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mulheres negras

DANIEL HÖFLING: A Casa-Grande propaga o coronavírus Covid-19

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O jantar - Litografia de Jean-Baptiste Debret, que passou 15 anos no Brasil capturando a vida cotidiana de uma sociedade construída sob a escravidão

A propagação exponencial do Covid-19 mediante contato social é um fato incontestável e qualquer medida na direção contrária ao  isolamento doméstico deve ser prontamente repelida. Me pergunto como se dará tal isolamento no país da eterna Casa-Grande e Senzala.

O Covid-19 chegou ao Brasil através daqueles cuja condição econômica permitiu a realização de uma viagem intercontinental, ou seja, diminuta parcela da população. Um esforço diligente de isolamento deste restrito contingente ajudaria muito na contenção do espraiamento viral. Seria uma medida factível e democrática, caso não morássemos no último país a abolir a escravidão.

As relações econômicas (e, portanto, sociais) nacionais residem em grande medida na capilaridade quase infinita dos circuitos de renda que afluem da classe alta, média alta e simplesmente média em direção a um contingente enorme de pessoas menos afortunadas. Apoiados numa miríade de serviçais os integrantes da classe média e seus superiores não imaginam uma vida sem as benesses e mordomias da Casa-Grande.

Empregadas, faxineiras, lavadeiras, babás, porteiros, jardineiros, entregadores, piscineiros (ocupação genuinamente pindorâmica) dentre outros amenizam a vida dos supostamente vencedores. Não passa pela cabeça dos mesmos acordar às 7:00 sem encontrar a mesa posta, ainda que para isso a empregada doméstica – maior contingente ocupacional do Brasil com mais de 9 milhões de indivíduos – tenha que acordar às 4:30 para estar de avental “limpa e sorridente” ao desjejum. Arrumar a própria cama, lavar a própria louça, recolher a própria roupa, jogar o próprio lixo e abrir o próprio portão são atitudes impensáveis para uma sociedade nascida do escravismo.

A escassez de oportunidades faz com que milhões de pessoas diariamente, na busca pela sobrevivência, vão ao encontro dos transmissores do Covid-19. E, na volta para casa, em ônibus e metrôs lotados, contaminem a grande parcela da população que nunca saiu do seu  massacrante cotidiano. Ao chegarem em casa, a disseminação nas moradias mais precárias, principalmente nas favelas, tem enorme potencial propagador.

O Covid-19 poderia ser uma oportunidade para repensarmos o absurdo da sociedade excludente assentada na exploração dos serviçais baratos; da desigualdade, da injustiça, do preconceito, da dor e da tristeza. Mas a força de destruição do Covid-19 é menor que o carma da construção e consolidação de uma sociedade eternamente alicerçada no fantasma do escravismo. A primeira medida correta a ser tomada, a de isolar os endinheirados viróticos de seus serviçais, provavelmente nem será levada em consideração. Pelo contrário: hoje foi anunciada a morte da primeira empregada cujos senhores, conscientes da própria contaminação, não a dispensaram do serviço.

No Brasil, mais do que qualquer outro lugar, os mortos governam os vivos.

 

Daniel de Mattos Höfling

é doutor em Economia

pela Unicamp

(Universidade Estadual de Campinas)

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5 Comments

5 Comments

  1. Gilberto Barros

    20/03/20 at 11:41

    Depois que o bozo foi ao protesto pelo fechamento do congresso e STF, o número de infectados em Brasília aumentou. Inclusive 22 membros da sua comitiva que foram ao estados unidos, estão infectados. Porque ele nega que não está com o coronavirus?? Falou merda, e agora não sabe o que fazer. O gado que comprimentou ele, não entra nem agulha no Butão.

  2. Dinei Rinaldi

    20/03/20 at 12:10

    O Brasil só fala em coronavirus e esquece das mortes de Marielle, do miliciano e do Bebiano, cujas todas as suspeitas recaem sobre os bolsonaros pai e filhos, e se esquece que país ja esrava quebrado, sucumbido antes dessa pandemia!

