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Saúde

Considerando que

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01. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio da procuradora da República signatária, no exercício das atribuições que lhes são conferidas pelo art. 127, caput, e art. 129, V da Constituição da República; art. 5o, inciso III, alínea “e”, art. 6o, inciso VII, alínea “c”, I, todos da Lei Complementar n.o 75/93 e demais dispositivos pertinentes a este ato; bem como:

02. CONSIDERANDO a situação de Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional, declarada pela Organização Mundial da Saúde em 30 de janeiro de 2020, em decorrência da pandemia causada pelo SARS-CoV-2 (novo coronavírus);

03. CONSIDERANDO que o Ministério da Saúde do Brasil declarou situação Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional em 3 de fevereiro de 2020 (Portaria MS no. 188/2020);

04. CONSIDERANDO a promulgação da Lei no. 13.989/2020 que “dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019”;

05. CONSIDERANDO que no Brasil o vírus já atinge todos os Estados da federação, sendo registrados 5.717 casos e 201 mortes até o dia 1o de abril de 2020;

06. CONSIDERANDO que as especificidades imunológicas e epidemiológicas tornam os povos indígenas particularmente suscetíveis ao novo coronavírus, sobretudo tendo em vista que doenças respiratórias são uma das principais causas de óbitos entre estes povos:

Historicamente, observou-se maior vulnerabilidade biológica dos po- vos indígenas a viroses, em especial às infecções respiratórias. As epidemias e os elevados índices de mortalidade pelas doenças transmissíveis contribuíram de forma significativa na redução do número de indígenas que vivem no território brasileiro. As doenças do aparelho respiratório ainda continuam sendo a principal causa de mortalidade infantil na população indígena (SESAI, Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo Coronavírus (COVID-19) em Povos Indígenas);

07. CONSIDERANDO que aspectos socioculturais de alguns povos indígenas, como concepção ampliada de família e de núcleo doméstico, habitação em casas coletivas e o compartilha- mento de utensílios, podem facilitar o contágio exponencial da doença nas aldeias1;

08. CONSIDERANDO, ainda, que a situação de especial vulnerabilização social e econômica a que estão submetidos os povos indígenas no país, bem como que as dificuldades logísticas de comunicação e de acesso aos territórios agravam o risco de genocídio indígena;

09. CONSIDERANDO que viroses respiratórias foram vetores do genocídio indígena em di- versos momentos da história do país, com dezenas de casos de genocídios provocados por epidemias registrados em documentos oficiais, como o relatório da Comissão Nacional da Verdade de 2014 e o relatório Figueiredo de 1967;

10. CONSIDERANDO que a FUNAI, até o momento, não divulgou plano de ação para prevenção e tratamento da Covid-19 entre os povos indígenas;

11. CONSIDERANDO que a Constituição Federal dispõe que a saúde é um direito social de todos e dever do Estado, devendo ser garantida “mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (artigo 6o c/c 196);

12. CONSIDERANDO que os cuidados com a saúde são de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que devem conjugar recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos (Constituição Federal, art. 23, II; art. 30, VII e Lei no. 8.080/1990, art. 7o, XI);

13. CONSIDERANDO que “as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único”, cujas diretrizes são a descentraliza- ção, o atendimento integral e a participação da comunidade (Constituição Federal, art. 198);

14. CONSIDERANDO que o Sistema Único de Saúde (SUS) é constituído por um conjunto de ações e serviços de saúde prestados por órgãos e entes públicos federais, estaduais e muni- cipais, da administração pública direta e indireta, obedecendo aos princípios da universalidade e igualdade da assistência à saúde, dentre outros (Lei no. 8.080/1990, art. 4o e 7o, I e IV);

15. CONSIDERANDO que “para atendimento de necessidades coletivas, urgentes e transitórias” decorrentes de irrupção de epidemias, a autoridade competente da esfera administrativa da União, Estados e Municípios poderá requisitar bens e serviços de pessoas físicas ou jurídicas, assegurando-lhes indenização (Lei no. 8.080/1990, art. 15);

16. CONSIDERANDO que a “Lei do SUS” (Lei no. 8.080/1990), com as alterações promovi- das pela Lei no. 9.836/1999, instituiu o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, componente do Sistema Único de Saúde, cujas ações e serviços de saúde são voltados para o atendimento dos povos indígenas em todo território nacional, coletiva ou individualmente (artigos 19-A e 19-B);

17. CONSIDERANDO que os povos indígenas têm direito a uma política de saúde diferenciada, que respeite suas especificidades e práticas tradicionais e que contemple “aspectos de as- sistência à saúde, saneamento básico, nutrição, habitação, meio ambiente, demarcação de terras, educação sanitária e integração institucional” (artigo 19-F);

18. CONSIDERANDO que a Convenção no. 169 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil, prevê em seu artigo 25.2 que a política diferenciada de saúde indígena deve considerar as “condições econômicas, geográficas, sociais e culturais”, assim como os “métodos de prevenção, práticas curativas e medicamentos tradicionais” dos povos indígenas;

19. CONSIDERANDO a criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena – SESAI (Lei no. 12.314/2010);

20. CONSIDERANDO que em nível local cabe aos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) e Polos Base – órgãos superiores da estrutura da SESAI – a promoção “de ações específicas em situações especiais”, a exemplo do combate de epidemias, surtos, dentre outras intempéries (Portaria MS no. 254/2002);

21. CONSIDERANDO que o SUS serve como retaguarda e referência ao Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, devendo adaptar sua estrutura e organização de forma a propiciar a integração e o atendimento necessário em todos os níveis (artigo 19-G, §2o);

22. CONSIDERANDO, nesse sentido, que o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena desenvolve serviços e políticas de atenção básica ou primária em saúde para os povos indígenas, primordialmente em seus territórios tradicionalmente ocupados, referenciando os casos de média e alta complexidade para os hospitais do SUS administrados por Estados e Municípios;

