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Como tratar Covid-19 em casa de periferia: um guia popular e realista

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Com reportagem de Flávia Martinelli e Ariane Silva, especial para o blog MULHERIAS

Não são apenas máscaras, testes, respiradores e leitos de UTI que estão em falta durante a pandemia do coronavírus no Brasil. Faltam também informações oficiais e protocolos de tratamentos realistas para quem está em casa lidando com sintomas leves da Covid-19 nas periferias. Com ou sem teste positivo para a doença, os que já confirmaram o vírus ou suspeitam que foram contaminados são orientados pelo Ministério da Saúde a isolar-ser num quarto de casa, de preferência exclusivo. As orientações incluem ter à mão um termômetro e um telefone para se comunicar com um agente comunitário de saúde ou ligar para o SAMU 192. 

Essas condições, no entanto, não contemplam a imensa maioria da população periférica e as comunidades estão se virando para sobreviver. Nesse Brasil “invisível”, cerca de 16% da população, ou seja, 31,1 milhões de brasileiros, não têm sequer a garantia da mais elementar necessidade dos cuidados com a saúde: água potável encanada. Quarto isolado, banheiro próprio e até termômetro e celular com crédito, é óbvio, para muitos ainda são artigos de luxo. 

Diante disso, o blog MULHERIAS elaborou um guia realista e popular para lidar com a Covid-19 em casas da quebrada. São informações recolhidas em manuais para profissionais de saúde e adaptados para linguagem leiga, adendos práticos feitos por profissionais de saúde, agentes comunitários e redes que se auto-organizaram e criaram seus próprios protocolos básicos. 

Profissionais denunciam a falta de cuidados específicos

“Quem busca atendimento e é liberado para se tratar em casa não recebe sequer um folheto de orientação. Em teoria, todo mundo estaria sendo acompanhado à distância por profissionais do SUS, mas o que acontece é que faltam profissionais e estrutura de atendimento para que esse acompanhamento seja feito da forma correta”, diz a professora de enfermagem Natália Stofel, de 34 anos, que testemunha o impacto da pandemia nas comunidades enquanto orienta seus alunos em São Carlos, no interior de São Paulo, onde mora e dá aulas.

“A reorganização do sistema de saúde não foi feita pelo Ministério nem por milhares de Secretarias de Saúde, mas pelos próprios profissionais”, explica a enfermeira que também trabalha voluntariamente em lugares carentes de todo tipo de atendimento. Em sua cidade, Natália conta que a solução foi formar um “comitê popular de crise” para debater os problemas e propor soluções com representantes da população e técnicos da área de saúde. “O grupo oficial que o Estado montou não tinha ninguém da área técnica. Não adianta. A iniciativa que está dando certo e está sendo levada à frente foi feita pelo movimento negro aqui da região.”

A mesma crítica é feita pelo agente comunitário de saúde Adailton Costa, de 27 anos, que trabalha em Santarém, no Pará. Há seis anos no ofício pelo SUS, ele explica que sua categoria profissional é formada por pessoas que moram nas comunidades e são contratadas para acompanhar a saúde de seus vizinhos, fazendo visitas, levando medicação gratuita, monitorando sintomas de doenças diversas para, se for o caso, encaminhar pacientes para as Unidades Básicas de Saúde (UBS).

“É a chamada atenção primária, que tem caráter preventivo, e poderia ter sido uma ferramenta valiosa o combate à Covid-19 se os profissionais tivessem recebido apoio do governo na forma de treinamento e equipamentos para realizar esse trabalho durante a pandemia. Mas isso não foi feito.”

O agente de saúde Adailton, ao centro, com outras profissionais na linha de frente  do combate à pandemia: “temos que ser realistas: todos dizem para monitorar temperatura mas é mais comum do que se imagina as pessoas não terem termômetro em casa” (Foto: Acervo pessoal)

Adailton denuncia não apenas a falta de equipamentos de segurança, que arca por si com máscaras caseiras e chegou a perder uma colega de trabalho para a doença, mas de informações. “Os protocolos que determinam quais sintomas monitorar e tratar, como organizar o fluxo de atendimento em hospitais mudam com frequência e muitas vezes não chegam. Ficamos sabendo do que é para fazer com semanas de atraso. E isso por meio do Whatsapp quando colegas compartilham a versão que têm.”

Em seu município, a população em geral conta apenas com uma linha de celular para oferecer orientações sobre a doença. “É um único número para atender ligações de 300 mil moradores. Vive ocupado, claro, ninguém consegue falar”, conta. “Temos que ser realistas: todos dizem para monitorar temperatura mas não é comum as pessoas não terem termômetro nem nas comunidades! E as dúvidas são muitas vezes simples, como lavar roupas de uma pessoa doente.”

