Em portaria publicada nesta segunda-feira (23) no Diário Oficial, o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) decidiu pela “redução do quadro de terceirizados” e pela “suspensão do contrato de estagiários” como parte do plano de contingenciamento de despesas do órgão para o período da quarentena da Covid-19. Na prática, a decisão permite que funcionários terceirizados e estagiários – grupos com os contratos de emprego mais precarizados dentro do órgão público – sejam demitidos em plena época de quarentena.
Sem dinheiro para pagar aluguel, as contas ou mesmo comprar comida e remédios: essa pode ser a realidade próxima desses e dessas trabalhadoras, ao contrário do que têm pregado outros órgãos e mesmo governos nesse período – o que inclusive contraria a própria atuação do MP em defesa dos direitos da população.
Em resposta à decisão, um grupo com mais de 80 juristas e cerca de 30 coletivos e organizações divulgaram a carta aberta intitulada “Com quantas demissões se faz uma quarentena?”, na qual questiona o conteúdo da portaria, traz depoimentos de gente que pode ficar sem emprego e sugere que outros gastos e cursos podem ser cortados e que teriam até mais repercussão no contingenciamento, sem afetar a vida dessas pessoas.
CONFIRA ABAIXO A NOTA:
Foi com extrema preocupação e tristeza que recebemos o teor da Portaria POR-PGJ Nº 629/2020 do Ministério Público do Estado de Pernambuco a qual, dentre outras medidas, resolve reduzir salários, suspender o contrato de estagiários e diminuir o número de funcionários terceirizados.
Diante deste e de outros acenos para iniciativas de contenção e contingenciamento de gastos públicos, reconhecemos a urgência e a importância de medidas desta natureza. No entanto, pensamos também que é preciso identificar exatamente quem pode arcar com os maiores gargalos financeiros em tempos de crise.
Determinadas carreiras que furam o teto constitucional, parlamentares que possuem o condão de aumentar seus próprios salários, auxílios para quem já é bem remunerado… Se nem uma pandemia é capaz de nos fazer refletir sobre as estruturas desiguais com as quais convivemos, ao final do surto epidêmico, uma coisa é certa: há quem irá arcar não só com o bolso, mas também com a própria vida.
De acordo com o IBGE, o avanço na informalidade do mercado de trabalho é sentido em escala recorde em 2019, o que endossa, ainda mais, a necessidade de uma contenção, de fato, mais justa e inteligente, capaz de contemplar os elos mais desprotegidos de nossa economia.
Na França, o presidente Macron já tomou medidas como a anistia das contas de água, luz e gás. Acreditamos que são providências como estas que surtem os efeitos mais justos, porque as réguas que medem a desigualdade também são, elas mesmas, erigidas sob diferentes números. Se o Poder Público não oferece exemplos inteligentes e eficazes de como gerenciar seus recursos, o que dirá na iniciativa privada?
Para que estas palavras não soem como um mero confronto de prioridades que precisam ser elencadas em processos de contingenciamento, trouxemos aqui relatos de algumas dessas pessoas que serão atingidas por tais medidas. Algumas dessas narrativas e histórias cruzadas constroem todos os dias o conjunto de sujeitos e sujeitas historicamente atingidos em qualquer crise ou recessão em nosso país.
Essas medidas atingem principalmente os homens e mulheres negras que sonharam um dia em adentrar na Universidade ou acessar um emprego formal; que sonharam e sonham, muitas vezes, em trabalhar em instituições como o Ministério Público de Pernambuco, mas que agora veem seus sonhos suspensos e interrompidos frente à incerteza, ao medo do desemprego, do desrespeito, do desalento e de um conjunto inominável de angústias e sensações geradas em meio a uma pandemia.
*Estagiária 01*
A suspensão do contrato de estágio desestabiliza não só a minha subsistência, mas a da minha família. Estudo em uma universidade particular com bolsa assistencialista, e divido a mensalidade com a minha avó, que recebe aposentadoria (e sustenta quatro pessoas). Assim, a minha bolsa de estágio me mantem e desafoga a renda da minha avó. Sem ela, a faculdade ficaria toda a cargo da minha avó nos próximos meses, o que se torna inviável por atingir diretamente a renda da casa, incluindo alimentação, moradia e a escola do meu irmão.
*Terceirizada 01*
Sou terceirizada e trabalho no Ministério Público. Moro numa comunidade com meus dois filhos, um menino e uma menina. O saneamento básico aqui é quase inexistente, na porta de casa tem um esgoto a céu aberto e meu filho sofre de problemas respiratórios, ele tem asma. Essa incerteza sobre quem vai ser ou não demitida me deixa com muito medo, principalmente com o corona vírus, porque eu sustento a casa, sem meu salário não tenho como dar de comer às minhas crianças.
