Por Kátia Passos, dos Jornalistas Livres
Todos os dias, logo no amanhecer dos paulistanos, desde o começo da gestão do prefeito Doria Jr, uma surpresa ruim aparece. Em menos de 200 dias, foram tantas as ações descabidas, marcadas pela ânsia do marketing desvairado, mas nenhuma delas mais desastrosa do que a tentativa de acabar com a Cracolândia.
Vale relembrar algumas delas:
O moço ganhou flores e as jogou no chão;
Acabou com o transporte escolar de milhares de crianças;
Cortou o Leve Leite;
Apagou grafites na cidade;
Fez ensaio fotográfico como gari;
Deu uma verdadeira revirada para baixo na Virada Cultural;
Passou o Carnaval de rua inteiro caçando ambulantes que não haviam se adequado às suas “regras” de comercialização de venda de produtos. Nessa ação, a Guarda Civil Metropolitana “ganhou” poderes de Polícia Militar. Resultado: repressão. Na ocasião, transmitimos ao vivo uma dessas caçadas.
E não parou por aí: o prefeito aumentou a velocidade nas Marginais, o que elevou , logicamente o número de mortes em acidentes.
Depois dessas e outras providências, o gestor vaidoso “entendeu” que a solução para a Cracolândia, seria sem dúvida, o extermínio do problema. Dória levou ao pé da letra o significado desse vocábulo da língua portuguesa e organizou, com o aval do governador Geraldo Alckmin, uma megaoperação caríssima em termos financeiros, e muito mais para os Diretos Humanos.
Diversas forças de Segurança Pública varreram os usuários de drogas, com balas de borracha, bombas e outros armamentos para a Praça Princesa Isabel, a uns 300 m do local original do ‘fluxo’, nome dado pelos usuários para as ruas Dino Bueno e Helvétia, onde uma multidão se aglomerava para consumir crack.
Nesta segunda (29), passados 8 dias da ação truculenta da Polícia e de Doria, massivamente criticado nas redes sociais e até na TV, um grupo de representantes de entidades de Direitos Humanos, advogados, profissionais de saúde, assistência social e parlamentares estiveram no local para avaliar o chamado “Projeto Redenção” (redenção para quem?) e as condições da região no tocante aos problemas dos moradores e à atual situação dos usuários de drogas.
Leonardo Pinho, da mesa diretora do Conselho Nacional de Direitos Humanos, desabafou: “Não há marco legal, o projeto não foi publicado. Isso quer dizer que não há regras e nem concepções. Então, profissionais de saúde não foram treinados para executá-lo, e o programa não existe. Os funcionários estão atuando sem orientação. Outro abuso foi a destruição ou o sumiço dos pertences dos moradores da Dino Bueno e Helvétia. Cobramos a secretaria de governo do município, que também não sabe dizer onde estão os pertences. Cobramos um atendimento personalizado. Fizemos um levantamento caso a caso e constatamos que levaram até documentos pessoais dos usuários. A situação é desperadora.”
Sobre os usuários, Leonardo fez um balanço triste:
“O diagnóstico da praça é assustador. Na Helvétia e Dino Bueno havia trabalhos de inclusão, projetos de cultura. Hoje, eles não podem entrar na rua. Aumentou muito o número de usuários na praça e em diversos pontos da cidade. O balanço da operação militarizada para diminuir o uso tem resultado negativo. Situação insalubre. Aumentou a agressividade e a insegurança nos usuários. Relações com agentes de saúde foram rompidas, esse é o pior cenário. O tráfico e o consumo continuam igual ou superior ao que já acontecia. Se a ação tivesse sido realizada com inteligência, para prender traficantes, talvez o resultado fosse melhor. Atacaram usuários e moradores, não o tráfico de drogas.”
O “gestor” Doria esqueceu-se –covardemente, diga-se– dos donos das empresas do tráfico: os traficantes. Preferiu hostilizar mulheres, homens, crianças e idosos, muitas vezes esquálidos, doentes e frágeis. Violou inúmeras vezes questões caras aos Direitos Humanos. Foi incapaz, desumano, vaidoso. Dória não sabe nada para além de seus luxos.
Doria não quer entender nada. Nessa visita, o prefeito não mandou ninguém de peso para o local. Somente o chefe de gabinete da secretaria de governo, Orlando Faria, apareceu e fez feio. Quando uma beneficiária do Programa De Braços Abertos interrompeu a reunião, ele chegou a orientar discretamente, um funcionário da Prefeitura a retirar a mulher do local, pelo braço, afinal muitos veículos de imprensa estavam no local. Ela permaneceu, graças ao vereador Eduardo Suplicy, que fez o movimento contrário, puxando a mulher pelo outro braço e assim, pediu que ela falasse. Enquanto isso, na praça Princesa Isabel, uma nova iluminação era instalada.
O prefeito errou o alvo de seu extermínio. Ele foi o responsável pela demolição de uma pensão com gente dentro. Exterminou histórias, lares, lembranças e a esperança de um sono tranquilo para muitas mulheres, crianças e homens que não são usuários de drogas, A maioria trabalha, leva suas crianças à escola, volta, prepara seu jantar simples e tenta descansar, para levantar cedo no dia seguinte e repetir o ciclo cotidiano. Muitos estão sem roupa, sem cama, sem casa.
Assédio sexual na Cracolândia
Na quinta (25), em meio a um ato que levou às ruas da região da Luz a informação omitida pelos veículos de imprensa tradicional de que na Cracolândia também há muitas famílias, uma comissão de moradores da Rua Dino Bueno e Helvétia foi recebida pelo subcomando da Guarda Civil Metropolitana, ali no centro. A ideia do encontro foi denunciar principalmente, a forma truculenta como estão sendo tratados os moradores, pelos agentes da Guarda que atuam no local.
Algumas pensões do entorno que ainda não foram emparedadas , demolidas ou bloqueadas ainda têm moradores. Eles têm sido constantemente hostilizados e assediados pelos guardas. São abordagens, violências físicas e até assédios sexuais que ocorrem quando voltam para seus quartos nessas moradias, depois de um dia inteiro de trabalho.
É gente muito pobre, em sua maioria mulheres, e muitas crianças.
A comandante Lídia, sugeriu que os moradores usassem uma espécie de broche de identificação, mas tal proposta foi imediatamente recusada pelos moradores. Afinal de contas, o que essas pessoas menos querem é ficar ‘marcadas’, para só assim garantirem seu direito de ir e vir sem violência policial. O que os moradores querem é o respeito da GCM.
O comandante Adelino, responsável pela área, prometeu apurar os casos e orientou os moradores a registrarem queixa na Corregedoria Geral da GCM, que cuida dos procedimentos disciplinares com atitudes isoladas ou não, de guardas que desrespeitem a lei.
E as aventuras do menino riquinho continuam, sexta (26), Doria tinha em mãos uma liminar que o autorizava a internar compulsoriamente dependentes químicos. Perdeu o poder, quando o promotor Arthur Pinto Filho, entendeu que a liminar feria gravemente o Estado Democrático de Direito e a suspendeu.
Agora o prefeito vai recorrer à liminar e quem sabe anunciar ao amanhecer, um novo desejo conquistado: sequestrar e internar dependentes de Crack e outras drogas à força. Tudo sob comando de Arthur Guerra e Ronaldo Laranjeiras, integrantes do que ele chama de Comitê Médico, os dois são os soldados de Doria Jr. na argumentação favorável à internação compulsória.
São Paulo não passa bem neste momento. Doria não quer entender nada.