Guia popular para tratamento de Covid-19 em casas de periferia

Infelizmente ainda não temos um remédio para tratar a infecção pelo Sars-CoV-2, o novo coronavírus causador da Covid-19. Mesmo a cloroquina, que até o presidente Bolsonaro já admitiu não ter comprovação de que funcionaparou de ser testada pela Organização Mundial da Saúde como tratamento por aumentar a mortalidade entre as pessoas doentes.

O que é feito em casos leves, então, é tratar dos sintomas para permitir que o próprio sistema imunológico do paciente dê conta de curar a doença. É preciso ajudar o corpo nessa empreitada com bastante água, boa alimentação, repouso, além de  tomar medidas para não infectar outras pessoas com quem se divide o espaço.

Antes de tudo, porém, é importante ter alguma calma. Mantenha a casa organizada e preparada dentro do possível. Reze, medite, conecte-se com crenças ou pensamentos reconfortantes e prepare-se de maneira racional para enfrentar a doença. Por fim, todos os profissionais envolvidos nesse Guia pedem o favor de compartilhar essas informações, que estão checadas e confirmadas com especialistas em saúde, com o máximo de pessoas possível, sendo solidário e podendo salvar muitas vidas.

Se você suspeita ou está com sintomas leves de Covid-19

  • Tenha em casa dipirona ou paracetamol para controlar a febre e ajudar na dor no corpo
    Os dois medicamentos são oferecidos gratuitamente pelo SUS. Converse com a sua agente comunitária de saúde para levar os remédios até você ou peça para alguém buscá-los na Unidade Básica de Saúde mais próxima à sua casa usando máscara ou cobrindo o rosto com uma camiseta de algodão. 

Foto: Getty Images

Não vá a hospitais ou UPAs a menos que tenha sintomas graves. Se você não estiver doente, em muitos hospitais corre o risco de se contaminar lá. Em caso de dúvidas para testagem ou se estiver precisando de remédios e não tiver em casa, procure o agente comunitária de saúde. Eles são profissionais capacitados para atuar e diversos bairros das periferias contam com o apoio desses profissionais.

  • Monitore sempre a temperatura, se possível usando um termômetro

Há modelos por cerca de R$ 10. Mas caso não tenha, você conseguirá checar as variações de temperatura com a mão na testa ou por causa dos constantes calafrios. A febre causada pela Covid-19 costuma ser alta, é fácil de perceber. Para ajudar ficar confortável e lidar com os sintomas, dipirona ou paracetamol são recomendados de 8 em 8 horas. Cuidado com os anti-inflamatórios (tipo ibuprofeno), que nos últimos anos viraram “bala” e algumas pessoas usam inocentemente para dores em geral e podem agravar quadro de Covid-19.

Em caso de tosse, uma mistura de limão e mel podem funcionar tão bem quanto alguns xaropes da farmácia. Então, dê preferência ao tipo caseiro num primeiro momento. Para os que são medicamentos, só use com recomendação médica pois alguns duplicam os analgésicos e é perigoso.

  • Tome bastante água, alimente-se bem e limpe tudo o que tocar com água e sabão

Se você ou alguém da sua comunidade sofre com desabastecimento de água, falta de comida ou produtos de higiene, peça ajuda. Sua casa precisará de água limpa e potável, comida e produtos de higiene. Os que estão saudáveis poderão mobilizar esforços para salvar a sua vida. Não tenha vergonha, quando tudo passar você retribuirá a atenção.

Quem está doente precisa beber no mínimo dois ou três litros de água por dia (que podem ser também na forma de chás, sucos ou sopas). Hidrate-se toda hora porque o vírus acomoda-se mais rápido em garganta seca.

Faça no mínimo três refeições por dia para o corpo se recuperar. Tenha um pequeno estoque de chás, canja de galinha, sopas diversas e sucos de limão, laranja e etc. Eles não fazem mal mas também não curam. São tão importantes quanto qualquer outra fonte de água e vitaminas para o seu corpo. Cuide bem dele, é ele que vai fazer todo o trabalho de te curar.

Não deixe faltar água e sabão pois tudo tocar precisará ser higienizado para não contaminar outras pessoas. Ou seja, mesas, balcões, móveis, torneiras e maçanetas de portas precisarão ser limpos constantemente.

  • Faça repouso

Todo doente precisa descansar e muito. Não saia de casa mesmo se começar a se sentir melhor. Toda pessoa com Covid-19 deve ficar isolada em repouso por 14 dias.

