Conservadores e revolucionários no Brasil do bolsonarismo

Ilustração de Al Margen

 

ARTIGO

RODRIGO PEREZ OLIVEIRA, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia 

 

 

A disputa entre conservadores e revolucionários data do século XVIII e marca um dos primeiros capítulos da modernidade política. Enquanto em Paris, os revolucionários cortavam a cabeça da aristocracia, zeravam a contagem do tempo e prometiam um mundo novo, pensadores críticos à revolução questionavam à ação jacobina.

De um lado, Voltaire, Ropespierre, Danton. Do outro lado, Burke, Toqueville, Chateaubriand e Möser.

Revolucionarismo e conservadorismo são, antes de tudo, tipos distintos de comportamento e pensamento político.

Revolucionário é aquele que olha para a situação presente e vê o caos, a crise. É quem propõe rupturas e promete um futuro melhor, nem que pra isso sejam necessários alguns desvios morais. Se for para realizar o futuro imaginado, o revolucionário considera legítimo matar e torturar. A ética revolucionária é futurista. Para o revolucionário, o tempo presente é curto, é apenas uma passagem rumo ao futuro desejado.

Já o conservador é menos pretensioso, é cético. O conservador olha com desconfiança para as promessas do revolucionário. O conservador questiona: “De onde você tirou a ideia de que o futuro será tão bom assim?”. O conservador é apegado à concretude da experiência, não é dado às abstrações. Para o conservador, o presente, com todas as suas imperfeições, é o resultado do acúmulo da história, é o que de melhor foi possível construir. A ética conservadora é presentista. O conservador não acha legítimo sacrificar a vida dos que já existem em nome daqueles que ainda nem nasceram.

Hoje, no Brasil, quem são os revolucionários? Quem são os conservadores?

Como cultura política, o bolsonarismo é o resultado da percepção coletiva do colapso do regime político que por anos chamamos de “Nova República”. Um regime que estaria deteriorado pela corrupção sistêmica, pelos maus costumes e pela falência do Estado.

Na narrativa bolsonarista, o modelo de Estado distributivo viabilizado pelo petismo seria corrupto e corruptor. Corrupto porque fundado na roubalheira, no toma-lá-da-cá. Corruptor porque inspirou na sociedade hábitos degenerados, hedonistas e desmedidos: os direitos humanos protegeram bandidos, o Bolsa Família premiou a vagabundagem, o tratamento para o HIV no SUS estimulou a sem-vergonhice, a educação sexual nas escolas erotizou as crianças.

Para colocar o Brasil no caminho do progresso futuro seria necessário romper com o petismo em todas as esferas: na política, na educação, na cultura. A revolução bolsonarista nega o presente e promete um futuro saneado, austero e bem-comportado.

Do outro lado, na oposição, estão os que defendem os direitos sociais que, à luz da Constituição de 1988, foram garantidos pelos governos petistas. Apesar de não ter assinado a Constituição, o PT, sob a liderança de Lula, foi o partido que mais a colocou em prática.

Direitos trabalhistas, previdência solidária, SUS universal, gratuidade nas universidades públicas.

A oposição ao bolsonarismo passa pela tentativa de conservação de direitos adquiridos, de defesa da Constituição cidadã.

Os bolsonaristas querem a destruição do que já existe e a construção de uma “Nova era”. Desejam mudar o sistema educacional brasileiro porque acreditam que ele foi corrompido por um “marxismo cultural” que manipula as nossas crianças. A pedagogia bolsonarista opera com a mesma gramática da pedagogia jacobina, que nos anos da Revolução acusou a Igreja Católica de doutrinar as crianças francesas.

Os temas e os atores são diferentes, a causa também. A gramática é a mesma. Gramática revolucionária.

A oposição ao bolsonarismo defende a manutenção da pedagogia crítica, da LDB e do ECA. Ninguém aqui acredita que a educação brasileira era uma maravilha antes de Bolsonaro vencer as eleições. Também ninguém nega que na série histórica, a situação recente trouxe avanços. A oposição quer conservar esses avanços.

Para a oposição, o presente (entendido como passado recente) é melhor do que o futuro prometido pelo bolsonarismo. O tempo da oposição conservadora não é evolutivo.

