Conecte-se conosco

Artigo

CRÔNICA DE UM DOMINGO DE CRISE

Publicadoo

em

Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da UFBA, com ilustração de Mariano

 

No último domingo, 8, vimos acontecer um evento que simboliza com perfeição a crise brasileira contemporânea.

Tratou-se de um evento síntese.

Relembrando pra quem não está tão atento à crônica política cotidiana, se é que alguém nesse país conseguiu ficar indiferente ao domingo de crise. Ainda não era nem meio-dia quando explodiu na imprensa a notícia de que Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região, havia aceitado o habeas corpus apresentado por deputados petistas em favor do presidente Lula.

As manchetes eram bombásticas: “Lula será solto ainda hoje”.

Os militantes se agitaram nos dois lados do conflito que divide a sociedade brasileira.

Os anti-lulistas babaram de ódio, xingaram o desembargador Favreto, acusando-o de ser um petista infiltrado no tribunal da 4° região, que até aqui vem sendo território de suplício para o presidente Lula.

Por sua vez, os lulistas vibraram, como se um habeas corpus emitido por um desembargador, em regime de plantão, já fosse a própria vitória nas eleições que, ao que tudo indica, acontecerão em outubro.

Meu esforço neste ensaio é tentar pensar o domingo de crise fora de qualquer histeria, explorando o seu “sentido profundo”.

Chamo de “sentido profundo” a relação do evento com algo maior que ele, com o processo no qual está inserido. Todos os principais aspectos que caracterizam a crise brasileira contemporânea podem ser percebidos neste evento síntese.

1 – O completo colapso do Sistema de Justiça.

Temos certa tendência de fetichizar o Sistema de Justiça, como se as leis fossem produzidas e operadas num espaço de austeridade, tendo como critério apenas o “interesse público”.

É claro que não é assim. Desde sempre, existe uma relação íntima entre os interesses políticos e a criação e a interpretação das leis.

Não é lei quem condiciona o poder. É o poder quem condiciona a lei. Até aqui nenhuma novidade. Sempre foi assim. Sempre será assim, em qualquer lugar do mundo onde existam seres humanos vivendo em sociedade.

Porém, a crise brasileira está levando a politização do Sistema de Justiça para além dos limites tolerados pelo marco civilizatório, pelo Estado de direito.

Primeiro, o caso do Triplex do Guarujá (localizado em São Paulo), sem nenhum vínculo direto com as investigações da Operação Lava Jato, foi capturado por Sérgio Moro, cuja jurisdição se restringe a Curitiba.

Sérgio Moro não seria o juiz natural do caso. A escolha não foi nada aleatória.

Que Sérgio Moro tem vínculos claros com o PSDB é algo óbvio para qualquer observador minimamente honesto. É óbvio porque jamais houve interesse das duas partes em esconder esses vínculos.

Bastar uma simples consulta no Google que o leitor e a leitora tropeçam com inúmeras fotografias que mostram Sérgio Moro confraternizando com lideranças tucanas, em um comportamento inadequado para um juiz.

Políticos confraternizam entre si, negociam, se deixam fotografar juntos. Um juiz não pode fazer isso, pois o juiz não é político, não pode ser político.

Alexandre de Moraes foi filiado ao PSDB, foi ministro de Temer e hoje tem cadeira na Suprema Corte. Nunca é demais lembrar que Moraes assumiu o cargo depois da morte de Teori Zavascki, uma morte que jamais foi plenamente esclarecida e que parece ter sido esquecida.

Para não dizerem que estou sendo exageradamente parcial, também podemos lembrar de Dias Toffoli, que tem sua trajetória vinculada ao Partido dos Trabalhadores. Toda a esperança petista de que o caso do presidente Lula tenha alguma solução legal está baseada na ascensão de Toffoli à presidência do STF, o que acontecerá em setembro.

A ação de Rogério Favreto em acatar o habeas corpus faz parte desse jogo. É óbvio que o desembargador estava em contato com as lideranças petistas e que a cronologia das ações foi cuidadosamente calculada: domingo, recesso do Judiciário, férias de Sérgio Moro.

Mas como as instituições estão derretidas, Moro, de férias, talvez vestindo cueca samba canção e usando chinelos de dedo, assinou um documento oficial dizendo que não cumpriria a ordem de soltura. Não cabia a ele cumprir ou não, já que uma vez promulgada a sentença, o juiz de primeira instância perde qualquer controle sobre o processo.

Além disso, num Estado de direito com instituições minimamente saudáveis, não existe a possibilidade de descumprimento de ordem judicial.

Se o desembargador era incompetente para a matéria, se a decisão foi equivocada, o habeas corpus deveria ser questionado em sessão colegiada, seja no próprio TRF4 ou nas instâncias superiores. Decisão da Justiça pode ser questionada e depois anulada. Jamais pode ser desobedecida.

E a Polícia Federal, como fica? Deve obedecer a quem? Ao desembargador ou ao juiz de primeira instância?

E se um grupo de policiais, por questões ideológicas, quiser obedecer ao juiz de primeira instância e outro grupo, pelos mesmos motivos, escolher o desembargador?

Entendem, leitor e leitora, onde isso pode chegar?