Morador usa máscara na favela da Rocinha, no Rio Foto: Fabio Teixeira/NurPhoto via Getty Images

O que fazer se você divide a casa com uma pessoa infectada

  • Tente isolar um canto da casa para o doente

Nem todas as famílias conseguem ter um cômodo separado para a pessoa infectada, mas é preciso fazer o possível para reduzir os riscos de infectar as outras pessoas que moram na casa. Mova móveis de lugar ou use um tapete para determinar uma área o mais isolada possível para o paciente. Tente limitar a movimentação da pessoa em isolamento domiciliar e minimizar ao máximo o compartilhamento de espaço.

O contato entre as pessoas que moram juntas também deve ser feito com muito cuidado. Mantenha sempre pelo menos 2 metros de distância, nunca deixe quem está doente dormir na mesma cama com outra pessoa. Todos na casa devem usar máscara ou pano de algodão cobrindo o rosto o tempo inteiro.

  • Limite o número de cuidadores

O ideal é atribuir a função de cuidador a apenas uma pessoa, que esteja com boas condições de saúde, sem ser do grupo de risco. Em todos os contatos com o doente, o cuidador precisa estar sempre de máscara bem ajustada, que cubra a boca e nariz, e ter total atenção para não tocar nela durante o uso, além trocar a máscara quando ela estiver molhada.

A pessoa adoecida deve permanecer o maior tempo possível com a máscara. Se não tolerar, deve realizar rigorosamente cobrir a boca e nariz ao tossir ou espirrar com a parte de dentro do cotovelo, ou utilizando lenço descartável, e descartar adequadamente os materiais usados para a higiene respiratória.

  • Ventile o ambiente e limpe tudo

Deixe as janelas sempre abertas para o ar circular e higienize com frequência móveis, aparelhos domésticos e maçanetas com água e sabão, álcool 70% ou água sanitária.

Se tiver um umidificador, deixe perto do doente quando for dormir. Se não tiver, pode ligar o chuveiro na água quente ou fazer uma inalação com água numa bacia respirando o vapor.

  • Crie a rotina de limpeza das mãos

Lave com água e sabão, respeitando os cinco momentos de higienização:
1 – antes de contato com a pessoa;
2 – antes da realização de qualquer contato ou procedimento;
3 – após risco de exposição a fluidos biológicos (como tirar a temperatura, ajudar a trocar de roupa ou alimentar-se);
4 – após contato com a pessoa;
5 – após contato com áreas próximas à pessoa, mesmo que não tenha tocado a pessoa, cuidando direta ou indiretamente da pessoa.
Enxugue as mãos preferencialmente com toalha de papel. Se não tiver, use toalha de pano limpa e troque por outra quando ela estiver molhada.

  • Deixe produtos de higiene no banheiro

No caso de banheiro compartilhado, é importante deixar produtos para higienizar o local após cada uso da pessoa infectada. Tudo em que o paciente encostar, como vaso sanitário, descarga e torneira da pia e do chuveiro, deve ser higienizado com uma solução de água sanitária com água, álcool 70% ou esfregando água e sabão com uma buchinha.

  • Separe roupas e utensílios 

Pratos, copos e talheres devem ficar separados porque o vírus pode permanecer vivo nas superfícies por até 3 dias. Separe também roupas de cama, sem nunca compartilhá-los. Estes itens deverão ser limpos com água e sabão após o uso e poderão ser reutilizados. A roupa contaminada para lavar precisa ficar num saco plástico separada das roupas dos outros integrantes da casa. Não agite e evite o contato da pele nessa roupa usada pelo doente. Tudo o que a pessoa com Covid-19 usar deve ser lavado com água e sabão em pó. Pode-se usar máquina de uso doméstico comum. Deixa todas as roupas secarem bem antes de usar de novo.

  • Visitas nem pensar!

Essa dica vale para todo mundo nesse momento, mas para casas com pessoas infectadas é ainda mais importante: não é a hora de receber visitas. Se alguém precisar entregar alguma coisa, a pessoa deve permanecer fora da casa. Se um morador ficar doente, todo mundo que mora com a pessoa deve ficar em isolamento por 14 dias.

