiários de lixo havia um pai de família de 54 anos, professor da rede pública, puto por ter seu voto roubado. Se ele botou fogo para fazer barricada contra a tropa de choque, é miliciano e ponto final. E dá-lhe bomba, diz o jornal. E bomba na cara, age a PM.

“Nos últimos dias, eu testemunhei policiais fazendo mira na cabeça de manifestante”, diz a jornalista Kátia Passos que, muito antes de ser Jornalista Livre, há um ano, é mãe de uma estudante secundarista e registra praticamente todos os atos de estudantes em São Paulo. “Nesses três últimos atos não teve conversa. Eu sempre falo com os comandantes como, ouço o outro lado. Não consegui trocar uma palavra. Eles se recusam a negociar.”

Kátia reconheceu todas as cinco forças da polícia nas manifestações: Tática, Tropa de Choque, helicóptero, cavalaria e Polícia Militar. “Não via esse esquema de repressão desde o massacre de 2013, quando os policiais perderam completamente o controle e saíram atirando a esmo. A polícia não está na rua para dispersar, mas para encurralar.”

No dia do golpe, (31/08), havia mais de mil policiais em ação na manifestação. Num trecho da rua da Consolação, sem saídas laterais, eles passaram a comprimir os manifestantes, cercando o grupo num círculo. “Bombas foram lançadas no meio da passeata. A única maneira de escapar era passar pelos cordões policiais com risco de levar tiro de borracha à queima-roupa”, lembra o Jornalista Livre Adolfo Várzea.

No dia seguinte, Lucas Porto, repórter, fotógrafo, rotineiro cinegrafista de transmissões ao vivo das manifestações do Jornalistas Livres chegou a ser, literalmente, caçado por uma matilha de oficiais. Lucas sabe que sempre esteve marcado. Mas dessa vez, o grupo de policiais não se contentou de correr em seu encalço. Lucas ganhou uma bomba exclusiva, só pra ele, numa calçada praticamente vazia. Só não foi apanhado pelos PMs porque outro colaborador dos Jornalistas Livres, Caco Ishak, se colocou diante dos policiais. Caco foi atropelado por uma moto da tropa na calçada, derrubado no chão, imobilizado e levado para a delegacia. Só saiu de lá depois das 4 da manhã.

O parâmetro da violência policial deixa claro a que veio o golpe. É a opinião dos fotógrafos Christian Braga e de Sato do Brasil, ambos Jornalistas Livres. Christian vê uma escalada crescente de violência nesses últimos dias. “Tá punk, sim. E tem bala de borracha pra caramba, os caras nem pensam antes de atirar.” Sato estava próximo ao prédio da Folha de S.Paulo na última quarta-feira (31/08), quando os manifestantes picharam o portão blindado da entrada e jogaram pedras na fachada no jornal.

“Vi de longe quebrarem a câmera do fotógrafo ali. Ele estava sentado com as costas na parede. O policial simplesmente tirou o capacete da cabeça dele, arrancou a câmera, jogou no chão e pisou no equipamento.” Sato deu de cara com um PM e avisou: ‘Sou imprensa, sou imprensa’. Ele respondeu: ‘Foda-se, sai daqui! Quer tomar tiro na cara?’”. De fato. Àquela altura, a estudante Deborah já havia perdido a visão. Não era força de expressão. O golpe quer tirar sangue dos nossos olhos.

 

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2 Comments

2 Comments

  1. Nicola.

    03/09/16 at 12:53

    Eu sabia que o Alckmin estava só esperando uma oportunidade e uma ORDEM para baixar o cacete. É próprio desta turma que roubou o governo.

  2. JB

    03/09/16 at 13:03

    A Kátia Passos tem razão. Geralmente mesmo os PMs mais descontrolados costumam “acalmar” um pouco quando nos dirigimos a eles com educação. Nessa semana quando tentei dialogar com um pm do choque me senti tentando falar com um bicho.

