ARTIGO
Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Bagge
Domingo, 26 de maio, os apoiadores do presidente Jair Bolsonaro foram às ruas em diversas cidades, dando continuidade ao ambiente de mobilização social que desde 2013 caracteriza a crise brasileira.
Existe um conteúdo profundo neste 26 de maio que traduz o atual estágio da crise.
Os apoiadores do presidente manifestaram um desejo de representação política que tem alma autoritária e inspiração fascista. Mobilizados por uma relação de afeto com o líder, os manifestantes desejam eliminar aquilo que consideram ser os obstáculos institucionais que inviabilizam a plena realização da “verdadeira representação política”.
Na sensibilidade política dessas pessoas não há espaço para a oposição. Não há espaço sequer para a adesão parcial. Todos aqueles que não aderirem plenamente ao projeto de nação idealizado pelo líder são transformados em inimigos e como tais devem ser tratados. Na guerra, o inimigo deve ser abatido.
Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional seriam os responsáveis pelas dificuldades enfrentadas por Bolsonaro nestes cinco meses de mandato. Juízes e parlamentares estariam atrapalhando o presidente em sua missão regeneradora. O que está em disputa aqui são os conceitos de democracia e representação política. Os apoiadores de Bolsonaro acreditam que ritos fundamentais para a democracia representativa moderna são, na verdade, potencializadores de corrupção e estão sendo usados para enfraquecer o presidente.
Pouco importa a legitimidade constitucional dos ministros da Suprema Corte, cuja função é, exatamente, garantir que a legalidade não seja desrespeitada pelos políticos eleitos. Pouco importa a legitimidade eleitoral dos deputados e senadores.
Para o apoiador orgânico de Jair Bolsonaro, o único representante legítimo é o próprio presidente e qualquer ação institucional que impeça a plena realização de suas ideias é vista como “velha política”, como conspiração dos corruptos.
Mas como é comum nesse tipo de ocasião, a agenda das ruas é manipulada, o que cria diferenças consideráveis entre os reais propósitos dos manifestantes e o seu eco na mídia corporativa. Todos sabemos que a comunicação social brasileira é monopolizada por empresas que quase sempre representam os interesses do grande capital. Isso é especialmente verdadeiro no caso do grupo Globo, para quem a reforma da previdência é pauta prioritária, com ou sem Bolsonaro.
Ao longo de todo o dia, a TV Globo se esforçou em esvaziar o conteúdo autoritário das manifestações para transformá-las num ato popular em defesa da reforma da previdência. A ginástica narrativa foi caricata, patética mesmo: imagens distanciadas da multidão, sem repórteres em campo entrevistando manifestantes. Pronto! Basta colocar uma legenda na tela e impor a pauta desejada às ruas. A comunicação social é um dos principais problemas brasileiros.
O 26 de maio, portanto, traduziu com precisão o conflito que está instaurado na frente ampla que desestabilizou os governos petistas: de um lado, a direita liberal que queria destruir o PT para esvaziar a vocação assistencialista do Estado moderno brasileiro. Estão aqui representados os interesses do capital financeiro nacional e internacional, que precisa de um Estado enxuto, leve e preparado para atuar como avalista da especulação.
Do outro lado, está a direita fascistoide que foi alimentada pelo colapso do sistema político. A direita fascistoide não quer privatizar, não quer Estado mínimo. A direita fascistoide quer mesmo é Estado total, é o controle do comportamento, das ideias e da cultura.
A direita fascitoide acordou cedo, se vestiu de verde e amarelo e saiu de casa para defender o presidente. A direita liberal não ficou parada e tentou se apropriar da narrativa, na tentativa de convencer o Congresso Nacional de que a Reforma da Previdência tem apoio popular. A ver se cola.
O 26 de maio serviu para conheceremos com mais clareza o tamanho da base social orgânica do bolsonarismo. Obviamente, não foi a totalidade dos 57.7 milhões de eleitores de Bolsonaro que se manifestou. Muito longe disso, muito longe mesmo. De todas as manifestações recentes, o 26 de maio foi a de menor expressão numérica, o que não quer dizer que tenha sido irrelevante do ponto de vista político.
Seria um imperdoável erro de análise (e de estratégia) medir a relevância política da mobilização usando apenas a métrica da quantidade de pessoas que efetivamente foram às ruas.
E se o decreto de armas já estivesse vigente? Se os apoiadores de Bolsonaro estivessem nas ruas carregando pistolas e fuzis?
Bolsonaro terminou o dia 26 de maio com um sorriso de canto de boca formado no rosto. Não foi exatamente uma vitória, mas tá longe de ter sido uma derrota. Foi um diagnóstico, uma missão de reconhecimento do terreno.
Agora, ele sabe perfeitamente que sua base orgânica não é suficiente para governar na democracia. Mas se estiver armada e organizada, será o bastante para sustentar, através da violência e do medo, uma tirania.
3 respostas
Primeiro…
Quanta bobagem!!!
Ê porqueira de jornal… tá com raivinha porque não recebe mais incentivos do governo como recebia do governo petralha….