Quando ir a um hospital ou ligar para o Samu (192) 

  • m pouco de “cansaço” para respirar todos os doentes podem sentir, mas se intensificar, com dor torácica, respiração ofegante, sensação de desmaio, palpitações, vômito e febre alta, é indispensável procurar assistência médica.
  • Se a febre estiver muito alta (a partir de 39ºC), não baixar com o uso de medicamentos antitérmicos (como a dipirona e o paracetamol), em caso de falta de ar ou se a pessoa aparentar ter dificuldades de falar ou raciocinar é hora de buscar atendimento. 
  • Febre alta será comum em algum momento mesmo nos casos que não complicarão. Mas é preciso buscar um médico no caso de febre maior que 39°C, sem baixar, por 4 dias ou mais. Esse foi o critério adotado pela Prefeitura de São Paulo para internação em Hospitais de Campanha dos casos “leves” até aqui.
  • Cheque qual a unidade básica de saúde ou hospital de referência no tratamento da Covid-19 está mais perto. É importante chegar lá já de máscara ou com um pano de algodão enrolado no rosto para cobrir a boca e o nariz. Ali a pessoa será encaminhada para uma área específica para pessoas com suspeita de Covid-19 para aguardar atendimento.
  • Ao ligar para SAMU 192 ou para o serviço de transporte hospitalar informado por um agente comunitário de saúde informe que o paciente está em isolamento domiciliar por causa da Covid-19.

Fontes: Adailton Costa, agente de saúde de Santarém (PA), estudante de bacharelado interdisciplinar em Saúde da Universidade Federal do Oeste do Pará e membro do Sindicato dos trabalhadores em Saúde Pública do Estado do Pará (SINTESP); professora Natália Stofel, enfermeira pelaUniversidade Federal de São Carlos, doutora em Enfermagem pela Universidade Federal de Pelotas e mestre em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo; Rede de Apoio às Famílias de Vítimas da Covid no Brasil com base em orientações de médicos, enfermeiros e agentes de saúde voluntários, Ministério da Saúde e Centro de Operações de Emergência – Doença pelo Coronavírus (COE).

 

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  1. perez god

    29/05/20 at 16:48

    parabens!!!!!

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Coronavírus

Após ameaça de corte de salários, 8 professores indígenas morrem por covid-19 em RR

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Um áudio da Chefa da Divisão de Educação Escolar Indígena, Gleide de Almeida Ribeiro, enviado em abril em um grupo pelo Whatsapp, colocou em pânico professores indígenas da rede estadual de ensino de Roraima.

“Eu quero a confirmação dos centros regionais! Escolas que não estiverem funcionando, que não começou e nem vai começar [a dar aulas presenciais], nós vamos suspender o pagamento dos professores! Eu preciso urgentemente dessa informação. Já foi autorizada a suspensão do pagamento dos professores da Serra da Lua – exceto aquelas escolas que estão funcionando. Por isso eu preciso urgentemente saber quais são as escolas que estão funcionando na Serra da Lua, ou então todas as escolas da Serra da Lua vão ser suspensos o pagamento”, disse a Chefa da Divisão do governo de Antônio Denaruim (sem partido).

Por Martha Raquel, do Brasil de Fato

Após o envio do áudio, Silvana*, professora seletivada, teve alguns dias descontados de seu salário por se recusar a ir até a casa dos alunos para entregar atividades. Por medo de retaliação, ela preferiu não se identificar, e detalhes como etnia, região e escola de atuação serão mantidos em sigilo.

Diferente do restante do país que cumpre, em algum nível, o estudo à distância, os alunos indígenas de Roraima não conseguem ter uma estrutura de internet e de aparelhos eletrônicos para assistir às aulas. Além dos alunos, alguns professores também não sabem como usar o aparelho para dar aulas. Os professores reclamam que não houve qualquer tipo de instrução para que as aulas fossem dadas à distância.

A reportagem do Brasil de Fato tentou entrar em contato com Gleide de Almeida Ribeiro, Chefa da Divisão de Educação Escolar Indígena, e Leila Perussolo, Secretária de Educação e Desporto do Estado de Roraima, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

Silvana conta que assim como ela, a maioria dos professores indígenas são seletivados, ou seja, podem ter seu salário cortado a qualquer momento. “Primeiro pediram que fôssemos até a casa dos alunos entregar as atividades e lá teríamos que aguardar que eles as fizessem e nos devolvessem. Quando nos recusamos disseram que teríamos que atendê-los na escola. Hoje atendemos salas inteiras de uma vez”. Ela explica que o governo de Antônio Denaruim não enviou máscaras, álcool em gel, luvas ou qualquer outro equipamento de segurança para as escolas. “Atendemos 6 ou 7 alunos de uma vez sem nenhuma proteção”, explicou.

Desesperada com a situação, outra professora que também não quis se identificar desabafou: “Nós não temos como ficar sem salário, ainda mais durante uma pandemia. O que estão fazendo com a gente é desumano. Como eu vou chegar pros meus filhos e falar ‘ou a mamãe sai pra trabalhar e corre o risco de morrer pra poder trazer comida pra casa ou a gente vai passar fome’? Não tem como eu fazer isso”.