23. CONSIDERANDO que foi instituído o Incentivo para a Atenção Especializada aos Po- vos Indígenas (IAE-PI) que visou qualificar os serviços de saúde de média e alta complexidade oferecidos aos usuários indígenas por meio de repasses financeiros a entes estaduais e municipais e a estabelecimentos ambulatoriais e hospitalares (Portaria MS no. 2.663/2017);

24. CONSIDERANDO que, nos casos em que há demanda por atendimento de média e alta complexidade, as Casas de Saúde Indígena recebem os usuários referenciados vindos das aldeias, e o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena deve adotar procedimentos de referência, contrarreferência e acompanhamento dos usuários encaminhados à rede do SUS, garantindo o respeito às restrições e prescrições alimentares, acompanhamento por parente ou intérpretes, acolhimento adequado, dentre outras medidas de respeito à diversidade e às práticas tradicionais (Decreto no. 3.156/1999, art. 2o, parágrafo único, e Portaria MS no. 254/2002 – Política Nacional de Saúde Indígena);

25. CONSIDERANDO que as Secretarias Estaduais e Municipais “devem atuar de forma complementar na execução das ações de saúde indígena”, sendo “indispensável a integração das ações nos programas especiais, como a imunização, saúde da mulher e da criança, vigilância nutricional, controle da tuberculose, malária, doenças sexualmente transmissíveis e aids, entre outros, assim como nos serviços de vigilância epidemiológica e sanitária a cargo dos gestores estaduais e municipais do SUS” (Portaria MS no. 254/2002 – Política Nacional de Saúde Indígena);

26. CONSIDERANDO que os órgãos e entes, no âmbito de suas atribuições compartilhadas ou específicas, devem atuar em perfeita complementariedade, cooperação e integração, em consonância com a Constituição Federal, a legislação do SUS e a Política Nacional de Saúde Indígena (Portaria MS no. 254/2002);

27. CONSIDERANDO que o cenário, acima descrito, de risco de genocídio dos povos indígenas reclama ações emergenciais dos órgãos e entes públicos, SESAI, União, Estados e Municípios, de forma complementar, coordenada e integrada, sobretudo na prevenção da disseminação da doença entre os povos indígenas, mas também na garantia do pleno atendi- mento, evitando a ocorrência de “pontos cegos” e a evolução dos casos eventualmente constatados decorrente da demora no atendimento;

28. CONSIDERANDO que a SESAI, diante deste cenário, expediu uma série de notas informativas, ofícios circulares, recomendações e orientações às Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígenas, DSEI, Polos Base e CASAI acerca da prevenção e do tratamento da Covid- 19, da assepsia e do uso de equipamento de proteção individual, dos procedimentos de ações de vigilância, dos protocolos de manejo clínico, da notificação, dos fluxos nas referências do SUS, dentre outras informações (Nota informativa no. 2/2020-COGASI/DASI/SESAI/MS, Nota Informativa no. 6/2020-COGASI/DASI/SESAI/MS, Ofícios Circulares no 1/2020/DASI/ SESAI/MS, no 2/2020/DASI/SESAI/MS, no 3/2020/DASI/SESAI/MS e no 27/2020/COGASI/ DASI/SESAI/MS);

29. CONSIDERANDO que a SESAI divulgou o Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo Coronavírus (COVID-19) em Povos Indígenas e os Informes Técnicos no. 1, 2 e 3/2020 com previsão, dentre outras medidas, da restrição das remoções e desloca- mento das aldeias e da permanência nas CASAI aos casos emergenciais e de acompanhamento absolutamente necessários, com o propósito de reduzir a circulação dos indígenas nas cidades e evitar exposição ao contágio;

30. CONSIDERANDO que a SESAI instituiu o Comitê de Crise para planejamento, coordenação, execução, supervisão e monitoramento dos impactos da Covid-19 sobre os povos indígenas (Portaria SESAI no. 16/2020);

31. CONSIDERANDO que estas medidas de informação e de gestão devem estar à altura da magnitude do risco de contágio e de genocídio;

32. CONSIDERANDO que os Polos Base devem dispor de insumos laboratoriais para diagnóstico da Covid-19;

33. CONSIDERANDO que a não realização de testes poderá obrigar os indígenas a permanecerem em quarentena nas cidades, o que nem sempre se revela possível, bem como aumenta o risco de contágio exponencial nas aldeias;

34. CONSIDERANDO que muitas aldeias não dispõem de equipamento de comunicação, o que pode prejudicar a remoção de emergência e/ou obrigar os indígenas ou Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena a se deslocarem a outras aldeias em caso de suspeita de infecção pelo novo coronavírus, aumentando a probabilidade de disseminação do vírus;

35. CONSIDERANDO que muitas aldeias não estão acobertadas por contratos de frete aéreo, terrestre ou fluvial, o que pode inviabilizar remoções de emergência em caso de suspeita de contágio pelo novo coronavírus, aumentando os riscos de evolução do quadro e de disseminação do vírus nas aldeias;

36. CONSIDERANDO que o Ofício Circular no 37/2020/SESAI/GAB/SESAI/MS expedido pela SESAI autoriza os DSEI a adquirirem insumos para a prevenção e tratamento da Covid- 19 mediante dispensa de licitação, nos termos da Lei no. 13.979/2020 e da Medida Provisória no. 926/2020, no entanto exige um rito que pode inviabilizar a aquisição célere dos materiais necessários:

Informa-se que quaisquer processos de contratação decorrentes da legislação supracitada deverão ser justificados e submetidos ao DASI/SESAI para análise de pertinência e instrução processual, para disponibilidade orçamentária pela CGPO/SESAI e para aprovação pelo Gabinete da SESAI, independentemente do valor e objeto. O prosseguimento do processo será aprovado pela SESAI caso estejam dentro da estrita legalidade e a necessidade esteja justificada.