  3. jose francisco hofling

    22/03/20 at 22:20

    DANI…ESTOU ORGULHOSO…MUITO BOM MESMO…DEPOIS DISSO NÃO HÁ O QUE ACRESCENTAR…QUERO VER ISSO PUBLICADO NOS JORNAIS DE PIRACICABA…POR FAVOR, ENVIE…AS PESSOAS NÃO PODEM FICAR AINDA COM A IDÉIA QUE ISSO É O SINAL DOS TEMPOS BIBLICOS…E QUE DEUS NOS ESTÁ GASTIGANDO…PRECISAM SE ALICERÇAREM NA CIÊNCIA, NA HISTÓRIA E NA POL[ITICA…SEM ISSO AINDA ESTAREMOS NA IDADE MÉDIA RESPONSABILIZANDO O DEUS TODO PODEROSO POR TUDO… …

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Campinas

Famílias da Comunidade Mandela fazem ato em frente à Prefeitura de Campinas

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Comunidade Mandela Luta por Moradia

Em busca de uma solução, mais uma vez, moradores tentam ser atendidos

Os Moradores da Comunidade Mandela  fizeram nesta quinta-feira (17), um ato de protesto em frente à Prefeitura  de Campinas. O motivo da manifestação  é o   impasse  para o  problema da moradia das famílias que se arrasta desde 2016. E mais uma vez,  as famílias sem-teto  estão ameaçadas pela reintegração de posse, de acordo com despacho  do juiz  Cássio Modenesi Barbosa, responsável pelo processo a  sua decisão  só será tomada após a manifestação do proprietário.
Entretanto, o juiz  não considerou as petições as Ministério Público, da Defensoria Pública que solicitam o adiamento de qualquer reintegração de posse por conta da pandemia da Covid-19, e das especificidades do caso concreto.
O prazo  final   para a  saída das famílias de forma espontânea  foi encerrado no dia 31 de agosto, no dia  10 de setembro, dez dias depois de esgotado o a data  limite.

As 104 famílias da Comunidade ” Nelson Mandela II” ocupam uma área de de 5 mil metros quadrados do terreno – que possui 300 mil no total – e fica  localizado na região do Ouro Verde, em Campinas . A Comunidade  Mandela se estabeleceu  nessa área em abril de 2017,  após sofrer  uma violenta reintegração de posse no bairro Capivari.

Negociação entre o proprietário do terreno e a municipalidade

A área de 300 mil metros quadrados é de propriedade de Celso Aparecido Fidélis. A propriedade não cumpre função social e  possui diversas irregularidades com a municipalidade.

 As famílias da Comunidade Mandela já demonstraram interesse em negociar a área, com o proprietário para adquirir em forma de cooperativa popular ou programa habitacional. Fidélis ora manifesta desejo de negociação, ora rejeita qualquer acordo de negócio.

Mas o proprietário  e a municipalidade  – por intermédio da COAB (Cia de Habitação Popular de Campinas) – estão negociando diretamente, sem a participação das famílias da Comunidade Mandela que ficam na incerteza do destino.

As famílias querem ser ouvidas

Durante o ato, uma comissão de moradores  da Ocupação conseguiu ser liberada  pelo contingente de Guardas Municipais que fazia  pressão sobre os manifestantes , em sua grande maioria formada pelas mulheres  da Comunidade com seus filhos e filhas. Uma das características da ocupação é a liderança da Comunidade ser ocupada por mulheres,  são as mães que  lideram a luta por moradia.

A reunião com o presidente da COAB de Campinas  e  Secretário de  Habitação  – Vinícius Riverete foi marcada para o dia 28 de setembro.

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Campinas

Em meio à Pandemia a Comunidade Mandela amanhece com ameaça de despejo

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O dia de hoje (31/08) será decisivo para as 108 famílias que vivem na área ocupada na região do Jardim Ouro Verde em Campinas, interior de São Paulo.  Assim sendo, o último dia do mês de agosto, a data determinada como prazo final para que os moradores sem-teto deixem a área ocupada, no Jardim Nossa Senhora da Conceição.   A comunidade está muito apreensiva e tensa aguardando a decisão do juiz  Cássio Modenesi Barbosa – da 3ª Vara do Foro da Vila Mimosa que afirmou só se manifestar sobre a suspensão ou não do despejo na data final, tal afirmativa só contribuiu ainda mais para agravar o estado psicológico e a agonia das famílias.