A primeira morte de professora

Professora indígena da etnia Macuxi, Bernita Miguel, de 52 anos, foi a primeira vítima do coronavírus dentro das escolas indígenas de Roraima. Bernita ensinava a língua Macuxi na Escola Estadual Indígena Artur Pinto na comunidade Nova Esperança, na região de São Marcos, no município de Pacaraima.

Professora Macuxi Bernita Miguel, primeira professora vítima de coronavírus em Roraima / (Reprodução / Facebook)

Professora Macuxi Bernita Miguel, primeira professora vítima de coronavírus em Roraima / (Reprodução / Facebook)

Enock Taurepang, coordenador-geral do Conselho Indígena de Roraima (CIR), explica que o governo estadual não tem se importado com a saúde indígena. “Os professores indígenas estão entre a cruz e a espada. O governo joga essa proposta de 15 ou 20 dias de repasse de atividade pros alunos, mas aulas estão acontecendo e isso nos preocupa mesmo que seja de 15 em 15 dias”, explica. “Ainda tem profissionais indígenas que se reúnem dentro do ambiente escolar para fazer o planejamento e isso é uma preocupação muito grande”, completou.

O coordenador do CIR explica que não é possível prever quem está contaminado ou não. “Já temos 8 perdas de professores para essa doença e não queremos ter mais vidas levadas por essa doença. Esse método proposto para os professores expõe o professor, o aluno, o pai do aluno e consequentemente toda a comunidade. Nós temos a cultura de visitar nossos parentes, ir nas casas dos parentes de manhã ou no finalzinho da tarde pra conversar, pra repassar informação, pra combinar o trabalho do dia seguinte. E tudo isso propicia que o vírus se espalhe em toda a comunidade”.

coronavírus passa de cada pessoa contaminada para três a cinco pessoas. O que significa que, sem nenhuma medida de contenção, o número de casos tem potencial de dobrar, em média, a cada quatro dias. Em ambientes fechados o contágio é muito maior, sobretudo se se faz uso de ar condicionado, onde a troca de ar é aquém da ideal. O contágio é rápido uma vez que há uma faixa grande de pessoas que são pré-sintomáticas e durante essa fase seguem transmitindo mesmo antes de apresentar os sintomas.

“Nesse modelo de continuar com os atendimentos presenciais, todos ficam expostos. Não importa se é um, dois ou três minutos, não importa o tempo. Essa doença se espalha de uma maneira tão rápida… basta você ter um pequeno contato e aí lá se vai o vírus causar mais mortes. Esse modelo não é apropriado para nós, não é!”, explicou Enock.

Segundo o Comitê Nacional pela Vida e Memória Indígena da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), há hoje 821 casos de indígenas confirmados com covid-19 e 47 óbitos em Roraima. No Brasil, o número passa para 14.793 infectados e 501 mortes, sendo 131 povos atingidos. Os estados com maior número de indígenas infectados pelo vírus são Amazonas, Para e Maranhão. Os principais povos atingidos pela doença foram Kokama (60 óbitos), Xavante (33 óbitos) e Guajajara (30 óbitos).

Rotina em sala de aula

Silvana explica que as aulas acontecem por horário determinado, exemplo: alunos do quinto ano das 09h às 10h; do sexto ano das 10h às 11h; e assim por diante. As salas de aula continuam iguais, sem afastamento de carteiras ou distanciamento social. Os estudantes formam uma fila e vão, um a um, tirar as dúvidas. Geralmente o professor fica sentado e o aluno em pé ao lado. Ela conta que nem todos os alunos têm máscara, e que poucas escolas disponibilizam álcool em gel. Ela, que tem apenas licenciatura para dar aulas para alunos do ensino fundamental, há alguns anos assumiu, a pedido do governo estadual de Roraima, matérias como sociologia, biologia e espanhol. Silvana tem, em média, 120 alunos.

Enock explica que, ainda que o governo tenha enviado alguns vidros de álcool, eles não são suficientes. “Não é uma realidade para o professor indígena pensar ‘ah, agora eu posso trabalhar e fazer as minhas atividades com o mínimo de segurança’, não é! Mandar dois ou três vidros de álcool em gel para uma escola que tem 40 ou 50 professores é inviável, é inadmissível”.