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Coronavírus

Lula pede desculpas por usar “frase infeliz” para defender o SUS

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Desculpas: Lula pede desculpas por "frase infeliz" que usou para defender o SUS

“Eu tentei explicar que o SUS, depois de tão menosprezado no Brasil desde a sua criação pela Constituição de 1988 é, no auge da crise, que a gente tá começando a descobrir a importância de uma instituição pública que cuida da saúde pública. Foi isso o que eu tentei dizer e utilizei uma frase totalmente infeliz, uma frase que não cabia. (…) A palavra desculpa foi feita para usar. E eu peço desculpas se algum dos 210 milhões de brasileiros se sentiu ofendido por essa frase.”

Foi assim o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se desculpou hoje (20/5) por declaração feita ontem em entrevista ao jornalista Mino Carta, da revista “Carta Capital”.

Ao fazer a defesa do SUS, tão atacado pelos neoliberais, pelos cortes de gastos e pelo sucateamento do Estado, Lula disse:

“Ainda bem que natureza, contra a vontade da humanidade, criou esse monstro chamado coronavírus, porque esse monstro está permitindo que os cegos enxerguem, que os cegos comecem a enxergar, que apenas o Estado é capaz de dar solução a determinadas crises.”

A mídia tradicional, que nunca publica uma só frase do Lula, em acintosa atitude de boicote ao maior líder da oposição ao desgoverno de Jair Bolsonaro, agora vem posar de arauto da solidariedade, dando grande destaque à frase infeliz, da qual ela reproduziu apenas um trecho, em clara demonstração de má-fé. Está nas manchetes de toda a grande mídia que Lula disse: “Ainda bem que natureza, contra a vontade da humanidade, criou esse monstro chamado coronavírus”. Como se Lula estivesse homenageando o vírus.

Trata-se de estelionato vergonhoso, cometido contra Lula, o cara que tirou 30 milhões de brasileiros da condição de miséria, e que pode ser acusado de tudo, menos de indiferença ao sofrimento do povo.

Mas o Lula errou mesmo na declaração que deu. Não há nada de bom na Covid-19, que já matou mais de 18.000 brasileiros. E hoje (menos de 24 horas depois) Lula admite esse erro e pede desculpas. Humildemente, como convém aos grandes homens que são conscientes de seu papel na História.

Só para lembrar, a Rede Globo, o jornal O Globo, a Folha de S.Paulo e outros órgãos da imprensa corporativa demoraram décadas para reconhecer que erraram ao defender a Ditadura Militar que prendeu, torturou e matou milhares de brasileiros.

 

 

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Cidadania

Editorial – O “adulto na sala” ou ensaio para uma nova ditadura?

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O vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, publicou na edição de ontem do jornal O Estado de S. Paulo um artigo de opinião intitulado Limites e Responsabilidades. No texto, o vice-presidente, que diversos setores da sociedade tentam vender como o “adulto na sala” e a opção “moderada” contra o governo de destruição nacional de Jair Bolsonaro, demonstra claramente não entender NADA sobre limites e responsabilidades. Ele ultrapassa todos os limites do cargo ao ameaçar, novamente, a imprensa, o Supremo Tribunal Federal, o Congresso Nacional, os governadores dos estados que não estão alinhados incondicionalmente ao genocida que ocupa a presidência e até mesmo o direito de expressão individual de ex-presidentes da República. Portanto, Mourão não atenta à responsabilidade do cargo que possui atualmente e mata qualquer esperança de que numa eventual presidência pós-impeachment assumirá qualquer responsabilidade sobre os atos de Bolsonaro, a quem ajudou a eleger, sobre o apoio que segue dando ao genocida, ou mesmo sobre o papel fundamental de um governante que é unir a nação para resolver os problemas do povo.

Ele ataca, mais uma vez, o jornalismo de modo geral ao dizer que “A imprensa, a grande instituição da opinião, precisa rever seus procedimentos nesta calamidade que vivemos. Opiniões distintas, contrárias e favoráveis ao governo, tanto sobre o isolamento como a retomada da economia, enfim, sobre o enfrentamento da crise, devem ter o mesmo espaço nos principais veículos de comunicação. Sem isso teremos descrédito e reação, deteriorando-se o ambiente de convivência e tolerância que deve vigorar numa democracia.” 