37. CONSIDERANDO que o referido ofício não menciona aquisição de insumos laboratoriais para diagnóstico rápido da Covid-19 ou de equipamentos de comunicação ou de transpor- te;

38. CONSIDERANDO que este Ministério Público Federal, em diversos estados federativos, vem conseguindo destinar recursos orçamentários aos DSEI, para serem aplicados precisa- mente na prevenção e no tratamento da Covid-19 entre povos indígenas, vide decisão interlocutória proferida pela Seção Judiciária do Mato Grosso nos autos da Ação Civil Pública 1004675-87.2020.4.01.3600;

39. CONSIDERANDO que, conforme demonstrado acima, é da competência dos Estados e Municípios a atenção de média e alta complexidade, estes entes federativos não podem, sob qualquer hipótese, negar atendimento aos indígenas, em razão de suspeita ou confirmação contágio pelo novo coronavírus, estejam os indígenas referenciados pelo DSEI ou não;

40. CONSIDERANDO que, pelas razões acima expostas, há risco de propagação exponencial da doença, afetando muitos indígenas em uma mesma aldeia, o que demanda, por parte da atenção de média e alta complexidade, a oferta de leitos e aparelhos (sobretudo respiradores) em quantidade suficiente para atendimentos simultâneos;

41. CONSIDERANDO que as restrições ao deslocamento às cidades, com o propósito de evitar os riscos de exposição e contágio, podem gerar desabastecimento das aldeias e prejuízos à segurança alimentar dos indígenas, o que reclama atuação da SESAI, FUNAI, Estados e Municípios;

42. CONSIDERANDO que a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), após provocação da SESAI, editou a Portaria no. 419/PRES, em 17 de março de 2020, estabelecendo medidas temporárias de prevenção à infecção e propagação do coronavírus, mediante restrição de acesso às terras indígenas;

43. CONSIDERANDO que esta medida de restrição de acesso não garante proteção territorial suficiente para evitar o contágio dos povos indígenas pelo novo coronavírus, já que dezenas de terras indígenas sofrem com invasões de garimpeiros, madeireiros, dentre outras atividades criminosas que induzem fluxo constante de não indígenas nestes territórios, debilitando de sobremaneira a eficácia das políticas sanitárias e de isolamento social;

44. CONSIDERANDO que a recente orientação da FUNAI no sentido de indeferir o deslocamento de seus servidores para terras indígenas não homologadas (DESPACHO n. 00137/2020/GAB/PFE/PFE-FUNAI/PGF/AGU e despachos presidenciais nele fundamentados) vulnerabiliza o monitoramento e a proteção territorial, sujeitando os povos indígenas que ocupam tradicionalmente terras indígenas não homologadas a maiores riscos de contágio da Covid-19;

45. CONSIDERANDO que a demarcação e a proteção territorial são reconhecidas como de fundamental importância para as ações de saúde indígena, bem como o dever de a FUNAI acompanhar as ações de saúde promovidas nos territórios indígenas (Portaria MS no. 254/2002 – Política Nacional de Saúde Indígena);

RESOLVE, com fundamento no art. 5o, inciso III, alínea “e”, art. 6o, inciso VII, alínea “c”, e inciso XI da Lei Complementar n.o 75/93, e nos art. 127 e 129, inciso V da CF/88, RECOMENDAR:

(a) à Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde:

a.1. Promova a inclusão dos povos indígenas nos grupos considerados prioritários para imunização contra gripe, tendo em vista o histórico de letalidade das síndromes gripais nestes grupos;

(b) à Secretaria Especial de Desenvolvimento Social, do Ministério da Cidadania:

b.1. Em parceria com a SESAI e FUNAI, forneça alimentos e materiais de higiene aos indígenas nas aldeias, inclusive as localizadas nos centros urbanos, a fim de garantir segurança alimentar e evitar o deslocamento dos indígenas para as cidades, não impondo qualquer restrição em razão do estágio do processo demarcatório da terra indígena, incluídas as áreas reivindicadas e retomadas.

(c) à Secretaria Especial de Saúde Indígena:

c.1. Respeite e fortaleça a autonomia dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas, garantindo a execução descentralizada dos recursos, sobretudo quanto à realização de licitação para aquisição de materiais e insumos para a prevenção e combate ao novo coronavírus, dispensando o rito burocrático previsto no Ofício Circular no 37/2020/SESAI/ GAB/SESAI/MS, que exige submissão à avaliação e autorização central, sem prejuízo de auditoria e fiscalização que não obstaculizem a aquisição direta e imediata;

c.2. Adquira e distribua aos DSEI, imediatamente, insumos laboratoriais para o diagnóstico do novo coronavírus (testes PCR e sorologia), em quantidade suficiente, que considere os riscos de contágio exponencial em curto intervalo temporal (curva aguda), bem como a necessidade de controle sanitário de entrada nas aldeias, de indígenas e pro- fissionais da saúde;

c.3. Adquira e distribua aos DSEI, imediatamente, kits de oxigênio, em quantidade suficiente, que considere os riscos de contágio exponencial em curto intervalo temporal (curva aguda);

c.4. Adquira e distribua aos DSEI, imediatamente, Equipamentos de Proteção Individual (EPI) para todos os profissionais das Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena, inclusive aos agentes indígenas de saúde e agentes indígenas de saneamento, bem como aos profissionais das Casas de Saúde Indígena e Polos-Base;

c.5. Adquira e distribua aos DSEI, imediatamente, equipamentos de comunicação (rádio, internet ou outro) que garantam que todas as aldeias atendidas por esta Secretaria disponham de meios de comunicação em caso de emergência;

c.6. Celebre, imediatamente, contratos de transporte terrestre, aéreo e fluvial, que garantam cobertura a todas as aldeias atendidas por esta Secretaria, de modo a viabilizar remoções de emergência;

c.7. Garanta a presença de Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena em todas as aldeias, não impondo qualquer restrição em razão do estágio do processo demarcatório da terra indígena, incluídas as áreas reivindicadas e retomadas;

c.8. Promova a vacinação de todos os indígenas contra Influenza, considerando que gripes e síndromes gripais agudas costumam evoluir de forma mais severa entre povos indígenas;