A reintegração é uma evidente agressão aos direitos humanos  dos moradores e moradoras  da ocupação, segundo parecer socioeconômico  do Núcleo  Habitação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo . As famílias não têm para onde ir e cerca de entre as/os moradoras/es estão 89 crianças menores de 10 anos, oito adolescentes menores de 17 anos, dois bebês prematuros, sete grávidas e 10 idosos. 62 pessoas da ocupação pertencem ao grupo de risco para agravamento da Covid-19, pessoas idosas e com doenças cardiológicas e respiratórias, entre outras podem ficar sem o barraco que hoje as abriga.

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo, a Comissão dos Direitos Humanos da Câmara de Campinas e o Ministério Público (MP-SP) se manifestaram em defesa do adiamento da reintegração durante a pandemia. A Governo Municipal  também  se posicionou favoravelmente  a permanência após as famílias promoverem três atos de protesto. Novamente  a  Comunidade  sofre com a ameaça do despejo. As famílias ocupam essa área desde 2017 após sofrem uma reintegração violenta em outra região da cidade.

As famílias

Célia dos Santos, uma das lideranças  na comunidade relata:

“ Tentamos várias vezes propor  a compra do terreno, a inclusão das famílias em um programa habitacional, no processo existem várias formas de acordo.  Inclusive tem uma promessa que seriam construídas unidades habitacionais no antigo terreno que ocupamos e as famílias do Mandela  seriam contempladas. Tudo só ficou na promessa. Prometem e deixam o tempo passar para não resolver. Eles não querem. Nós queremos, temos pressa.  Eles moram no conforto. Eles não têm pressa”

Simone é mulher negra, mãe de cinco filhos. Muito preocupada desabafa o seu desespero

“ Não consigo dormir direito mais. Eu e meu filho mais velho ficamos quase sem dormir a noite toda de tanta ansiedade. Estou muito tensa. Nós não temos para onde ir, se sair daqui é para a rua. Eu nem arrumei  as  coisas porque não temos nem  como levar . O meu bebê tem problemas respiratórios e usa bombinha, as vezes as roupinhas dele ficam sujas de sangue e tenho sempre que lavar. Como vou fazer?”

Dona Luisa é avó, mulher negra, trabalhadora doméstica informal e possui vários problemas de saúde que a coloca no grupo de risco de contágio da covid-19. Ela está muito apreensiva com tudo. Os últimos dias têm sido de esgotamento emocional e a sua saúde está abalada. Dona Luisa está entre as moradores perderam tudo o que possuíam durante a reintegração de posse em 2017. A única coisa que restou, na ocasião, foi a roupa que ela vestia.

“ Com essa doença que está por aí  fica difícil  alguém querer dar abrigo  para a gente. Eu entendo as pessoas. Em 2017 muitos nos ajudaram e eu agradeço a Deus. Hoje será difícil. E eu entendo. Eu vou dormir na rua, junto com meus filhos e netos.
Sou grupo de risco, posso me contaminar e morrer.
E as minhas crianças? O quê será das crianças? Meu Deus! Nossa comunidade tem muitas crianças. Esses dias minha netinha me perguntou onde iríamos morar? Eu me segurei para não chorar na frente dela. Se a gente tivesse para onde ir não estaria aqui. Não é possível que essas pessoas não se sensibilizem com a gente.
Não é possível que haja tanta crueldade nesse mundo.”

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Desigualdade

Nove, o botão da morte!

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Elisa Lucinda

Na palavra elevador, agora, só vejo o pequeno Miguel, penso no menino Miguel, o anjo preto, só rezo Miguel, combato com Miguel! Afinal de contas por que ela apertou o botão nove se o garoto ia para o térreo? Quem é aquela que a câmera mostra? O que a cena revela? Mostra o menino quase fugindo daquela pessoa, era uma escapada dela, me pareceu. Sari pensa um segundo e aperta o 9. Este ato, para mim, faz o crime migrar para doloso.

À medida que, no pensamento dela, pessoas negras valem menos. Está convicta de que aquela pessoa “de cor” é uma sub pessoa. Entre Miguel e um menino branquinho, este último vale mais, é de uma raça melhor, ou melhor, é da melhor raça. Tal qual o cachorro da madame. A cena da doméstica indo caminhar com o cachorro da patroa deixando seu filho com a madame me remete ao menino que era tirado do peito da escrava. O filho preto está sendo amamentado, mas é tirado do peito porque o filho da sinhá está chorando de fome e precisa da SUA ama de leite. Ela tem que tirar o filho dela do seio para dar comida ao filho da sinhá. Ela tem que deixar o filho dela chorando para levar o cachorro da patroa. Não estou comparando o filho da patroa com o cachorro, mas estou comparando importâncias.

