A próxima reunião de conciliação entre representantes do governo Bolsonaro, Prefeitura de São Paulo e a Unifesp deve ocorrer nesta segunda-feira, 9/12. A União precisa apresentar justificativas, planejamento e orçamento coerente com a proposta de transferência do material ósseo e demais materiais colhidos da Vala de Perus para a Polícia Civil do Distrito Federal.
Representantes de Familiares de Mortos e Desaparecidos vêem com muita apreensão essa iniciativa. Primeiro porque vai interromper a pesquisa que vem sendo feita desde 2014; segundo por tornar muito mais difícil o acesso dos familiares aos supostos resultados. Os familiares também denunciam que 27 ossadas dos mortos na região do Rio Araguaia foram para Brasilia, e estão desaparecidas ou engavetadas.
A morte que nunca acaba
Durante a audiência no último dia 18/11, em que a União fez a proposta, representantes dos familiares puderam se manifestar e Amélia Teles, afirmou: “Esses ossos são de seres humanos.” E completou dizendo que as vítimas só foram tratadas com o devido respeito quando foram para a Unifesp. Além dos mortos no período militar, acredita-se que existam vítimas dos Esquadrões da Morte ou de grupos de extermínio que atuavam em São Paulo nas décadas de 1970/80.
Entenda a manobra do representante do governo Bolsonaro
A Advocacia Geral da União (AGU), na segunda feira, 18/11, durante a reunião de conciliação na Justiça Federal, em São Paulo, alegou redução de custos, mas sem apresentar qualquer planilha, plano operacional ou mesmo justificativa plausível para a transferência das Ossadas da Vala de Perus para Brasília. O juiz não aceitou o pedido e deu um prazo até dia 2 de dezembro para que a AGU e o procurador, Marco Vinicius Pereira de Carvalho, da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), apresentassem a documentação a tempo de ser avaliada pelas partes. A prefeitura, a Unifesp e os representantes dos familiares dos mortos e desaparecidos vão avaliar a documentação e podem se pronunciar na audiência da próxima segunda-feira, 9/12.
A Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Polítícos (CEMDP) é mais uma instância de Estado, não de governo, instituída desde 1993, encarregada de investigar casos de mortes por motivação política. E parte do conjunto de mecanismos do processo conhecido como Justiça de Transição, referentes aos crimes da ditadura militar.
Brasília é um caminho quase sem volta
Ouvida pela revista Carta Capita, a procuradora Eugênia Gonzaga, ex-presidente da CEMDP, explicou que foi exonerada por Jair Bolsonaro em agosto. No seu lugar foi empossado um assessor da ministra Damares, Marco Vinicius Pereira de Carvalho, no mesmo período em que o presidente fez declarações ofensivas que atingiram familiares de Felipe Santa Cruz, morto durante a ditatura. O governo Bolsonaro prima também por empregar agentes do estado envolvidos em mortes, como denunciamos em: https://jornalistaslivres.org/ex-esquadrao-da-morte-nomeado-governo-bolsonaro/
A manobra da União também pretende comprometer o convênio com a Unifesp, pois a solicitação feita na audiência do dia 18 de novembro ocorreu 20 dias antes da data limite para a Universidade solicitar a verba para continuidade da pesquisa para 2020, na parte federal do convênio.
O reconhecimento do CAAF/Unifesp
O Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF) da Unifesp tem grupos multidisciplinares de pesquisa em Direitos Humanos, um deles é o Grupo de Trabalho de Perus, que foi criado em 2014 para analisar as 1.049 caixas com remanescentes humanos que foram encontrados na Vala de Perus. O trabalho pretende identificar 41 desaparecidos políticos cujas histórias indicam que foram colocados nesse local, nos anos 70, como modo de encobrir as graves violações de direitos humanos dos governos militares. A pesquisa se desenvolve mediante parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, hoje Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH) e com a Secretaria Municipal de Direitos Humanos (SMDH), da Prefeitura de São Paulo, por meio de um Acordo Técnico de Cooperação (ACT).
O CAAF, além do reconhecimentos internacional, tem outros grupos de trabalho que desvendam crimes cometidos pelo Estado em períodos democráticos, como os Crimes de Maio de 2006.
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O Grupo Violência do Estado No Brasil foi responsável pela pesquisa forense em parceria com Centro Latino-Americano da Universidade de Oxford e financiado pela Newton Fund. O projeto teve seu foco voltado para a análise de 60 casos de pessoas assassinadas por arma de fogo na região da Baixada Santista. Deste modo, no projeto foram reunidos indícios pelos quais foi possível observar que as pessoas assassinadas nesses episódios foram mortas pela violência do Estado. Como resultado, ao final do projeto, foi desenvolvido o relatório “Violência de Estado no Brasil: uma análise dos crimes de Maio de 2006”.
A ATUAÇÃO DO CAAF HOJE
O CONDEPE, Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, em parceria com o CAAF/Unifesp, está montando um grupo de trabalho para apurar as mortes dos nove jovens, ocorridas nesse domingo, 1/12, por ação violenta da PM no bairro Paraisópolis, como afirmou Dimite Sales, coordenador do CONDEPE, em seu twitter.
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O Cemitério Dom Bosco, hoje com o nome de Colina dos Mártires, foi criado em 1971 pelo então prefeito Paulo Maluf, e foi utilizado para esconder os corpos de pessoas mortas, sepultadas como indigentes pelas forças de segurança do regime militar. A luta dos familiares na busca pelas pistas só começou a se concretizar na década de 1990, a partir da gestão de Luíza Erundina, por meio da CPI Perus – Desaparecidos Políticos, da Câmara de Vereadores de São Paulo, quando mais de mil ossadas foram transferidas para outros lugares e foi inaugurado o memorial da vítimas.
Em ação civil pública ajuizada pelo MPF em 2010, a União foi condenada pela Justiça federal a examinar os cerca de 1.049 sacos com ossadas que apodreciam no cemitério do Araçá, e haviam sido retiradas da vala clandestina do Cemitério Dom Bosco. Em 2014, com base nesta condenação elas foram transferidas para Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que em convênio com a prefeitura criou o CAAF. Mais de 800 caixas de ossos já foram analisadas e o processo pôde ser acompanhado por familiares de mortos e desaparecidos. No ano passado foram identificadas as ossadas de Dimas Antônio Cassemiro e Aluísio Palhano, mortos em 1971 pela ditadura militar.
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A Comissão da Verdade do Estado de São Paulo – Rubens Paiva, foi fundamental que este grupo de trabalho fosse criado.
MAIS EM: http://comissaodaverdade.al.sp.gov.br/relatorio/tomo-i/parte-i-cap4.html
Outras informações podem ser obtida neste livro (arquivo pode ser baixado por este link). Ele foi realizado durante o governo Dilma Rousseff, via Comissão da Anistia. Podem ser encontrados diversos artigos sobre a vala e a luta para conquistar este direito à memória, verdade e justiça, que não pode ser usurpada pelo governo Bolsonaro.