Ativista morre durante resgate de famílias soterradas

As águas de março que são cantadas em prosa e verso e romantizam um período do Brasil onde as chuvas caem com mais força e continuamente. A baixada santista sofreu no início do mês com as águas não romantizadas que derrubaram casas e no último domingo, 8 de março foi confirmada a notícia de que Rafael Rodrigues, ativista, mestre capoeirista, produtor cultural e humanista estava entre as vítimas dos desmoronamentos que atingiram o Guarujá (litoral de São Paulo), e  hoje, se encontra no Orun.

Mas antes de falar do Rafa o que mais choca é o descaso, e a apatia de quem deveria estar ali segurando a mão de Rafael. Sim, o governo deve sim por em sua conta as vidas que se foram e as famílias que perderam suas casas.

Cadê o poder público? 

O Prof. Anderson de Almeida Costa é formado em Administração de Empresas pela Universidade Santa Cecília dos Bandeirantes; Pós graduado em Marketing de Serviços, na UNAERP; fez Matemática, na mesma instituição. É professor da rede estadual do Estado de São Paulo há 24 anos; ex-Professor da FABE, em Bertioga/SP e professor do Cursinho Pré Vestibular Afrosan (Associação dos Afrodescendentes da Baixada Santista – Santos), falou ao Empoderado

“A pergunta que não quer calar é: a Prefeitura, mesmo sabendo que no verão há incidências de chuvas, acarretando escorregamento ou deslizamento de terras nas encostas dos Morros de Santos e região, não investiu recursos, muito menos estudos para ajudar a evitar esta catástrofe. Fica claro e evidente que o descuido foi de tal maneira que, segundo o conceito acima, digo, sobre Ética, as Prefeituras de Santos, Guarujá, São Vicente e, principalmente o Governo do Estado de São Paulo, foram no mínimo, “omissos e irresponsáveis” por não planejarem o “evitável”.

O pior de tudo, tentam calar a voz dos mais desvalidos com a “fortuna” de R$ 250,00 cedida pelo Governo do Estado de São Paulo e R$ 250,00 cedido pelas Prefeituras para auxílio moradia aos diretamente afetados. Além desta vultuosa quantia, o governo do Estado da mais Rica Unidade Federal, concedeu o benefício aos desabrigados de fazer as refeições no Bom Prato. Isto é, terão direito ao café da manhã e almoço durante 15 (quinze dias). Como se tudo resolvesse em 15 (quinze) dias.

Estes auxílios caracterizam e evidenciam como o Sistema é Falido e, de que forma somos assistidos. Quanto aos valores, creio que soam como um “cala boca.” Ora senhores, com esta fortuna, os moradores irão para uma outra região que também é área de risco. Onde estão as Políticas Públicas (Municipal/Estadual) de Moradia e Habitação? Será que não temos técnicos, geógrafos, geólogos, engenheiros nas prefeituras para evitar, ou, diminuir catástrofes como estas? Por que os R$ 50 milhões não vieram antes, se já existiam? Desta, para o próximo verão, os que não foram atingidos por este flagelo, podem perder o pouco que construíram.”

O descaso não tem limites e ataca em todos locais. Entramos em contato com o prefeito de São Vicente devido aos problemas da Ponte dos Barreiros, – ela está perto de cair devido a má administração. O Empoderado entrou em contato com o atual gestor da cidade, Pedro Gouvêa (MDB), através de sua assessoria/secretaria e ele não respondeu (Prefeito). Faz mais de 2 meses.

Ou seja, Pedro Gouveia, não achou importante responder para a população sobre o absurdo caso da Ponte que tem menos de 50 anos e está caindo. Uma arquitetura que faz corar um estagiário de engenharia, pois até estaca de madeira tem. Será que o poder público está esperando a ponte cair para responder para a população?

Principal acesso da população mais carente de São Vicente para o centro está a um passo de cair
Principal acesso da população mais carente de São Vicente para o centro está a um passo de cair

Quem foi o Rafael Rodrigues?

Enquanto se vê neste artigo o descaso do poder público, existe um ativista que literalmente deu a vida ao próximo. Bruna De Oliveira, sua irmã fala sobre o irmão:“Meu irmão desde pequeno quis ajudar o próximo início sua vida na capoeira, assim tendo mais forças pra lutar, sofreu 2 acidentes com amigos de capoeira presente, quando resolveu trabalhar (ainda sendo menor de idade) com crianças carentes assim montando o projeto roda de capoeira onde mais pra frente veio a ser o Afroketu, onde começaram as lutas diárias e constantes.

Rafael com as sobrinhas Catarina (vermelho/direita), Iasmin (vestido colorido/esquerda) e sua amiga!

Ele é afro religioso, filho do maravilhoso rei Xangô, onde pra ele lutas sempre eram diárias, mesmo assim jamais desistiu. Fez aliança com militantes de outras religiões, sofreu várias perseguições… Ou seja, (Rafael) lutou, gritou, sofreu tanto!”

Bruna fez uma tatuagem para que o mundo leia quem foi seu herói!

Rafael falando sobre africanidade na Associação Cultural de Capoeira Roda Grande: Núcleo Monitora Eli, no dia 20 de novembro, dia da Consciência Negra (2019).