c.9. Adquira e distribua aos DSEI, imediatamente, medicamentos para o tratamento de Influenza e síndromes gripais agudas nas aldeias;

c.10. Em parceria com a Fundação Nacional do Índio e com a Secreta- ria Especial de Desenvolvimento Social, garanta o fornecimento de alimentos e materiais de higiene e limpeza aos indígenas nas aldeias, inclusive as localizadas nos centros urbanos, a fim de garantir segurança alimentar e evitar o deslocamento dos indígenas para as cidades, não impondo qualquer restrição em razão do estágio do processo de- marcatório da terra indígena, incluídas as áreas reivindicadas e retomadas;

c.11. Garanta a remoção dos indígenas, sempre que a emergência do caso recomende, independentemente do estágio do processo demarca- tório da terra indígena;

c.12. Articule, junto aos DSEI, a locação ou cessão de espaços adequados para realização de quarentena nas cidades, para os casos sus- peitos ou confirmados, para além das Casas de Saúde Indígena;

c.13. Garanta o acesso à informação pelos povos indígenas e profissionais da saúde, com intensa periodicidade, acerca das formas de prevenção do contágio do novo coronavírus, dos riscos, da sintomatologia e do tratamento;

c.14. Elabore, imediatamente, em parceria com a FUNAI-CGIIRC, plano de contingência para surtos e epidemias, específico para povos indígenas isolados e de recente contato, referente à Covid-19, nos ter- mos da Portaria Conjunta do Ministério da Saúde e da Funai n. 4.094, de 20 de dezembro de 2018;

c.15. Adote todas as medidas para que as Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena, ao adentrarem nas aldeias, adotem todas as precauções para evitar transmissão aos indígenas, como quarentena, desinfecção e uso de Equipamento de Proteção Individual;

(d) aos Distritos Sanitários Especiais Indígenas para que elaborem e executem o Plano de Contingência Distrital para Infecção Humana pelo Novo Coronavírus, contemplando, sem prejuízo de outras medidas consideradas necessárias, os seguintes pontos:

d.1. Aquisição imediata de insumos laboratoriais para o diagnóstico do novo coronavírus (testes PCR e sorologia), em quantidade suficiente, que considere os riscos de contágio exponencial em curto intervalo temporal (curva aguda), bem como a necessidade de controle sanitário de entrada nas aldeias, de indígenas e profissionais da saúde, sem pre- juízo da compra e distribuição dos referidos itens pela SESAI e Minis- tério da Saúde;

d.2. Aquisição imediata de kits de oxigênio, em quantidade suficiente, que considere os riscos de contágio exponencial em curto intervalo temporal (curva aguda);

d.3. Aquisição imediata de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) para todos os profissionais das Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena, inclusive aos agentes indígenas de saúde e agentes indígenas de saneamento, bem como aos das Casas de Saúde Indígena e Polos- Base;

d.4. Aquisição imediata de equipamentos de comunicação (rádio, internet ou outro) que garantam que todas as aldeias atendidas por esta Secretaria disponham de meios de comunicação em caso de emergência;

d.5. Celebração imediata de contrato de transporte terrestre, aéreo e fluvial, que garantam cobertura a todas as aldeias atendidas por esta Secretaria, de modo a viabilizar remoções de emergência;

d.6. Garantia da presença de Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena em todas as aldeias atendidas por este Distrito;

d.7. Promoção da adequação do espaço físico das Casas de Saúde Indígena e outras unidades de apoio a indígenas convalescentes, a fim de garantir o isolamento dos usuários e evitar o contágio;

d.8. Promoção da articulação com Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, a fim de garantir a inclusão dos povos indígenas nos planos emergenciais de Estados e Municípios;

d.9. Promoção do controle sanitário das pessoas que estão entrando nas aldeias, seja dos profissionais das Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena, ou dos próprios indígenas que estejam ou residam nas cidades, de modo a evitar a entrada de pessoas contaminadas;

d.10. Organização e monitoramento, junto aos indígenas, de espaços para garantir o isolamento social dos indígenas nas próprias aldeias, para os casos de suspeita ou confirmação de contágio pelo novo coronavírus, nas hipóteses em que não haja necessidade de internação;

d.11. Locação ou cessão de espaços adequados para que os indígenas, que estejam na cidade, realizem quarentena, nos casos suspeitos ou confirmados, para além das Casas de Saúde Indígena;

d.12. Adoção de todas as medidas para que as Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena, ao adentrarem nas aldeias, adotem todas as precauções para evitar transmissão aos indígenas, como quarentena, desinfecção e uso de Equipamento de Proteção Individual;

(e) à Fundação Nacional do Índio

e.1. Confeccione plano de ação prevendo medidas para evitar o contágio dos povos indígenas pelo novo coronavírus;

e.2. Elabore e implemente, imediatamente e em parceria com a SE- SAI, estratégias para evitar o deslocamento dos indígenas para a cidade (por exemplo, para aquisição de alimentos ou recebimento de benefícios sociais);

e.3. Promova a extensão das medidas de restrição de acesso previstas na Portaria no. 419/PRES, em 17 de março de 2020, a todas as terras tradicionalmente ocupadas por povos indígenas, independentemente do estágio do processo demarcatório da terra indígena;

e.4. Em parceria com a SESAI e Secretaria Especial de Desenvolvi- mento Social, forneça alimentos e materiais de higiene aos indígenas nas aldeias, inclusive as localizadas nos centros urbanos, a fim de garantir segurança alimentar e evitar o deslocamento dos indígenas para as cidades, não impondo qualquer restrição em razão do estágio do

processo demarcatório da terra indígena, incluídas as áreas reivindica- das e retomadas;

e.5. Implemente, imediatamente, medidas de proteção territorial em todas as terras indígenas identificadas/delimitadas, declaradas ou homologadas, de modo a impedir e/ou retirar invasores, especialmente garimpeiros e madeireiros, a fim de prevenir o contágio dos indígenas pelo novo coronavírus;

e.6. Elabore, imediatamente, em parceria com a SESAI, plano de contingência para surtos e epidemias, específico para povos indígenas isolados e de recente contato, referente à Covid-19, nos termos da Porta- ria Conjunta do Ministério da Saúde e da Funai n. 4.094, de 20 de dezembro de 2018;

