Diário do Bolso: fui traído pelo Trump

*José Roberto Torero

Ontem eu chorei, Diário. Chorei como nunca chorei na vida, porque precisava desabafar.

Como é que ele fez isso comigo? Como é que falou uma coisa daquelas na frente de todo mundo? E tudo o que eu fiz por ele? Ah, que ingratidão, Donald… Só faltou errar meu nome e me chamar de Javier Bolsonaro.

Olha só o que ele disse, Diário: “Se você olhar para o Brasil, eles estão passando por dificuldades. Eles estão seguindo o exemplo da Suécia, que também está passando por dificuldades terríveis. Se tivéssemos agido assim, teríamos perdido 1 milhão, 1,5 milhão, talvez 2,5 milhões de vidas ou até mais”.

Pô, no fundo, ele disse que eu sou um retardado, que eu só fiz bobagem e que sou muito pior do que ele.

Mas, poxa, eu fiz tudo o que ele fez. Ele disse que a cloroquina ia salvar todo mundo, eu repeti. Ele saiu da OMS, eu também já disse que quero sair. Ele falou que era só uma gripe, eu chamei de “gripezinha”. Caramba, fiz até manifestação com a bandeira do país dele…. Entreguei meu coração e minha hemorroida, mas fui traído.

Custava botar a culpa na natureza? Ou no Doria? É o que o meu pessoal já está fazendo: estão dizendo que o STF decidiu que a covidé responsabilidade dos governadores e dos prefeitos.

Afinal de contas, eu sou só o presidente, pô!

Querem que eu faça o quê? Que articule os estados, que eu forme comitês de cientistas, que crie um gabinete de crise, que faça barreira sanitária entre regiões, que coloque um ministro da saúde?

Eu tenho mais com o que me preocupar, cacete! Tanto que ontem, na inauguração do primeiro hospital de campanha feito pelo governo federal (meio atrasado né?), eu disse que ia dar boas notícias ao Brasil. Mas, em vez de falar de vacina ou um treco assim, eu contei que ia liberar a importação de armas. Não é uma coisa realmente importante? Não é o lugar e a hora certa para falar nesse assunto?

Olha, Diário, tem gente que acha que por eu só falar de arma, por eu não usar máscara, por eu fazer rolezinho toda semana, por eu não dar os dados pro Jornal Nacional e por eu não colocar um ministro no ministério da saúde, eu sou meio retardado.

Mas e daí se eu for?

Só por isso não tenho direito de ser presidente?

*José Roberto Torero é autor de livros, como “O Chalaça”, vencedor do Prêmio Jabuti de 1995. Além disso, escreveu roteiros para cinema e tevê, como em Retrato Falado para Rede Globo do Brasil. Também foi colunista de Esportes da Folha de S. Paulo entre 1998 e 2012.

#diariodobolso

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