Outras formas de lidar com a situação

Para o CIR, há outras formas de manter o emprego dos professores durante a pandemia. “O professor poderia estar produzindo materiais pedagógicos específicos e diferenciados para as escolas indígenas nesse período de um ou dois meses. O professor ficaria liberado para fazer seu próprio material pedagógico e depois que tudo isso passasse, ficaria mais fácil de ele chegar com esse material, apresentar e aplicar para os seus alunos. Ele só iria aplicar o que ele já tinha criado nesse período que ele passou sem dar aula. Então, de uma forma ou outra, o professor não pararia suas atividades como profissional”, explicou Enock.

Para ele, o governo não está escutando as demandas e as sugestões dos professores. “Quando essa ordem vem de cima, o profissional indígena se sente na obrigação de executar aquilo que tá se pedindo mesmo que a sua vida esteja em risco. Se eu paro de executar minha atividade como professor por causa de uma pandemia, o governo aponta o dedo e diz que vai tirar o meu salário e eu tenho muita conta pra pagar. Tenho uma família pra alimentar, e se eu parar, consequentemente, eu vou perder tudo isso; e daí fico na obrigação de executar o que o governo tá pedindo mesmo colocando minha vida em risco”, explicou.

Professores vítimas do Covid-19

Assim como Bernita, outros sete professores faleceram por conta da doença. Elizabeth Ribeiro, da etnia Wapichana, tinha 37 anos e dava aulas na comunidade Canauanim, no município do Cantá. Já Fausto Silva Mandulão, de 58 anos, era professor há 41 anos. Liderança indígena, ele lecionava na Escola Estadual Indígena Professor Ednilson Lima Cavalcante, na comunidade Tabalascada, também em Cantá. Ambos faleceram no mesmo dia, 03 de junho, vítimas da doença.

Poucos dias depois o professor indígena da etnia Macuxi, Luciano Peres, de 68 anos, também faleceu vítima da doença. Formado em pedagogia e matemática, lecionou no Centro Indígena de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol. Ele também atuou como gestor pedagógico na escola estadual Tuxaua Silvestre Messias e foi secretário na prefeitura de Pacaraima.

Alvino Andrade da Silva, da etnia Macuxi, também foi vítima da doença uma semana mais tarde. Nascido na Comunidade Indígena Boqueirão/Região do Tabaio, município de Alto Alegre, atuou como assessor técnico da Associação dos Povos Indígenas do Estado de Roraima (APIRR), entre 2005-2011. Dulcirene Freitas de Lima, 47 anos, da etnia Taurepang, da Comunidade Canauanin; Irinel Melquior, da etnia macuxi, da Comunidade Ticoça; e Maika Ferreira Melo, da etnia Macuxi, da Comunidade Sucuba, também morreram vítimas do vírus.

Como o vírus têm chegado às comunidades?

Segundo a APIB, em muitos casos o vírus tem chegado pelo próprio governo federal, como no caso da região do Alto Solimões e no Vale do Javari onde a covid-19 foi levada por pessoas da equipe da SESAI que estavam contaminadas. No Parque Tumucumaque (Pará e Amapá), o vírus chegou com o Exército. Em regiões do Sul e Centro-Oeste, o agronegócio tem sido um dos principais vetores da disseminação da doença entre povos indígenas. O garimpo ilegal e outras ações criminosas que invadem as terras indígenas têm levado a doença para territórios em Roraima e Pará. A exposição ao vírus na tentativa de acessar o auxílio emergencial do governo também tem sido uma das formas de chegada nas aldeias.

Todas as vidas indígenas importam

Segundo o CIR, há mais de mil professores seletivados no estado de Roraima. “Independente da quantidade, se existissem dois professores seletivados, a gente ia lutar pela vidas desses dois. Se existisse um professor concursado indígena, a gente ia lutar pela vida desse professor concursado indígena. Todas as vidas importam! São as pessoas que estão dando a vida e o sangue todos os dias dentro das escolas indígenas pra fazer a educação acontecer, pra fazer com que o aluno jovem ou a criança possa ter o entendimento maior do mundo em que a gente tá vivendo. Então essas pessoas importam e são muito preciosas pra comunidade”. Ele explica que tanto os professores mais jovens, quanto os professores mais velhos têm um grau de conhecimento imenso e que ambos são vidas essenciais nas comunidades.

Tratamentos tradicionais contra o vírus

Para o CIR o número de professores contaminados pode ser muito grande, levando em conta os que estão recebendo tratamento dentro das comunidades. Há contaminados que estão em isolamento e seguindo tratamento com medicamentos farmacêuticos e tradicionais.