(f) ao Estado e aos Municípios de referência

f.1. Que se abstenham, sob qualquer hipótese, de negar atendimento aos indígenas que demandem atendimento de atenção básica ou média e alta complexidade, em razão de suspeita ou confirmação de contágio pelo novo coronavírus, estejam eles referenciados ou não pelo Subsistema de Atenção à Saúde Indígena;

f.2. Adquiram e disponibilizem EPI de uso ambulatorial (máscara cirúrgica, capote, luvas, proteção ocular – óculos ou máscara facial), lei- tos hospitalares, ventiladores mecânicos (invasivos e não invasivos), AMBU, cilindros de oxigênio de 7 e 10 litros, oxímetro de pulso, monitor multipamétrico, dentre outros recursos materiais e humanos necessários ao atendimento intensivo e emergencial, em quantidade sufi- ciente para atender os povos indígenas, considerando os riscos de contágio exponencial em curto intervalo temporal (curva aguda) entre estes grupos;

DETERMINO o envio da presente Recomendação às autoridades através de correio eletrônico, com exigência de confirmação de recebimento.

FIXA-SE o prazo excepcional de 5 (cinco) dias corridos para o cumprimento da presente Recomendação, bem como seja informado ao Ministério Público Federal o aludido cumpri- mento.

INFORME-SE que a presente RECOMENDAÇÃO dá ciência e constitui em mora o destinatário quanto às providências solicitadas, podendo a omissão na adoção das medidas recomendadas implicar o manejo de todas as medidas administrativas e ações judiciais cabíveis contra os agentes que se omitirem.

PUBLIQUE-SE a presente recomendação no portal eletrônico do MPF, nos termos do art. 23 da Resolução 87 do CSMPF.

  Brasília, na data da assinatura eletrônica

Assinatura/Certificação do documento PR-DF-00025354/2020 RECOMENDAÇÃO no 11-2020

Signatário(a): GABRIEL DALLA FAVERA DE OLIVEIRA Data e Hora: 01/04/2020 22:11:21

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Signatário(a): JULIA ROSSI DE CARVALHO SPONCHIADO Data e Hora: 01/04/2020 21:53:37

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Signatário(a): NICOLE CAMPOS COSTA Data e Hora: 01/04/2020 22:32:26

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Signatário(a): CARLOS HUMBERTO PROLA JUNIOR Data e Hora: 01/04/2020 21:57:59

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Signatário(a): CAIO HIDEKI KUSABA Data e Hora: 01/04/2020 22:04:19

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Signatário(a): MARCIA BRANDAO ZOLLINGER Data e Hora: 01/04/2020 21:51:23

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Signatário(a): MANOELA LOPES LAMENHA LINS CAVALCANTE Data e Hora: 01/04/2020 23:33:36

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Signatário(a): LUIS DE CAMOES LIMA BOAVENTURA Data e Hora: 02/04/2020 10:55:08

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Signatário(a): FERNANDO MERLOTO SOAVE Data e Hora: 02/04/2020 11:03:18

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Signatário(a): MILTON TIAGO ARAUJO DE SOUZA JUNIOR Data e Hora: 01/04/2020 22:39:00

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Assinatura/Certificação do documento PR-DF-00025354/2020 RECOMENDAÇÃO no 11-2020

Signatário(a): SAMARA YASSER YASSINE DALLOUL Data e Hora: 01/04/2020 23:37:50

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Signatário(a): ALISSON MARUGAL Data e Hora: 02/04/2020 10:27:32

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Signatário(a): ADRIANO AUGUSTO LANNA DE OLIVEIRA Data e Hora: 02/04/2020 08:25:43

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Signatário(a): ALVARO LOTUFO MANZANO Data e Hora: 01/04/2020 21:53:49

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Signatário(a): SARAH TERESA CAVALCANTI DE BRITTO Data e Hora: 01/04/2020 23:43:00

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Signatário(a): EDMUNDO ANTONIO DIAS NETTO JUNIOR Data e Hora: 02/04/2020 08:13:45

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Signatário(a): ROBERT RIGOBERT LUCHT Data e Hora: 02/04/2020 09:11:42

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Signatário(a): PAULO DE TARSO MOREIRA OLIVEIRA Data e Hora: 02/04/2020 11:13:19

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Signatário(a): GUSTAVO KENNER ALCANTARA Data e Hora: 01/04/2020 22:44:24

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Signatário(a): SADI FLORES MACHADO Data e Hora: 01/04/2020 22:16:40

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

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Signatário(a): IGOR LIMA GOETTENAUER DE OLIVEIRA Data e Hora: 02/04/2020 10:06:52

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Saúde

SUS pode ser privatizado com publicação de novo decreto de Bolsonaro

Conselho Nacional de Saúde rechaça a iniciativa, que pode dar os primeiros passos para jogar a saúde pública nas mãos da iniciativa privada e das operadoras de planos de saúde estrangeiras

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Em plena pandemia, ou talvez por isso mesmo, o presidente Jair Bolsonaro lançou o Decreto 10.530, publicado nesta terça-feira, 27, que pretende dar os primeiros passos para a privatização do Sistema Único de Saúde (SUS), para quem as operadoras de planos de saúde norte-americanas têm os olhos voltados. A iniciativa foi rechaçada desde já pelo presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Fernando Pigatto, que chama de “arbitrariedade” a intenção do governo federal de privatizar as Unidades Básicas de Saúde (UBS) de todo o país.

“Vamos tomar as medidas cabíveis. Precisamos fortalecer o SUS contra qualquer tipo de privatização e retirada de direitos”, disse Pigatto.