Não, general, opiniões distintas NÃO devem ter o mesmo espaço quando se lida com vidas. Os jornalistas temos a responsabilidade de separar o que é fato, o que é opinião baseada em fatos e na ciência e o que é “achismo” ou declarações oportunistas de canalhas que querem se beneficiar do caos institucional sem se preocupar com as montanhas de cidadãos mortos. Se há intolerância na sociedade hoje, mais do que da imprensa a responsabilidade é de quem diz que os esquerdistas devem ser fuzilados e que torturadores assassinos são heróis, como fez o seu chefe e o senhor.

As únicas frases corretas do texto estão no primeiro parágrafo: “Nenhum país do mundo vem causando tanto mal a si mesmo como o Brasil. Um estrago institucional, que agora atingiu as raias da insensatez, está levando o País ao caos”. No entanto, Mourão exclui do rol de limites e responsabilidades TODAS as ações do governo federal e joga sobre outros ombros a culpa pelo caos que vivemos, com perto de mil mortes diárias pela Covid-19 em números oficiais. Aliás, assim como seu ainda chefe, o general não fez qualquer referência no artigo ao sofrimento de milhares de famílias que perderam seus entes queridos, no dia em que o país somou oficialmente mais de 14 mil mortes. O tópico não faz parte dos quatro elencados por Mourão, mas e daí, né? Contudo, também a exemplo do chefe, o militar aproveitou o cargo no governo para dar o filé mignon ao filho, que foi promovido duas vezes no Banco do Brasil para ganhar mais de 36 mil reais.

O estrago institucional em que estamos é consequência direta do golpe parlamentar/judiciário/midiático que tirou ilegalmente a presidenta Dilma Roussef do cargo. Quando um juiz de primeira instância grava e divulga ilegalmente uma conversa da presidenta e não é exonerado, há um enorme estrago institucional. Quando um ministro do STF impede que a presidenta escolha livremente um ministro da Casa Civil para se articular politicamente e impedir o impeachment, o golpe na institucionalidade é ainda maior. Quando um deputado federal vota pelo impeachment homenageando no Congresso um assassino e torturador e não sai de lá preso, a institucionalidade está ferida de morte. Quando um ex-presidente é condenado sem provas por “atos indeterminados” impedindo sua candidatura, rasgando até decisões em contrário da ONU e o ex-juiz responsável por isso vira ministro da justiça do candidato que beneficiou ilegalmente, é o fim da institucionalidade. Tudo o que temos hoje é fachada, é verniz, é disputa do butim. E os Jornalistas Livres avisaram disso em 2016.

Mas, como disse o vice escolhido por ter feito em 2017 defesa enfática da ditadura de 1964 a 1985 e de uma intervenção militar, ainda “Há tempo para reverter o desastre. Basta que se respeitem os limites e as responsabilidades das autoridades constituídas” . Neste momento é passada a hora das autoridades constituídas assumirem suas responsabilidades dentro de seus limites. O Tribunal Superior Eleitoral, por exemplo, deve julgar urgentemente as eleições de 2018 e cassar a chapa eleita (Bolsonaro E Mourão) por caixa-dois e uso massivo de fake news como fartamente provado pela imprensa. O Supremo Tribunal Federal deve urgentemente votar a suspeição de Sergio Moro como juiz nos casos envolvendo Lula e anular a condenação do ex-presidente, como é consenso no mundo jurídico sério. O presidente do Congresso, Rodrigo Maia, deve escolher o quanto antes um dos mais de 30 pedidos de impeachment contra Bolsonaro e colocar em votação, já que não faltam crimes de responsabilidade provados. E mais, votar também a proposta de lei que exige novas eleições em 90 dias no caso de impeachment. Afinal, o país só poderá retornar à normalidade democrática quando de fato houver eleições limpas, com debates sobre projetos de governo e a presença de todos os principais candidatos dos partidos.