*Estagiário 02*
Convivo apenas com minha mãe que é pensionista e meu irmão que está desempregado. Infelizmente a bolsa-estágio compõe parte essencial da minha renda familiar e sem ela não conseguiremos arcar com as despesas domésticas.
*Estagiária 03*
Sou estagiária do MP e fui aprovada dentre as vagas destinadas ao programa de cotas raciais. Apesar de estudar em uma universidade pública, preciso arcar com custos de transporte, alimentação, material de estudo. Além disso, contribuo na renda da minha família pagando despesas de água e energia. O valor da bolsa representa 1/3 da renda da minha família e a suspensão impede minha manutenção na universidade.
*Estagiária 04*
Sou estagiária do MP e ingressei no órgão dentro das vagas destinadas aos negros e negras. Estudo numa universidade pública e desde que iniciei o estágio passei a morar no centro do Recife, para ficar mais próximo do trabalho e da faculdade. Desde então eu me sustento com o valor que recebo da bolsa paga pelo MP, pago aluguel, custeio minha alimentação, vestuário, transporte, medicamentos. Meus pais são idosos, se encontram desempregados e não possuem condições de me ajudar financeiramente. Em meio a pandemia do covid 19, onde a recomendação é ficar de quarentena, como arcar com meu aluguel e minha alimentação?
Assim, suplicamos que seja reavaliada a determinação de reduzir o quadro de terceirizados e de suspender o contrato de estágio, pois esses são os elos mais frágeis da estrutura do MPPE e que menos meios têm para sobreviver no atual panorama de pandemia. Com toda certeza há outros custos e gastos que podem ser suprimidos.
Neste momento, acima de todos, não se pode esquecer que o Ministério Público possui a função Constitucional, dentre outras, de defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, CF), tais como saúde, alimentação, promoção da assistência aos desamparados, etc. Na prática e a grosso modo, a instituição deve zelar por tudo o que for público ou de relevância pública, pensando, em última instância, no bem estar dos cidadãos e cidadãs.
Em tempos de pandemia mundial, somos convocados constantemente para agirmos e pensarmos de maneira altruísta e coletiva. Assim, somos todos e todas também convocados a nos preocuparmos com aqueles e aquelas que, na informalidade, se sustentam e provém para as suas famílias.
O que esperar dessa instituição democrática tão poderosa e abastada como o MPPE?!
Esperamos o bom exemplo, no sentido de zelar por esses cidadãos e cidadãs – que diariamente contribuem para o bom funcionamento do órgão – e não que, diante de todo esse caos, onere os que mais necessitam!
_Optou-se por preservar os nomes e demais informações pessoais daqueles/as que registraram seu relato na presente nota._
Assinam esta nota:
ASSINAM ESTA NOTA
COLETIVOS E ORGANIZAÇÕES
Acesso ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos – ASIDH
Diretório Acadêmico Demócrito de Souza Filho – Direito/UFPE
Diretório Acadêmico Fernando Santa Cruz – DAFESC – Direito/UNICAP
Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social – CENDHEC
Centro Popular de Direitos Humanos – CPDH
Coletivo Força Tururu
Coletivo Lutas (PSOL)
Coletivo Mana a Mana
Consulta Popular
Diretório Central dos Estudantes Umberto Câmara Neto – DCE/UFPE
Discutindo Direito e Tecnologia – DDIT
Escola Livre de Redução de Danos
Grupo Além das Grades
Grupo Asa Branca de Criminologia
Grupo Baobá de Estudos Afrocentrados
Grupo de Estudos e Pesquisas Transdisciplinares sobre Meio Ambiente, Diversidade e Sociedade – GEPT/UPE
Grupo Robeyonce
Instituto de Protagonismo Juvenil – IPJ
Movimento Por Uma Universidade Popular – MUP
Movimento Social e Cultural Cores do Amanhã
Núcleo de Assessoria Jurídica Popular – NAJUP
Levante Popular Da Juventude – LPJ
Liberta Elas
Pernambuco Model United Nations – PEMUN
Quilombo Marielle Franco
Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares – RENAP
Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas – RENFA
União da Juventude Comunista – UJC
PESSOAS FÍSICAS
Adriana Rocha – Advogada e Professora universitária
Alexandre Ronaldo Da Maia – Coordenador da graduação em direito/UFPE
Alana Barros – Advogada
Alex Fernando – Advogado
Anabel Pessôa – Professora de Direito/ UFRPE e Co-Fundadora IMP
Artur Stamford da Silva – Professor de Direito/UFPE
Bruno de Almeida Paiva – Advogado
Caio Jucá – Advogado
Camilla do Rego Barros Mousinho – Advogada
Carina Acioly – Advogada
Carolina Salazar l’Armée Queiroga de Medeiros – Professora Universitária
Carolina Valença Ferraz – Advogada e Professora Universitária
Catarina Oliveira – Professora
Ciani Sueli das Neves – Professora Universitária
Clarissa Marques – Professora de Direito/UPE
Cristhovão Fonseca Gonçalves – Professor de Direito/UPE e Advogado
Diego José Sousa Lemos – Professor de Direito/FASP e Advogado
Émerson Leônidas – Advogado e Presidente da ABRACRIM/PE
Fábio Gabriel Breitenbach – Professor de Direito/UNEB, Advogado e Doutorando PPGD/UNICAP
Felipe Mendes Bessone – Advogado
Felipo Pereira Bona – Professor Universitário UPE
Gabriela Borella – Advogada
Glebson Weslley Bezerra – Professor Universitário e Advogado
Gisele Vicente Meneses – Advogada
Gustavo Pires de Carvalho – Advogado
Helena Rocha Coutinho de Castro – Professora Universitária
Homero Ribeiro – Professor de Direito/UPE e Advogado
Iricherlly Dayane da Costa Barbosa – Advogada
Jéssica Barbosa Siqueira Simões – Advogada e Mestranda em Direito PPGD/UFPE
Júlio Paschoal – Pesquisador
Karina Bezerra de Oliveira Duarte – Advogada, Professora Universitária e Mestranda PPGDH/UFPE
Labybe Ebrahim Nunes – Advogada
Lucas Gondim Chaves Regis – Advogado
Luciana Brasileiro – Advogada
Luísa Duque – Advogada
Luis Emmanuel Barbosa da cunha – Advogado e Professor Universitário
Manuel Camelo Ferreira da Silva Neto – Advogado e Mediador Extrajudicial
Marcelle de Oliveira – Advogada e Pesquisadora FACEPE/UNICAP
Marcelus Ugiette – Advogado e Professor de Direito
Mariana Fisher Pimentel – Professora de Direito/UFPE
Maria Helena Villachan – Advogada
Maria Júlia Poletine – Advogada
Maria Lúcia Barbosa – Professora de Direito/UFPE
Maria Luiza Caxias – Professora de Direito/UPE e Doutoranda PPGCJ/UFPB
Maria Rita de Holanda – Professora/UNICAP e Advogada
Marilia Montenegro – Professora de Direito UFPE/UNICAP
Maurilo Miranda Sobral Neto – Professor Universitário
Matheus Kursawe – Advogado
Natanael Café – Advogado
Pablo Falcão – Professor de Direito/UPE
Patricia Carvalho – Advogada
Paulo Borges – Advogado
Pedro Didier – Advogado
Pedro Josephi – Advogado, Professor Universitário e Presidente da Fundação Leonel Brizola
Raylan Souza – Advogado
Rayssa Farias – Advogada
Renata Santa Cruz Coelho – Advogada
Rita de Cássia Souza Tabosa Freitas – Professora de Direito/UPE e Advogada
Regina Célia Lopes Lustosa Roriz – Advogada e Professora de Direito/CESVASF
Robeyonce Lima – Codeputada Estadual (Juntas/PSOL)
Sophia Alencar – Advogada
Thaisi Bauer – Advogada
Thaís Helena Ramos de Melo – Advogada
Thaís Lima – Advogada
Thalita Bezerra – Advogada
Tiago da Conceição – Advogado
Thiago Lorena – Advogado
Twig Lopes – Pesquisadora
Vinicius Nascimento – Advogado
Nathália Correia Borba – Estudante
Mariana Lins e Silva – Estudante
Dafne Carvalho Muniz – Engenheira
Iara Beatriz de Lima Medeiros – Estudante
Fábio Batista Muniz – Engenheiro
Plácido Antônio Batista Muniz – Professor
Érica Carvalho Muniz – Nutricionista
Adriana Santos Galindo – Bancária
Pedro Lucas Silva de Amorim – Estudante
Paula Olívia de Souza Vilela – Estudante
Berenice Maria Granja Muniz Gomes – Aposentada
Debora Carvalho Muniz – Cientista Social
Marcela Cordeiro dos Santos – Estudante de Psicologia
Ana Rita Braz – Empresária
Isabelle Karine Lemos – Advogada
Vitória Dinu – Servidora Pública