Assinado ontem, 26, o decreto presidencial já está em vigor e institui a Estratégia Federal de Desenvolvimento para o Brasil para o período de 2020 a 2031 e baseado na visão neoliberal e privatista do governo Bolsonaro.

O decreto de Bolsonaro traz diretrizes econômicas, institucionais, de infraestrutura, ambiental e sociais – na qual estão eixos específicos sobre a saúde. Entre eles, “aprimorar a gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), avançando na articulação entre os setores público e privado (complementar e suplementar)”. Conforme o documento, o avanço na articulação com o sistema privado de saúde vai aperfeiçoar o setor, “aumentando a eficiência e a equidade do gasto com adequação do financiamento às necessidades da população.”

Após tomar conhecimento do teor do decreto, Fernando Pigatto distribuiu a seguinte nota:

“Nós, do Conselho Nacional de Saúde, não aceitaremos a arbitrariedade do presidente da República, que no dia 26 editou um decreto publicado no dia 27, com a intenção de privatizar as unidades básicas de saúde em todo o Brasil. Nossa Câmara Técnica de Atenção Básica vai fazer uma avaliação mais aprofundada e tomar as medidas cabíveis em um momento em que precisamos fortalecer o SUS, que tem salvado vidas. Estamos nos posicionando perante toda a sociedade brasileira como sempre nos posicionamos contra qualquer tipo de privatização, de retirada de direitos e de fragilização do SUS. Continuaremos defendendo a vida, defendendo o SUS, defendendo a democracia.”

Notícia escondida

Em Porto Alegre, o jornalista Moisés Mendes tratou a questão em seu blog, observando que “os jornais esconderam a notícia sobre o decreto de Bolsonaro que abre a porteira para a privatização das Unidades Básicas de Saúde. Arranjaram um jeito de entregar um serviço essencial do SUS aos amigos de Paulo Guedes”, observou.

“A grande imprensa decidiu esconder a informação. O governo vai arranjar um jeito de transferir recursos públicos para quem atua como ‘operador’ privado na área da saúde. Vão depreciar ainda mais o serviço público e os quadros de servidores para contratar a parceirada da direita. O dinheiro que não existe hoje vai aparecer para construir unidades e remunerar parceiros. Que farão o quê?”, pergunta Moisés.

Segundo ele, o governo poderá até dizer que o sistema continuará público e universal, como manda a Constituição. “Mas a que custo? Quem pagará por essas parcerias é o setor público. Os parceiros vão entrar no negócio da saúde pública por desprendimento, para não ganhar nada?”, indaga o jornalista. “É preciso ver o que está camuflado nesse decreto que abre os estudos para a privatização do SUS, apenas começando pelas unidades básicas”, alertou.

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Saúde

A vulnerabilidade da população negra escancarada pela Covid-19

Sociedade Civil pressiona Congresso para discutir a situação

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Vulnerabilidade pelo Covid-19

Entidades apontam ainda que entre a população negra, quilombolas, mulheres, pessoas presas e moradores de favelas são os mais afetados

Por Alane Reis e Naiara Leite

No último sábado (8) o Brasil alcançou a marca de 100 mil mortes em decorrência do coronavírus. De acordo com a 11ª Nota Técnica divulgada pelo Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde (NOIS) da PUC-RJ, entre o número de óbitos, negros são 55% dos vitimados, contra 38% dos brancos. A mesma pesquisa aponta que as pessoas que não concluíram o ensino básico apresentam taxas três vezes maiores de letalidade (71%) ao adquirirem a doença do que pacientes com nível superior (22,5%).

A pandemia tem escancarado as violências do racismo na vida da população negra, das periferias e favelas, dos quilombos e comunidades rurais de todo país. Condições de moradia, saneamento básico, uso de transporte público, ocupações em postos de serviços essenciais fazem com que negros se exponham mais ao risco de adquirirem a doença. Mas além disso, as vulnerabilidades sociais têm agravado a situação da população negra no contexto atual: aumento do índice de pessoas convivendo com a fome e o não acesso a renda básica para suprir as necessidades fundamentais; o desemprego ou o dia a dia dos trabalhos informais; o não acesso a manutenção da educação em método home office; o crescimento das violências do Estado e doméstica; entre outros fatores, expõem as pessoas negras a diversas ameaças à vida e ao bem estar. 

Como forma de enfrentar esta realidade a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Democracia e dos Direitos Humanos apresentou no dia 13 de julho um requerimento, para realização de audiência pública junto a Comissão Externa de Enfrentamento à Covid-19 (CEXCORVI) com o objetivo de discutir e incidir nos impactos do coronavírus nas populações negras e quilombolas. 

A Frente Parlamentar é presidida pelo deputado Marcelo Freixo (PSOL – RJ) e é formada por representantes da Câmara, do Senado e da sociedade civil. De acordo com Paola Gersztein, assessora do Instituto de Estudos Sócio-econômicos (INESC) na coordenação do GT de Direitos Humanos da Rede de Advocacy Colaborativo (RAC), o objetivo da audiência é a escuta de especialistas que representam a população negra acerca dos impactos da pandemia e a urgente visibilização que o tema merece, para que assim sejam tomadas medidas necessárias para a proteção e a garantia de direitos. “Nosso objetivo é denunciar, visibilizar e exigir providências do Estado que sempre tratou essas vidas como supérfluas, em um genocídio que se perpetua desde que a primeira pessoa negra foi violentamente arrancada de seu território e escravizada nessas terras”, afirma.

Paola Gersztein destaca que além da formalização do requerimento, as organizações da sociedade civil que compõem a Frente tem buscado apoio junto aos gabinetes dos deputados que fazem parte da CEXCORVI para que a realização da reunião técnica não tarde ainda mais. “Nesse processo, algo já ficou claro: a demora na concretização deste pedido é uma inequívoca expressão de racismo institucional”, enfatizou.