Silvana voltou da comunidade em que dá aulas com sintomas de covid-19. Depois de 17 dias conseguiu realizar o exame, que deu negativo, e acredita que o vírus não foi encontrado em seu corpo porque tomou algumas garrafadas –  um medicamento tradicional – por muitos dias seguidos.

As garrafadas podem ser produzidas de diversas formas. Silvana se tratou com a Garrafada de Quina Quina (a casca da árvore com água) e com a Garrafada de Limão e Laranja (são batidos no liquidificador dois limões com casca e sem sementes e uma laranja com casca, se adiciona água e bebe-se 3 vezes ao dia).

A nossa bandeira é a vida!

“O CIR tem a obrigação, e a gente faz com gosto, de defender o direito do parente, defender o direito do profissional indígena, defender o direito do pai, da mãe, do filho, do neto, do indígena em geral. Quantas vezes forem necessárias, o CIR vai se manifestar e vai dizer não à morte, não ao genocídio do povo indígena! Não! Basta! A gente quer viver! A gente quer ver o parente feliz! A gente quer ver o parente com saúde! A gente quer ver o parente autônomo, de todas as formas! Essa é a nossa bandeira, a vida, o bem-viver das comunidades”, finalizou Enock.

*Nome fictício 

Edição: Mauro Ramos

 

Veja também: O racismo de Bolsonaro contra populações indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais

 

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Coronavírus

Novo normal: Brasil tem mais de mil mortes por dia e governantes festejam o tal “platô”

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Novo normal? Hospitais públicos estão no limite, com as UTIs superlotadas; cresce o número de doentes morrendo em casa

Por Ricardo Melo*

A pandemia do coronavírus está fora de controle em todo o planeta. Sintomático: o país considerado o mais desenvolvido do mundo, os Estados Unidos, meca do capital financeiro, é incapaz de deter as mortes que se acumulam aos milhares. Lidera o ranking da morbidez. Atrás dele, disputando o pódium do genocídio, está o Brasil de Jair Bolsonaro.

Tem se falado muito sobre o primado da ciência, bla, bla bla. É bom que se aposte na certeza científica contra as feitiçarias, charlatanices e vendedores de remédios contra piolhos como salvação da humanidade. Ou contra mercadores de cloroquina que só fazem encher os bolsos(naros) de um dinheiro extra.

Os fatos, porém, ultrapassam este debate. Vamos falar do Brasil. Um governador como João Dória comemora que São Paulo aparentemente atingiu um tal “platô”. “Temos y infectados, x mortes e a situação parece estar se estabilizando.”   

Ei, que negócio é este? Como assim? Tem gente morrendo. E não é madame que acha que morador de rua é folgado e gosta de viver ao relento. São na maioria trabalhadoras e trabalhadores abandonados à própria sorte e sem condições de se defender. Os números são inequívocos. Há um corte social evidente entre as vítimas. Aqui no Brasil, nos EUA e pelo mundo afora.

Há dinheiro de sobra rodando pelo mundo para debelar uma pandemia como esta. Ninguém de bom senso acredita que a colaboração entre cientistas de ponta de todo o mundo não poderia achar uma saída rápida para aplacar um vírus. Mas o que se vê é uma guerra entre laboratórios multinacionais gananciosos para ver quem vai chegar primeiro à pedra filosofal. 

Enquanto isso, além das vítimas do vírus, assiste-se ao sacrifício desumano de milhares de profissionais de saúde que tentam fazer o que o capitalismo predador não faz. Salvar vidas. Eles trabalham sem proteção, em sistemas públicos de saúde desmantelados e entregues ao olho gordo do dinheiro grosso.  As histórias de enfermeiros e médicos que morreram vítimas do vírus ou se mataram por não conseguir impedir a morte de pacientes recheiam as páginas dos principais jornais do mundo. 

 

Novo normal no Jornal Nacional

Por aqui, a tragédia também virou o novo normal. O Jornal Nacional, da Rede Globo, já trata o assunto como uma seção. Colocou um apresentador que parece ter saído de uma impressora 3D para falar sobre os números do dia. Como se estivesse falando das cotações da bolsa ou do dólar. Ou da previsão do tempo. “Amanhã vão morrer tantos, sobreviver outros. Agora é com você, Bonner”. A rede Globo sempre será a Globo, a mesma que “descobriu” que havia uma ditadura no Brasil com quase meio século de atraso.

E seguem os enterros. Literalmente.

Vamos falar claro: as medidas de relaxamento do isolamento social são criminosas. Isto mesmo, senhor Dória e outros governadores e prefeitos. Vejam o caso da Índia e de outros países. Enquanto não houver uma vacina ou uma solução intermediária, a exposição de cidadãos a céu aberto equivale a uma sentença de morte distribuída por amostragem.