 

Foto: www.mediaquatro.com

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Brasília

DANIEL HÖFLING: Manifesto anti-barbárie (remédios contra a crise)

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Manifesto anti-barbárie: ampliar as transferências de renda direta contra o caos

A inadequação de Bolsonaro ao posto presidencial já era evidente muito antes das eleições. Entretanto, o advento do COVID-19 explicitou a total incapacidade do atual chefe de Estado para tomar as medidas necessárias ao combate diligente às agruras ainda em estágio embrionário, que avassalarão a economia e a sociedade brasileiras em breve. A barbárie está por vir e, dada a incompetência de Bolsonaro e de parte considerável de sua equipe, cabe à sociedade propor e exigir determinadas medidas antes que o caos se instale por completo em nosso país. A primeira medida é, obrigatoriamente, abandonar a obsessão da equipe econômica pela austeridade e injetar recursos na economia como vêm fazendo países mais ricos e mais pobres do que o Brasil.

É preciso ter ciência de que os efeitos deletérios do COVID-19 no Brasil serão muito maiores do que nas demais nações desenvolvidas. Tanto do ponto de vista econômico quanto social e político, nossas condições são muito piores do que as dos países desenvolvidos e mesmo da China. Nossa capacidade de enfrentamento do problema como um todo (econômico e sanitário) é muito mais limitada e frágil e,
portanto, precisamos urgentemente tomar atitudes com o objetivo de mitigar o porvir. Da mesma maneira que as autoridades acertaram ao antecipar medidas de isolamento e de fechamento de estabelecimentos não essenciais, as esferas governamentais precisam agora canalizar esforços para que o Brasil não se enterre economicamente. Porque, se isso acontecer, num país extremamente desigual e com elevado nível de pobreza como o nosso, estaremos a um passo da guerra de todos contra todos.

A economia brasileira está regredindo há cinco anos. Acrescido a isso, temos outros problemas estruturais:

1) Diminuta capacidade de coordenação entre as esferas governamentais (municipal, estadual e federal);

2) Insuficiente infraestrutura sanitária para atendimento e combate ao COVID-19;

3) Precárias condições de infraestrutura urbana (habitacionais, transporte, comunicação);

4) Mercado de trabalho altamente informal, com baixos salários e direitos trabalhistas em desconstrução permanente;

5) Ausência de um Estado de Bem-Estar Social. É importante frisar que os problemas supracitados não existem ou apresentam-se muito mais brandos nos países desenvolvidos e na China do que no Brasil. Nosso ponto de partida no enfrentamento da crise é muito pior. Somente duas coisas nos favorecem: o tempo e a experiência dos demais países.

O Parlamento Europeu anunciou a suspensão das regras de disciplina orçamentária na União Europeia para que seus países estimulem o “quanto for necessário” suas economias. Os Estados Unidos anunciaram que enviarão um cheque de US$ 3.000,00 aos necessitados. A Venezuela anunciou hoje que pagará salários aos trabalhadores por 6 meses para que fiquem em suas casas. El Salvador anunciou a
suspensão do pagamento das contas de energia, luz, telefone, internet, aluguel e um pacote de créditos subsidiados. Por sua vez, na completa contramão, o governo Bolsonaro toma medidas paliativas e ineficazes como a antecipação de 50% do 13º para aposentados e
pensionistas ou a natimorta MP 927. Simplesmente nosso governo faz o oposto dos demais. Todos estão tomando medidas emergenciais consubstanciadas na transferência direta de renda aos necessitados para que suas economias não mergulhem numa recessão de proporções inimagináveis. Já Bolsonaro e sua equipe tomam medidas para nos precipitar ao buraco. Nós somos hoje o (-1) do mundo. Não sem razão Ian Bremmer, presidente do Eurasia Group –consultoria especializada na análise de riscos políticos globais–, classificou Bolsonaro como o “líder mais ineficaz” do planeta no combate ao COVID-19.