Vulnerabilidade pelo Covid-19
Ação comunitária feita por moradores do Complexo do Alemão (RJ)

O “Novo Normal” do Congresso

Desde o início da pandemia os trabalhos do Congresso Nacional têm sido realizados de maneira virtual. A sociedade civil, por meio da Frente Parlamentar, lançou um manifesto pressionando a garantia de sua participação no processo legislativo e a transparência das decisões tomadas pelo parlamento. Nenhuma medida proposta no manifesto foi acatada pelo presidente da câmara Rodrigo Maia (DEM – RJ). E neste cenário, parlamentares demoram para votar pautas essenciais como PLs de proteção às mulheres, indígenas e quilombolas; e ainda tentam pautar retrocessos de direitos, como foi o caso do “PL da grilagem”.

A Emenda Constitucional (EC 95), chamada da EC do Teto de Gastos, aprovada em 2016 pelo Congresso, resultou na perda de 20 bilhões de reais entre 2018 e 2020 para a saúde pública no Brasil. Os cortes limitaram a capacidade de uma resposta rápida e eficiente à pandemia da Covid-19, prejudicando principalmente as populações mais vulneráveis – ou seja, negras –, que dependem exclusivamente do SUS.

Ainda assim, o Congresso Nacional autorizou desde 20 de março, R$ 500 bilhões de reais para enfrentamento a Covid-19 no Brasil, não só para a saúde, mas diversas ações. Deste montante, apenas 54% já foram executados, o que é insuficiente considerando que é recurso específico para o enfrentamento da crise sanitária, já contamos com quatro meses do decreto de calamidade.

Carmela Zigoni, representante do Fórum Permanente pela Igualdade Racial (FOPIR) na Frente Parlamentar, destaca que ao analisarmos as ações específicas do governo em enfrentamento à pandemia, a melhor execução é a do Auxílio Emergencial, pois trata-se de transferência direta da Caixa Econômica Federal para as contas dos beneficiários. “Do recurso geral destinado ao enfrentamento à pandemia, R$ 254,2 bilhões são reservados ao pagamento do auxílio, e 65,7% deste recurso já foram executados. No entanto, outras ações estão com execução aquém do necessário para a sociedade, como auxílio financeiro aos estados e municípios, com 50,4%; e o benefício emergencial para manutenção do emprego e renda, com execução de apenas 37,4%.  A ação específica de enfrentamento da Covid executou somente 47% do recurso disponível, após 4 meses de crise sanitária”, informa Zigoni, que também é assessora do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC) e atua no monitoramento do orçamento público.

Os impactos da baixa execução orçamentária é um dos fatores responsáveis para que alcançássemos a triste marca de 100 mil mortos em quatro meses de pandemia. Ainda segundo Zigoni, “se a política fosse feita de maneira responsável, certamente o número de vitimas letais da covid-19 seria menor, principalmente entre negros e quilombolas, cujos territórios não acessam as políticas públicas necessárias”.

Ressalta-se que a política de promoção da igualdade racial e enfrentamento ao racismo foi completamente desmontada após a publicação da EC 95. O Programa 2034: Promoção da Igualdade Racial e Superação do Racismo sofreu uma queda de 80% de seus gastos entre 2014 e 2019, passando de R$ 80,4 milhões para R$ 15,3 milhões no período; quando comparamos 2019 e 2018, a queda foi de 45,7%. A despeito de todas as legislações, conferências nacionais e estruturação da política de igualdade racial desde 1988, o PPA 2020-2023 do Governo Bolsonaro extinguiu o Programa de Promoção da Igualdade Racial e Enfrentamento ao Racismo, bem como qualquer menção às palavras racismo e quilombolas.

Situação da população negra dos Quilombos

Organizações da sociedade civil desde o início da pandemia denunciam que os povos tradicionais, incluindo as comunidades quilombolas, seriam os mais afetados com o contexto, justamente pelo não acesso a direitos fundamentais anteriores. De acordo com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), até o dia 11 de agosto, foram 4.102 casos e 151 óbitos nas comunidades quilombolas. Um destaque revelador da negligência do governo com esta população, é que estes números estão sendo coletados pela própria CONAQ.

“Desde o primeiro óbito, no estado de Goiás, a CONAQ começou o monitoramento diretamente com as lideranças porque o acesso aos dados pelas secretarias de saúde e Ministério é muito complicado. A gente sabe que o número é muito maior do que isso, mas da nossa forma é como estamos conseguindo dialogar com a sociedade sobre a Covid nos quilombos”, afirma Selma Dealdina, quilombola que integra a secretaria da CONAQ. 

Dealdina destaca que até o acesso a informação sobre a situação real do contágio e prevenção ao covid é um desafio enfrentado pelos quilombolas. Realidade vivenciada em muitas comunidades sem o mínimo de acesso a internet e a radiodifusão. “A gente teve várias situações de praticamente linchamento dentro dos quilombos porque muitas pessoas não entenderam que pacientes quilombolas que contraíram o covid estavam curados. O que demonstra o alto nível de violação do direito à informação nos quilombos”. A liderança quilombola denuncia que antes da pandemia a saúde sempre foi um problema sério nos quilombos. “As comunidades não têm acesso a posto de saúde, a médico da família, então, nessa época, também não temos nada garantido”. 

Vulnerabilidade pelo Covid-19
Quilombo de Alcântara, no Maranhão

As Mulheres negras

É um grupo destacado no texto do requerimento apresentado pela Frente Parlamentar como vulnerável neste contexto. Um exemplo disso diz respeito a situação das trabalhadoras domésticas no período da pandemia. Como herança e manutenção da cultura escravocrata (racista e sexista), a maioria dos trabalhadores domésticos no Brasil (62,5%) são mulheres negras, de acordo com dados publicados pelo DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos).

A Deputada Federal Áurea Carolina (PSOL – MG), autora do Projeto de Lei (PL 2477/2020), que propõe a garantia da integridade do salário para trabalhadoras domésticas e a manutenção de todos os direitos trabalhistas durante o estado de calamidade pública, comenta a importância de construir uma política que defenda essas trabalhadoras.