Familia Afroketu e para saber mais clique aqui!

“Antes de conhecer o Rafael conheci o Afroketu, conheci a dança afro, a capoeira e o maculelê que ele ensinava para seus alunos. Conheci primeiro seu trabalho, seus alunos para depois conhecer o mestre que punha em destaques crianças e adolescentes pretos e periféricos.

Sempre com orgulho de pertencer so candomblé, Rafael não escondia sua religião e ensinava a todos como ela deve ser respeitada. E se não a respeitasse ele sabia como se defender do racismo religioso.

Sentirei muita falta dele, mas sei que ele cumpriu seu ori. E para nós que ficamos aqui resta continuar seu trabalho. Pondo sempre em destaque as crianças e adolescentes pretos e periféricos. Assim como esse grande mestre fez.” – Andreia Kelly (Professora e ativista da Educafro, da Baixada Santista)

“Fim dos anos 2000 andavam pela terra Santamarense jovens que se inquietavam com a violência policial e a falta de acesso para Comunidade Negra. O resultado dessa inquietação juvenil fez surgir uma inspiradora reunião de mentes que fervilham a participação popular e o enfrentamento a burocracia racista e machista.

Longe de ser um movimento, essa força da natureza política de adolescentes fez despontar nomes como o de Rafael Rodrigues. Copeirista e Candombecista Raiz, mestre da Cultura Popular Negra, pesquisador e arqueólogo autodidata, os adjetivos e competências são pouco para descrever a complexa e comprometida atitude habilidosa com a qual se apresentava esse militante negro. A sua morte prematura pode ser relacionada a um homicídio provocado pela falta de política pública de organização da defesa civil e da omissão para melhora de moradias subnormais do Morro do Macaco Molhado em Guarujá, na chuvarada mais intensa ocorrida no litoral paulista no início de março de 2020.

Em 10 de março de 1928, após  chuva intensa o Monte Serrat desbarrancou e cerca de 2 milhões de metros cúbicos de terra caíram sobre a Santa Casa de Misericórdia de Santos, hospital fundado em 1543. A tragédia deixou pelo menos 81 mortos, segundo os dados oficiais. A chuva e os deslizamentos que atingiram a Baixada Santista na madrugada de terça 3/3/2020 são recorrentes na região, que, mesmo assim, permitiu invasões ao longo do tempo em áreas de risco. 

Por isso, o Rafael do Afroketu, grupo que preserva e difunde a Cultura de Tradições e Salvaguarda da Ancestralidade Negra, morreu por omissão dos poderes constituídos em tomar precauções e agir de modo técnico para resgatar pessoas em Favelas que estejam desbarrancando. 

Obrigado por sua luz Rafael Rodrigues, e prometo ser mais um disponível e em pé para que seu legado permaneça por anos, com ações e resultados afirmativos. Homenagem a toda gente de Guarujá e Baixada Santista.”

Renato Azevedo, militante da causa Negra, combatente contra o Racismo

Eu vou tentar ser um pouquinho do que o mestre sempre me falava: “Sol minha presidenta. Seja firme. Seja forte e eu estarei sempre aqui quando precisar. Não desanime que a nossa causa é de todos e juntos somos fortes (Rafael Rodrigues)”. Por Sol Praia, da AFROPAZ (Bertioga) 

Felipe Ferreira, dos Instituto Novos Sonhos falou sobre o amigo: “foi um aliado, parceiro e combatente. Alguém que deveria escrever um livro para ter deixado todo seu conhecimento ancestral, para a humanidade. (Felipe) como já chorei pelo Rafael esta semana, como já xinguei o poder público. Foi uma pena, foi lamentável.”

“(Rafael de Oliveira Rodrigues ) é um cara  humilde e honesto com único objetivo: ajudar o próximo não  importando quem fosse. Ele era um verdadeiro pai, irmão, amigo pra tudo.

Foi um cara que tudo que ele aprendia ele fazia questão de ensinar ao próximo. Tem uma frase que ele sempre falava: “conhecimento e pra se passa não leva para um caixão”.E assim ele ensinou a todos que tiveram o prazer de conhecê-lo.

O que tenho que falar dele é que foi um guerreiro e lutador pelos seus sonhos. A felicidade dele era o grupo que ele lutou para estar de pé: Afroketu. A capoeira era o amor da vida dele.”Daniel de Moura (Biel) era afilhado e aluno do Contramestre Rafael.

Afrojetu faz uma homenagem ao mestre!

Foram as águas de março que levaram Rafael, mas a luta continua porque sabemos que toda vez que chover na baixada é o Rafa que chora pelo abandono ao povo que ele sempre lutou. Contudo essas serão lágrimas que só serão cicatrizadas quando cada um fizer um pouco mais por este país e como ele disse em sua última publicação em sua mídia social:“deixarem de politicagem”.

 “É madeira de vento, tombo da ribanceira

É o mistério profundo, é o queira ou não queira

É o vento vetando, é o fim da ladeira

É a viga, é o vão, festa da ciumeira

É a chuva chovendo, é conversa ribeira

Das águas de março, é o fim da canseira

É o pé, é o chão, é a marcha estradeira

Passarinho na mão, pedra de a tiradeira”

Nota: matéria originalmente escrita no Jornal Empoderado:

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