A primavera quer florescer em Sorocaba

Raul Marcelo (PSOL) em campanha pelas ruas de Sorocaba

Por Thadeu Melo, especial para os Jornalistas Livres

 

O eleitorado da maior cidade do sul paulista preparou uma surpresa para a política brasileira nestas eleições municipais. Sorocaba (SP) chega ao segundo turno no próximo domingo com uma disputa apertada entre candidatos José Crespo (DEM) e Raul Marcelo (PSOL), depois de 20 anos sob administração do PSDB.

Ao lado de Rio de Janeiro (RJ) e Belém (PA), Sorocaba figura entre as primeiras cidades grandes que chegam a ter chances reais de ser administradas pelo PSOL e por seu programa baseado na participação popular e nas agendas das minorias, após cinco mandatos consecutivos do PSDB.

Concentrado na mão de apenas seis famílias, desde 1964, o poder público sorocabano tem servido para canalizar com robustez o projeto político oligárquico que privilegia o que está relacionado à iniciativa privada e à elite local, ao mesmo tempo que dedica atenção limitada à parcela da população que não se encaixa em um hipotético modo de vida da classe média sorocabana.

“Uma das coisas que demonstra mais claramente como a cidade é conservadora é que a maior parte das instituições, dos jornais, a maioria das faculdades particulares, dos hospitais, são geridos pelo pessoal da maçonaria, o que forma uma força corporativa muito grande, que se manifesta em diversas instâncias”, avalia Marco Pereira, mestre em relações étnico-raciais pela Universidade Federal de São Carlos.

Sem nunca ter elegido candidatos progressistas para a prefeitura, a cidade reflete como poucas, no Brasil do século XXI, a ideologia conservadora que existe desde que foi fundada pelos bandeirantes, em 1654.
“Sorocaba tem uma direita que não difere do contexto nacional: é conservadora, é reacionária, reproduz a cultura do ódio, participa do debate levando para a ofensa, ofensa à inteligência da população sorocabana”, resume Amanda Lino (PSOL), candidata a vereadora este ano por uma chapa colaborativa (formato em que duas ou mais pessoas dividem um mesmo mandato legislativo). “Ao mesmo tempo, Sorocaba tem um ‘lado B’ que é invisibilizado, por isso a luta do PSOL é dar visibilidade a essas lutas, e o nosso programa de governo nada mais é que o reflexo nítido das lutas sociais de Sorocaba”, complementa.

Hoje, com mais de 650 mil habitantes, o município é centro de uma região metropolitana com 1,9 milhão de pessoas, abrigando um dos maiores pólos industriais e tecnológicos do país. A cidade também possui cinco universidades, sendo duas públicas, e sete faculdades, concentrando mais de 1 mil pesquisadores e 50 mil graduandos.

Para o pesquisador Marco Pereira, outro exemplo da força conservadora no município ocorreu em 2015, durante a elaboração do Plano Municipal de Educação. “A pressão da igreja e de outras instituições locais fez questões como o combate ao racismo, à homofobia, à misoginia e outras formas de discriminação serem retiradas do debate. Houve uma pressão social muito grande, e o que foi mais impressionante é que grande parcela da população acompanhou essa mente conservadora e acabou que não foi possível avançar com essas pautas”, relembra.

Mas, se a elite que governa a cidade há séculos tem se mostrado apegada a princípios ultrapassados, não se pode dizer o mesmo de outra parte da população sorocabana. “Há mais ou menos uns 20 anos, um juiz da cidade proibiu o beijo em praça pública e teve que ser feito um movimento de ‘beijaço’, que tomou as praças da cidade, só para você ter uma idéia de como vivemos sob a égide desse pensamento arcaico”, conta Marco.

Perfis dos candidatos
Alinhado ao novo cenário político brasileiro, o candidato Raul Marcelo possui algumas das características que têm atraído o eleitorado e que podem explicar o protagonismo que alcançou nestas eleições. Jovem, com discurso moderado, porém atraente, foi eleito vereador pelo PT, em 2000, reeleito como mais votado na cidade, até então, em 2004. Aos 37 anos, está em sua terceira disputa pela prefeitura, enquanto desempenha o segundo mandato como deputado estadual, cargo para o qual foi eleito pela primeira vez em 2006. Na opinião do produtor cultural Alexandre Fernandes, ex-líder estudantil…

“Ele é diferente daquela esquerda

que é muito boa de luta e de base,

mas que tem muita rejeição.

É um perfil mais próximo do Fernando Haddad,

Marcelo Freixo, Manuela D’Ávila,

um perfil mais palatável para

boa parte da população.”

“Eu estou vendo muitas senhoras de classe média, classe média alta, que vão votar no Raul,” revela Alexandre, autor do levantamento sobre a concentração de poder familiar sorocabano nos últimos 52 anos, que viralizou nas redes sociais ainda no primeiro turno.

Ao mesmo tempo que o PSOL trouxe uma cara relativamente nova à dianteira da disputa, a oligarquia local teve dificuldades para renovar seus quadros e restou com o candidato da família Crespo nas mãos. Filho de um ex-prefeito da cidade, pela Arena, está em seu segundo mandato de vereador, foi deputado estadual três vezes e disputa a prefeitura pela quarta vez.

O candidato do DEM de Sorocaba já deu declarações como a proferida após a votação do Plano Municipal de Educação, quando escreveu que “os GLBTTTT, como se auto-denominam, merecem ser respeitados e gozar de todos os direitos civis, mas são pessoas anormais”. Ou a ideia que buscou propalar de que ateus são burros e ignorantes, ao escrever em seu perfil no Facebook que “somente alguém muito burro ou ignorante não acredita em Deus”.