“As terríveis mortes de Cleonice, infectada com covid-19 pela patroa que voltou da Itália, e Miguel Otávio, que há dois meses caiu do prédio onde sua mãe trabalhava, foram causadas por negligência e desumanização, decorrências diretas do racismo estrutural. Esses casos reforçam a urgência pela aprovação do projeto de lei 2477/20, para proteger as trabalhadoras domésticas durante a pandemia e garantir a elas o direito ao isolamento”, comenta a deputada.

Outro projeto de lei sobre o trabalho doméstico no período da pandemia que merece destaque é o PL 3977/2020, de autoria dos deputados federais Benedita da Silva (PT – RJ) e Helder Salomão (PT – ES). O projeto propõe que os empregadores domésticos que liberaram as trabalhadoras para o isolamento social mantendo a remuneração tenham desconto de abatimento equivalente no pagamento do Imposto de Renda.

O trabalho doméstico já foi pauta em destaque na agenda pública brasileira no contexto da pandemia algumas vezes. A morte de Cleonice, a primeira vítima letal da Covid-19 no Brasil, foi uma delas. Outra situação emblemática foi quando o governador do estado do Pará, Helder Barbalho (MDB), decretou que entre as medidas de prevenção e contenção da pandemia no estado, o trabalho doméstico deveria ser considerado como atividade essencial.

Enquanto isso, após cinco anos de cortes de recursos na política de mulheres, em 2020 o Ministério de Direitos Humanos (MDH) teve 425 milhões em recursos autorizados, porém, menos de 3% tinha sido gasto até maio deste ano. Carmela Zigoni destaca que “as mulheres negras periféricas e quilombolas são as mais vulneráveis no contexto da Covid-19, e é urgente que a ministra Damares Alves realize políticas com estes recursos para aliviar a violência e insegurança destas mulheres”.

Vulnerabilidade pelo Covid-19
Mulher Quilombola

População negra encarcerada

As prisões brasileiras registraram no início de junho um aumento de 800% nos casos de infecção pelo novo coronavírus em relação a maio, segundo balanço divulgado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça). A situação da população carcerária no Brasil é outro contexto explícito do funcionamento do racismo institucional. O país possui a terceira maior população carcerária do mundo, com quase 800 mil pessoas presas, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Deste total, 65% são negros. A superlotação e as condições de baixa higienização nos presídios preocupam especialistas, ativistas e familiares de presos desde o início da pandemia.

Leonardo Santana, assessor de advocacy da Rede de Justiça Criminal, comenta que a pandemia do coronavírus ao atingir o sistema prisional, expos pessoas presas e trabalhadores à morte. “A superlotação torna impossível o distanciamento exigido para conter a propagação do vírus. Além disso, a ausência de equipes de saúde, água e itens de higiene contribui para que os números sobre a doença nas unidades prisionais sejam proporcionalmente superiores ao da população em liberdade. A visita de familiares foi suspensa em todo o Brasil e com ela a assistência material que supre em parte a omissão estatal, agravando o quadro de desespero intra e extramuros”, comenta Santana.

De acordo com as informações do Depen até o dia 3 de julho apenas 2,18% dos mais de 748 mil presos no país foram testados. O Conselho Nacional de Justiça, através da Recomendação 62, listou orientações ao Judiciário para evitar contaminações em massa da Covid-19 no sistema prisional e socioeducativo. A Recomendação vem sendo ignorada pelo sistema de Justiça. No Legislativo, os projetos de lei 978/2020 e 2468/2020 construídos em conjunto pela sociedade civil e parlamentares pretendem dar uma resposta para o problema. 

Diante deste contexto as organizações da sociedade civil que compõem a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Democracia e pelos Direitos Humanos tem pressionado o Congresso Nacional para cobrar dos poderes executivos a realização de ações que protejam a população negra no Brasil. A sociedade civil segue pressionando o Congresso para agendamento da audiência, onde os parlamentares poderão ouvir especialistas nos temas da saúde e do orçamento, além de organismos internacionais e movimentos negros. Os poderes executivos seguem dando sinais do afrouxamento das medidas de isolamento, mas os números de contágio e morte continuam crescendo a cada dia. “O vírus é invisível, mas as ações do governo de descaso com nossas vidas são bastante visíveis. Somos nós que estamos morrendo e o cenário é desolador”, reafirmou Selma Dealdina, liderança quilombola da CONAQ. 


(1) https://reformapolitica.org.br/2020/03/25/organizacoes-da-sociedade-civil-pedem-transparencia-e-garantia-de-participacao-nos-trabalhos-do-congresso-durante-pandemia-de-coronavirus/

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Saúde

Boca de Rango. Um grito sobre as nossas urgências

Minidoc mostra as ações sociais colaborativas na região da Luz

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Boca de Rango

Boca de Rango é um mini-documentário que mostra a realidade de quem está vivendo essa pandemia na linha da necessidade e do medo. Um documento audiovisual do tempo de agora. Um grito sobre as nossas urgências.

O Teatro de Contêiner Mungunzá tornou-se, neste momento, um importante ponto de assistência social e defesa dos diretos humanos do centro de São Paulo, no bairro de Santa Ifigênia.

Boa de Rango. 600 pessoas são atendidas diariamente com entregas de refeições, kits de higiene, cobertores, águas, roupas, cestas básicas e máscaras, movimentando também uma rede de, aproximadamente, 40 trabalhadores(as) ativistas no território.

Boca de Rango
Boca de Rango
Boca de Rango

Cuidar, denunciar e sonhar.

Realização: https://www.instagram.com/ciamungunza / @teatrodeconteiner / #mungunzadigital

Produção: https://www.instagram.com/mangueio_

Rede de afeto

https://www.instagram.com/coletivo_temsentimento
https://www.instagram.com/pagodenalata
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https://www.instagram.com/ccedelei
https://www.instagram.com/cracoresiste
https://www.instagram.com/_casadopovo
https://www.instagram.com/cpt_ofc
https://www.instagram.com/smculturasp
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https://www.instagram.com/soninhafrancine_oficiale

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