É chocante que haja quem ainda não entenda que o fundamento desse gesto é o racismo. Ela não faria isso, provavelmente, com filho de uma amiga. Outra pergunta que paira no ar: por que menino foi pelo elevador de serviço? Criança vai por qual elevador? O que é o elevador de serviço, qual é a sua função? É pra que categoria? Muito estranho que tenhamos que provar sempre o doloso dessa violência institucionalizada contra nós. Ela têm intenção de nos matar. Nossas vidas não importam. O racismo estrutural organiza um funcionamento necropolítico que tenta há séculos o extermínio do povo negro, e vem sendo doloso há muito tempo porque quem nos mata tem privilégios com as oportunidades que nos negam e com a nossa morte.

Bem, no caso de George Floyd a flagrante prova de que foi homicídio com dolo, com vontade, com querer, está na imagem: ninguém vai ficar nove minutos em cima de um homem indefeso com o joelho sobre o pescoço dele, se não quiser matá-lo, principalmente sendo essa pessoa um policial que sabe bem como matar, onde matar e até que ponto seguir ou parar. Mesmo filmado o frio assassinato com o policial Derek Chauvin de mão no bolso, executando gelidamente a vítima, ainda assim, não se estampa uma imagem aos olhos do mundo de que estamos diante de um branco sanguinário matador e matador de um homem desarmado. Acontece que a supremacia branca tratou de livrar a sua barra de tal jeito, que mesmo a gente tendo sabido há anos de grandes transações corruptas articuladas e realizadas por altos homens brancos, quando se senta à mesa diante de qualquer homem branco, se tem respeito, não se tem medo de ser passado pra trás. O “filme“ do branco continua limpo. Impressionante.

Ano passado fui trocar a tela do meu celular, um funcionário me deu um preço de manhã, o outro me deu outro preço quando fui autorizar de tarde. Eu vi. Ele não sabia que eu já sabia do preço certo e mentiu. Mas era cem a menos mais cedo, protestei. Ele quase sorriu, sem-graça. Flagrante. Na minha cara. O branquinho querendo me passar a perna e mesmo assim ninguém fala: Mas ô branco bandido! Ladrão. Fica difícil manchar seu nome, queimar seu filme, sujar sua barra. Então, a primeira dama de Tamandaré, Sari Gaspar não conseguiu acolher uma criança por dez minutos enquanto a mãe cumpria suas ordens? Percebe como esta cena revive o trágico e cotidiano dia a dia das senzalas onde mães choraram dores que não estão nos livros. Aquela cena sagrada da amamentação foi muitas vezes cortada na base da chicotada, na alma do coração materno e na do bebê. Essa conta não foi para a estatística. Não conta. Para a sinhá pouco importava que a cena fosse interrompida, porque uma vidinha negra não importava. E isso não mudou. Assim pensavam os antepassados de Sari Gaspar e assim pensa ela. Quando a empregada doméstica sai com o seu cachorro e deixa o próprio filho, é também uma troca de partir o coração. Quando alguém nos confia um filho, temos ouro nas mãos e a responsabilidade dobra, porque quando a mãe vier , temos que dar conta da criança, seu tesouro. Isso não está em nenhuma cartilha, mas por empatia, podemos todos entender facilmente o dogma. No entanto, o que vemos no vídeo, é a acusada, a branca vilã do filme, meio que correndo atrás do menino, sem cara de bons amigos e, pior que tudo, disposta a mudar ali um destino. Essa leitura me ocorreu quando vi o tempo em que ela para, pensa, e decide apertar o botão do nono andar.