Sobre o que teria levado os dois candidatos a figurarem no segundo turno da disputa, o vereador mais votado na cidade este ano, Missionário Rodrigo Manga (DEM), avalia que “o que levou o Crespo é, sem dúvida nenhuma, a experiência dele, a capacidade dele, a história que ele tem com a cidade, aliado ao apoio do Renato (Amary, ex-prefeito). E o Raul Marcelo é essa questão do novo. Não é nem ‘novo’, é ‘jovem’, porque ele já tem tempo na política. Ele é jovem, e as pessoas tendem pra isso.”

Mudanças na Câmara

Os resultados que foram obtidos na nova composição da Câmara Municipal e os que ainda podem ser colhidos em um eventual mandato de Raul Marcelo indicam a fertilidade do trabalho de base que o PSOL vem realizando na cidade.

“Nós criamos a visão de trazer as lutas na área da cultura, no movimento LGBT, no movimento negro, no agroecológico e da alimentação saudável para debater junto e, posteriormente, decidimos disputar o espaço institucional para trazer visibilidade para essas lutas em Sorocaba, porque entendemos que essas lutas e todas as lutas podem estar juntas”, explica Amanda, que é professora de educação infantil e conquistou, com outros cinco colegas co-vereadores, a suplência do PSOL na próxima legislatura da Câmara.

Primeira vereadora eleita pelo PSOL na história do partido na cidade, Fernanda Garcia é apenas a quinta mulher a ser eleita para a Câmara Municipal sorocabana, desde 1996. Em 20 anos, é a primeira vez que o legislativo local conta com duas mulheres eleitas para a mesma legislatura, enquanto homens ocuparão as 18 vagas restantes para vereança no município. Entre eles, o primeiro vereador eleito pelo PC do B na cidade, Renan dos Santos, outra novidade na conjuntura política sorocabana.

“Grande parte do protagonismo da primavera sorocabana se deve à juventude, principalmente, e aos movimentos de mulheres. Neste momento, Sorocaba, curiosamente, vem mostrando um panorama completamente oposto da situação do país, há uma transformação em um momento bastante crítico da política, e isso é bastante significativo”, conclui Marco Pereira.

Também professora, Fernanda comporá com Renan, Iara Bernardi (PT) e Francisco França (PT) a bancada de quatro vereadores que poderá ser a base inicial de apoio ao governo, em caso de vitória do PSOL. Seus mandatos encontrarão uma casa que não teve mulheres eleitas para a legislatura que termina e onde, por exemplo, para desgosto do movimento feminista local, a comissão que cuida dos direitos das mulheres é a mesma comissão que trata dos direitos do consumidor.

Para a legislatura 2017-2020, o PMDB foi o partido que mais cadeiras conquistou, elegendo cinco vereadores, recorde do partido na cidade nos últimos 20 anos. No período, o PSDB ocupará três assentos e DEM, PPS, PRB, PROS, PRP, PSB, PTN e PV ocuparão as cadeiras restantes.

Em caso de vitória

O alinhamento dos representantes da esquerda encontrou ruídos na militância local e não se mostrou natural, mesmo porque o candidato do PSOL deixou os quadros do PT em 2005 para fundar a nova sigla na cidade. Mas a afinidade ideológica deve prevalecer sobre o bloco eleito, na opinião de Amanda.

“Raul sempre trouxe a mentalidade de mudança da cultura política em Sorocaba, desde o apoio ao movimento passe livre até seu mandato atual de deputado estadual, sempre baseado no apoio às lutas sociais”, projeta Amanda.

Recebendo reforço da militância do partido em outras cidades e diversas manifestações de apoio, inclusive do PT e do PC do B, a campanha do PSOL no segundo turno ganhou impulso com a divulgação das pesquisas de opinião, que indicam a virada de Raul Marcelo sobre Crespo, mesmo com empate técnico.

Na última pesquisa, divulgada hoje (27) pelo Instituto de Pesquisas Sorocabano (Ipeso), José Crespo alcança 48,8% dos votos válidos, enquanto Raul Marcelo obteria os 51,2% restantes. A margem de erro é draul marceloe 5,5 pontos percentuais (p.p.) para mais ou para menos. Na pesquisa anterior, divulgada pelo Ibope, dia 17 passado, Crespo estava na frente com 52% dos votos válidos, ante 48% atribuídos a Raul Marcelo.

No primeiro turno, o resultado, em votos válidos, apontou 45% para Crespo e 25% para Raul Marcelo. Assim, a confiar-se nas pesquisas, o candidato do PSOL teria conquistado quase 25 p.p. do primeiro para o segundo turno, praticamente dobrando sua base de eleitores, enquanto o candidato do DEM teria avançado menos de 10 p.p.

Maior derrotado na disputa municipal este ano em Sorocaba, o PSDB divulgou nota em que afirma que o diretório do partido na cidade “opta pela neutralidade absoluta enquanto partido por entender que não existe nenhuma identidade ideológica ou programática com ambos os postulantes a prefeitura de Sorocaba”.

É nesse cenário que, domingo próximo, o eleitorado sorocabano vai revelar para o Brasil se seu arranjo político, imutável nas últimas décadas, dará lugar a uma proposta de governança municipal que nunca floresceu com tanta força nos 362 anos de existência da cidade.

 

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