De conservador o bolsonarismo tem absolutamente nada. O comportamento bolsonarista é revolucionário. Os conservadores são os outros, são os que lutam pela conservação da situação estabelecida até o início da crise, que colocava o Estado na posição de agente provedor de direitos sociais.

O bolsonarismo idealizou um futuro para construir uma narrativa da promessa e conseguiu incitar parte da população à ruptura revolucionária. A oposição ao bolsonarismo construiu uma narrativa de defesa de direitos adquiridos, de conservação de um determinado estado de coisas.

A ver quem vai vencer essa disputa.

Sei que parece estranho dizer que o bolsonarismo é revolucionário e a oposição é conservadora. Poucos são os que gostam de ser vistos como conservadores. Para alguns, ser chamado de conservador é uma ofensa moral. Charmoso mesmo é ser revolucionário.

Por quê? Quem disse ser revolucionário é sempre bom e que ser conservador é sempre ruim?

Depende da ocasião, como quase tudo na vida. O fascismo é um tipo de ideologia revolucionária. No Brasil dos nossos dias, a resistência é conservadora.

Não sei onde estão o leitor e a leitora. Eu estou do lado dos conservadores.

 

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

COMENTÁRIOS

6 respostas

  1. Brilhante analise. Interessante observar como conceitos éticos e morais são temporais, dependem do momento em que vivemos. Tendemos a associar o termo revolução a movimentos de esquerda que a priori sempre buscam através da ruptura um futuro melhor do ponto de vista de fortalecimento das estruturas sociais e ampliação das conquistas da classe trabalhadora. Interessante notar que a “revolução” bolsonarista é uma volta ao passado e não uma aposta no futuro em quase todos os aspectos. Temos então a estranha situação do bolsonarismo defendendo uma revolução que nos envie a um passado mais distante ligado a ditadura militar e os conservadores defendendo a volta a um passado mais recente ligado a governos democráticos e relativamente comprometidos com causas sociais. Que futuro nos aguarda?

  2. Faltou dizer algo: ser revolucionário para restaurar o que havia a décadas não seria, no fundo um “conservadorismo” pelo retrocesso?

  3. Análise duplamente equivocada que tem o mérito de expor claramente as razões pelas quais não conseguimos hoje construir uma oposição ao desgoverno: 1) chamar de revolucionário um movimento que de fato não quer a construção de um futuro novo, mas sim o retorno ao passado, com o aprofundamento das mazelas que nos constituem como nação desde sempre? (chamar isso de revolucionário como o artigo faz é comprar, sem desmontar, o discurso que se vende e entregar de presente a eles o discurso da revolução!); 2) conceber a oposição hoje como retorno a um passado que, apesar dos avanços, não foi de fato capaz de superar essas mazelas, construindo uma nova ordem social – isso é abrir mão de qualquer possibilidade de uma oposição que de fato atue no campo socio-político atual como portadora do novo, como os eleitores mostraram que querem elegendo B.! por isso eles avançam e nós continuamos parados! Lendo os equívocos do artigo isso ficou ainda mais claro! Meu deus, quando vamos sair dos falsos impasses ditados por um duplo saudosismo nacional (opções de volta a momentos distintos do passado!) e perceber que o momento exige a construção de uma oposição que seja capaz de falar de um outro futuro, de fato novo, para nosso país?

  4. Não seria a “loucura atual”(não é governo) um movimento claramente retrógrado, que aponta a reconstrução do passado “com uma imagem moralista típica de séculos passados, ora o XIX, ora o XV”, sendo que no campo econômico seria o restabelecimento do liberalismo clássico e na política uma volta aos tempos de Colônia, desta vez submissa ao mandatário Trump e seus herdeiros. Ou seja… o fascismo de fato apresentava-se como revolucionário, mas … de um tipo diabólico, desumano ao extremo. Há certamente revolucionários interessados em avançar na humanização, no fim do capitalismo, fim da sociedade de classes ou castas… portanto, bem diferente dos bolsominions bestializados.

  5. A revolução Não começa quando é feita, começa quando deve ser aplicada. Após vencida A Batalha inicial da revolução,ela precisa ser aplicada e essa aplicação está sendo interrompida. Não confunda as cabecas já tão confusas dos brasileiros.

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