As matérias até agora dão conta de que: a empregada estava trabalhando na quarentena, em meio à indicação de isolamento social, juntamente com uma manicure que se encontrava também indevidamente no apartamento, que a doméstica e sua mãe eram contratadas pela prefeitura e, para completar, ainda há um rumor de que a sinhá estaria inscrita na lista dos que podem receber auxílio emergencial. A mulher do prefeito!!!A que paga a fiança. A pior parte da lista de crimes, foi vê-la acompanhar o menino até o elevador de serviço e apertar o botão da morte. A mãe estava no térreo, o elevador social não dava na área perigosa em que o menino foi metido. Em inúmeras famílias brasileiras ainda se pode ver os filhos dos empregados da casa agindo como empregados, escravinhos das crianças da casa, dos filhos dos patrões. Aquela vida negra valia pra a madame tanto quanto não valia o menino que a mãe parava de amamentar na senzala para alimentar a boquinha da casa grande. Quem ela exclui como um saco de lixo no elevador de serviço é o mesmo que não está nos comerciais de tv como um bebê lindo, saudável. É o mesmo invisível que ela “não vê “ num calçadão de Recife ou de Ipanema. Crianças pretas abandonadas nas ruas, pra essa gente, estão ali porque mereceram. “São incapazes, está na índole.“ A nossa elite escrota, obscurantista, vingadora, hipócrita, corrupta, racista nem sempre esconde sua pior face e a exibe por exemplo, através do explicitado naquele vídeo que viralizou mostrando um morador de Alphaville, alterado, mal educado, grosseiro, descontrolado, esfregando na cara do oficial que ele ganha trezentos mil por mês contra mil daquele operário. Excelente ilustração. A esposa pediu socorro pois ele estava agressivo e ameaçador. A polícia veio, e a elite a escorraçou humilhantemente de sua porta. Não ouvi ninguém da branquitude dizer, mas que branco escroto! Mesmo merecendo, mesmo parecendo ser o caso. Da mesma maneira que os policiais que estavam em volta do crime do George Floyd são seus cúmplices, também são cúmplices da Sari Gaspar todos que pensam como ela e que são negligentes cruéis com os filhos da “criadagem.”

André Rebouças, grande engenheiro e pensador do Brasil livre, propôs, através de seu “Republica Nacional”, uma distribuição de terra, uma reforma agrária exatamente como programa de pós abolição. A idéia era dar pequenas propriedades para os pretos alforriados, com o fim da escravatura. Afinal, é como ele dizia: “quem possui a terra, possui o homem.” Os antepassados de Sari Gaspar, sejam eles italianos, alemães, espanhóis, holandeses, receberam terra para trabalhar quando aqui chegaram, ao contrário dos negros do pós abolição que tinham sido sim, propriedades dos senhores e nunca teriam direito fácil a alguma território legítimo. Deu no que deu. A casa grande que sempre desprezou as leis, exibe sua ignorância homicida e paga vinte mil por tirar a vida de uma criança. Que vergonhoso e assustador negócio. Coisa que esfrega na cara da sociedade essa lança, essa indecência, coisa que se fosse ao revés, essa doméstica estaria em péssimos lençóis e sem direito à fiança até. Espero que os advogados da família do Miguel atentem para o gesto em que ela apertou o 9, com uma criança de cinco anos dentro do elevador que provavelmente não tinha costume de andar naquilo. Acredito que ela tenha dispensado a ele menos atenção e valor do que se conferiria a um filho branco de uma amiga, principalmente de sobrenome importante lá pras bandas de Pernambuco. Seu crime pra mim é doloso, sua negligência não considerou aquela vida. Ela pôs o menino em risco e perigo. Abusou do incapaz. E provocou sua morte. Já vimos aquela cena, e ela deve acontecer muito por aí. A madame desta vez deu azar porque esse é o assunto da hora e o tempo de agora é de gente fazendo protesto na porta de racista. Quem me lê corra atrás do prejuízo pois há um longo caminho a percorrer para os escravocratas. Ou se é antirracista ou se suja as mãos com sangue preto inocente. A morte de Miguel em Recife me mostra isso. Quando Sari Gaspar pôs o menino sozinho no elevador de serviço provou seu desprezo por ele, e total descaso ainda, pela antiga lei do ventre livre, de 1871, a partir da qual o filho de escravo não era escravo mais não. Avante, neo abolicionistas daqui e do mundo! Ou o antirracismo geral e atuante fará diferença substancial nesta democracia, ou então, esta democracia não será nada!

Elisa Lucinda, junho injusto de 2020

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