Quando a crise econômica –fruto da regressão econômica anterior somada aos efeitos do COVID-19– realmente chegar, teremos milhões de pessoas jogadas na rua sem qualquer ocupação ou renda. Aos 13 milhões que estavam desocupados antes do COVID-19, acrescentar-se-ão muitos outros milhões. O número de desamparados será imensurável. Não adianta nem tentarmos quantificá-los. Entretanto, existem projeções que apontam para 50 milhões de desempregados nos próximos meses –quase metade da população economicamente ativa do país. Os efeitos no PIB e na renda serão desastrosos.

Parte considerável dos ocupados encontra-se na construção civil, no varejo, nos bares e restaurantes e no comércio ambulante. Todas estas atividades sofrerão um baque tremendo a partir desta semana quando se intensificarão, corretamente, as paralisações e fechamentos. Milhões de pessoas ficarão abandonadas. O impacto é inimaginável; suas consequências também. Saques, latrocínios, invasões e destruição estarão na ordem do dia! A ausência de recursos para o mínimo da sobrevivência em meio ao espraiamento viral e ao isolamento doméstico levará justificadamente qualquer mãe ou pai a ações
desesperadas. É bom lembrar que morrem mais de 60 mil pessoas por ano assassinadas no Brasil, sem o COVID-19. Esse número tornar-se-á irrisório quando o caos se instalar.

Há no horizonte a possibilidade real de uma desorganização social generalizada no Brasil, na qual ninguém ganhará e todos perderão! Neste sentido, este Manifesto exige medidas emergenciais concretas e factíveis por parte do governo para que uma guerra civil não se instale no país.

É preciso direcionar recursos, via transferência direta, para os mais afetados pela crise! Quem serão estes? Os pobres, os trabalhadores informais dos setores mais afetados e os donos dos pequenos negócios dos setores diretamente impactados, que não terão condições de sobreviver sem sua receita ordinária. O foco da ação deve ser esse grupo de indivíduos. Quatro medidas necessárias, ainda que insuficientes, devem ser tomadas:

1) Pagamento de 1 salário mínimo a todos os desempregados por seis meses;

2) Todos os desempregados e donos de pequenos negócios afetados não devem pagar contas de energia, telefone, luz e água até outubro de 2020. Após esta data, o acumulado destes 6 meses será diluído nas contas posteriores em 24 vezes sem juros;

3) Crédito direcionado, sem juros, com início de pagamento em outubro de 2020 e parcelado em 24 vezes para os pequenos negócios afetados;

4) Tabelamento do preço de custo para os produtos de primeira necessidade.

As medidas acima demandam, obviamente, o abandono da obsessão pelo teto de gastos. Outras ações são bem-vindas, como a elevação do imposto sobre grandes fortunas ou o incremento da taxação sobre os polpudos lucros bancários –bastante razoáveis quando constatamos que os milionários no Brasil são os que pagam menos impostos no mundo em sua categoria, ao passo que os lucros dos nossos bancos estão entre os mais elevados do planeta. É importante insistir: caso a austeridade não seja imediatamente rechaçada nos tornaremos o laboratório da luta pelas reformas em meio ao caos econômico e social. Seremos o único país na face da terra (redonda) a praticar tamanha
insensatez; a cobaia do corte de gastos públicos em meio à destruição social. E o resultado disso, num dos países mais desiguais do globo, com os maiores níveis de pobreza e riqueza existentes, será definitivamente violento. Como disse o presidente de El Salvador ao anunciar suas medidas emergenciais: “A única cura para essa crise é a solidariedade”.

Precisamos da “solidariedade” fiscal do Estado brasileiro e da “solidariedade” tributária dos ultra-ricos no Brasil. É verdade que isso nunca aconteceu antes. Mas uma crise profunda de consequências catastróficas como essa também não.

Daniel de Mattos Höfling

é doutor em Economia

pela Unicamp

(Universidade Estadual de Campinas)

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