A modéstia em tom “alunal” não combina com a afirmação das certezas e convicções ideológicas que tanto circulam no ambiente das guerras virtuais. Antes de formar opinião, ela busca a informação da amiga jornalista Gabriela Prioli – que traduz, aliás, de maneira bastante didática, conceitos e teorias bastante abstratos, para Anitta e seu público. Paulo Freire chamaria este gesto de Anitta de “curiosidade ingênua”, passo decisivo para uma “curiosidade epistemológica”. O avaliador regular de um governo extremista talvez esteja em busca das mesmas respostas às perguntas trazidas por Anitta à Priolli: afinal, quais as regras do nosso jogo político? Quem são os jogadores? O que eles representam?
Precisamos entender melhor o público que votou em Bolsonaro não por conhecer seu projeto a fundo, mas para dar uma “chance a ele”, por ele ser “novo”, simplesmente por isso. Na campanha havia aqueles que o apoiavam sem fechar com o “pacote completo”, sem acreditar que ele conseguiria cumprir o que estava prometendo. O eleitor de Bolsonaro que se manifesta nas redes sociais são relativamente fáceis de mapear, mas e aqueles que votaram sem fazer alarde? E tantos outros, que votariam em Lula se ele estivesse concorrendo e, diante do impedimento, passou para o Bolsonaro? Eles não são poucos, ao contrário do que a lógica “das bolhas políticas” possa indicar.
Nas eleições, Bolsonaro conseguiu expressar o sentimento de “indignação” comum a tantos, canalizando a energia crítica em circulação no nosso ambiente de crise – como gosta de lembrar o historiador Rodrigo Perez. Esta crítica, que está na voz do homem e da mulher comum, não é patrimônio apenas do leitor interessado por política no padrão Facebook, mas está no ônibus, na fila do elevador, do supermercado etc. É dele que vem aquela típica sentença iniciada por “É um absurdo!”.
Em tempos de pandemia de Covid-19, o “absurdo!” tem se manifestado e está na voz do presidente. O embate entre vida e morte está posto e é o próprio Bolsonaro que relativiza o valor das vidas, tão caras às mais diversas paletas de cores ideológicas. Talvez por este gesto, associado a uma total falta de plano de combate ao coronavirus, tantos avaliadores do governo estejam passando do “regular” para o “péssimo”.
O trabalhador que vai à rua hoje o faz com medo do vírus, com medo da morte, diferente do empresário que aparece ao lado de Bolsonaro, que pede o fim do isolamento mas não quer colocar a própria pele e da sua família em risco. Tal conclusão não demanda maior grau de politização. A malandragem de Anitta está justamente aí, neste tempo de quarenta: ampliar e dar vazão às perguntas daqueles que estão “meio por fora da política”, sobretudo, um público de jovens abertos a todo tipo de novidade. Eles são fundamentais ao ambiente de debate democrático. Mais ainda agora, quando o presidente da República tenta transformar o pacto pela vida em questão de “bolha”.
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