Sobre Bolsonaro é inútil falar. Faz tempo, cerca de trinta anos, que ele tá pouco se lixando para o Brasil. Tá mais preocupado com Queiróz e dona Márcia (a propósito: para quem não sabe, a avó da mulher dele, Michelle Bolsonaro, foi recolhida no meio da rua com o coronavírus. Neste momento, luta contra a morte num hospital ).

Enfim, é um escândalo. Os culpados estão identificados. São as autoridades, aliadas do capital gordo, que menosprezam a vida dos que não têm como se proteger e pregam o libera geral. Dane-se o povo. Aquelas excelências estão resguardadas por grandes hospitais, planos de saúde e benesses de todo tipo. Trump, Bolsonaro e Dória estão sãos e salvos. 

Para a maioria, sobra o “platô” das covas.

 

*Ricardo Melo, jornalista, foi editor-executivo do Diário de S. Paulo, chefe de redação do Jornal da Tarde (quando ganhou o Prêmio Esso de criação gráfica) e editor da revista Brasil Investe do jornal Valor Econômico, além de repórter especial da Revista Exame e colunista do jornal Folha de S. Paulo. Na televisão, trabalhou como chefe de redação do SBT e como diretor-executivo do Jornal da Band (Rede Bandeirantes) e editor-chefe do Jornal da Globo (Rede Globo). Presidiu a EBC por indicação da presidenta Dilma Rousseff.

Leia mais Ricardo Melo em:

 

https://jornalistaslivres.org/quem-confia-em-milton-ribeiro-o-ministro-da-educacao-escolhido-por-bolsonaro/

 

Jair Bolsonaro é um assassino —agora de papel passado

 

 

ENEM: BOLSONARO QUER DESTRUIR OS SONHOS DA JUVENTUDE POBRE DO BRASIL

 

 

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#EleNão

Ato na Paulista, neste sábado (13/06), faz protesto “contra governo da morte”

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Neste sábado (13/6), a avenida Paulista será o espaço de mais uma manifestação pelo impeachment do presidente Jair Bolsonaro. O ato está sendo organizado por grupos sem vínculos partidários ou institucionais, que protestam contra o genocídio produzido pela irresponsabilidade do governo federal diante da pandemia do Covid-19 e contra a violência policial e estatal que vitima os brasileiros mais pobres e vulneráveis.

Bolsonaro, que já vinha pressionando prefeitos, governadores e empresários para um “retorno à normalidade”, antes mesmo do Brasil atingir o pico da pandemia e a contaminação estar controlada, estimulou, em live transmitida na úlltima quinta-feira (11/06), que a população invada os hospitais, filme os leitos e envie as imagens para a Polícia Federal e para a Abin, colocando em cheque os números apresentados pelas secretarias de saúde de estados e municípios. De acordo com nota divulgada pelo grupo que organiza o Ato, não resta outra alternativa que não seja ocupar as ruas e confrontar o governo com os resultados de sua própria política, “o Brasil não pode mais aguentar duas crises ao mesmo tempo: a pandemia e Bolsonaro. Uma se alimenta da outra. A única maneira de lutar contra a pandemia é derrubando este governo irresponsável. Não sairemos das ruas até que ele caia”.

Jair Bolsonaro também ameaçou, nesta quinta-feira (11), vetar a prorrogação do auxílio emergencial, caso o Congresso mantenha o valor de R$ 600. A proposta apresentada pelo governo é reduzir o valor pela metade, para mais dois meses de auxílio.

“A função primeira de um governo é proteger a população. Bolsonaro e seus seguidores zombam dos mortos e conspiram contra políticas que poderiam salvar vidas”.

 

 

 

Outra medida tomada por Bolsonaro esta semana, que vai de encontro às reclamações do Ato Contra o Governo da Morte, foi a exclusão da violência policial do relatório sobre violações de direitos humanos, uma tentativa clara de maquiar os números, assim como é a política oficial com o Coronavírus.

Serão distribuídas para os manifestantes, 500 fotos com vítimas da violência do Estado na ditadura e nos dias atuais, pela polícia e Covid-19. O uso de máscaras e a observação da distância de dois metros uns dos outros será obrigatório. Uma equipe irá garantir a distância e a segurança dos participantes.

O Grupo que organiza a ação é apartidário e espontâneo, composto por ativistas, artistas, advogados, professores, profissionais de saúde, estudantes, comunicadores. Cidadãs e cidadãos que não verão calados mais um genocídio do Estado brasileiro contra o seu povo.

Leia a íntegra do manifesto:

 

 

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