2 – A disputa pelo Estado

Em muitos aspectos, a crise brasileira é a crise mundial. Talvez o Brasil seja o laboratório dessa crise, o principal palco de sua manifestação. Mas crise, de forma alguma, é uma jabuticaba. Não é privilégio nosso. Não mesmo.

Guardadas as devidas particularidades que variam de país para país, a crise internacional pode ser explicada pelo acirramento das disputas pelo Estado. A conciliação que viabilizou o experimento do Estado de Bem-Estar Social não se sustenta mais e a consequência lógica do fim da conciliação é a radicalização dos conflitos.

Os que falam em “Estado mínimo” querem se apropriar do Estado, fazer com que o Estado atenda aos seus próprios interesses. Não existe “Estado mínimo” em sociedades complexas. O que existe é a disputa pelo Estado. Cada grupo sempre quer Estado máximo para si e, como o cobertor é curto, isso significa impor Estado mínimo aos outros.

Por outro lado, os grupos sociais que conquistaram direitos no experimento do Estado de Bem-Estar Social, naturalmente querem manter essas conquistas, protegê-las da ofensiva neoliberal em curso, repito, no Brasil e no mundo.

No Brasil, com todos os seus defeitos, o Partido dos Trabalhadores, sob a liderança de Lula, representa aquilo que de mais próximo tivemos de uma experiência de Bem-Estar Social. Por isso, Lula não foi solto. Por isso, uma decisão judicial foi descumprida.

Há muito tempo, Lula deixou de ser um homem e se tornou uma instituição, um símbolo que representa a função social e provedora do Estado. É natural que Lula tenha se transformado no principal alvo do golpe neoliberal em curso no Brasil. Sem a destruição de Lula, o projeto do golpe não se consolida.

3 – A derrota nas instituições X vitória no imaginário popular

No final do dia aconteceu o que já era previsto por todos, até mesmo pelos parlamentares que tentaram o habeas corpus: as autoridades que antes tinham bancado a prisão de Lula (Carmen Lúcia, Raquel Dodge, Thompson Flores) sufocaram a rebelião de Favreto e mantiveram a decisão inicial.

Uma derrota para o PT? Depende da perspectiva.

A crise institucional é tão grave, abriu-se um fosso tão grande entre as instituições e a opinião pública, que as derrotas institucionais, geralmente, significam vitórias no imaginário popular.

Dilma foi deposta por um golpe parlamentar. Temer assumiu a Presidência da República. A população rejeita Michel Temer como nunca antes rejeitou um presidente na história desse país. Todas as lideranças que se aproximaram de Temer viram seu capital eleitoral desidratar.

Rodrigo Maia, Henrique Meirelles, Geraldo Alckmin. Pelo que sugerem as pesquisas, todos teriam um desempenho vergonhoso se as eleições fossem hoje. Nada no horizonte sugere que esse cenário irá mudar em três meses.

E Lula?

Lula lidera com folga e o PT continua sendo o partido político mais popular entre os eleitores.

Os golpistas venceram na disputa institucional, sem dúvida: tomaram o poder de assalto e reorientaram os fundamentos conceituais do Estado brasileiro com a Emenda Constitucional 95 (decretada pela famigerada “PEC dos Gastos”), que entregou a agenda desenvolvimentista do poder público ao controle do mercado. Nem os militares, nem os governos tucanos, ousaram ir tão longe.

Mas na opinião pública, no imaginário popular, os golpistas perdem, e perdem de goleada.

Foi exatamente essa percepção que orientou a ação dos parlamentares petistas que apresentaram o pedido de habeas corpus no plantão do desembargador Favreto.

Na real, como comentei há pouco, todos eles sabiam que o golpe não deixaria Lula ser solto. O próprio Lula sabia disso. Ele nem deve ter feito as malas.

Mas mesmo assim, a ação foi importante. Talvez tenha sido o lance mais astuto da Partido dos Trabalhadores nessa conjuntura de crise.

Moro, colocando os pés pelas mãos, mordeu a isca lançada pelas lideranças petistas. Ao assinar documento oficial, em férias, interferindo em um processo que não mais lhe dizia respeito, Moro escancarou o que já era óbvio: Lula não é um preso comum. É um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

O Sistema de Justiça foi exposto nas suas entranhas corrompidas: um juiz petista mandou soltar e um juiz tucano mandou deixar preso.

A militância petista, quase acostumada com a prisão de Lula, foi reanimada. Lula passou o dia sob os holofotes da mídia, encenando publicamente um episódio de martírio.

Foi um ato de guerrilha, rápido, pequeno, com saldo positivo para as trincheiras petistas.

Isso tudo em um domingo. Não era segunda-feira, não era quinta-feira. Era um domingo, um domingo de ressaca, de luto por mais uma eliminação em Copa do Mundo. Tinha tudo pra ser um domingo preguiçoso, lento, como costumam ser os domingos.

Não foi. Foi um domingo de crise.

 

Artigo

LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

Publicadoo

em

Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

Continue Lendo

Artigo

OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

Publicadoo

em

 

Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

 

O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

 

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

 

Rogério Favreto

Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

 

Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

 

Continue Lendo

Artigo

Armai-vos uns aos outros

Publicadoo

em

Por José Barbosa Junior
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.

Continue Lendo

Trending