Com relato de Namir Martins, membro do Fibra* e colaboradora dos Jornalistas Livres na Alemanha
Integrantes da Resistência Brasileira na Alemanha se reuniram no início da semana para ouvir o cientista político e presidente nacional do PSoL, Juliano Medeiros, sobre “A ofensiva conservadora e a luta social no Brasil”. Sob os ecos recentes do espetáculo nazista patrocinado pelo governo brasileiro com o discurso do ex-secretário da Cultura, Roberto Alvim, o líder do PSoL defendeu unidade na luta, mas sustentou que a derrocada da extrema-direita será tarefa dos movimentos sociais, não da esquerda partidária. O debate ocorreu na segunda-feira (20/1), no Geomatikum da Universidade de Hamburgo.
Medeiros iniciou sua exposição formulando duas questões centrais para entender a perseguição aos movimentos sociais no cenário brasileiro: Como pode surgir um Governo Neoliberal com traços autoritários no Brasil? E como chegamos a esta crise na democracia politica? Para responder a essas perguntas, o palestrante retrocedeu 10 anos na história do país, quando o cenário econômico nacional era outro. Mostrou que, mesmo com a crise do capitalismo, em 2008, o Brasil conseguiu resistir aos impactos internacionais devido à própria economia favorável. A crise começa a ser percebida entre 2011 e 2012, quando o crescimento no país ficou por volta de 0,8%, bem abaixo dos anos anteriores.
O Ano de 2013 termina com um mal-estar na vida brasileira, um “desconforto politico” que culmina com a reeleição de Dilma por apenas 3% de vantagem nos votos. “As forças da direita veem aí o momento propicio de atacar”, lembra o cientista político. É nesse momento que as classes dominantes trazem à tona um projeto de unidade conhecido como Ponte para o Futuro, um projeto radical inscrito no neoliberalismo, como ele lembra.
E vem o Golpe de 2016, que nada mais foi do que uma ruptura entre o capital e o trabalho, forças que passam a enfrentar seu antagonismo, na avaliação do palestrante. Além disso, continua, o pacto social de 1988 foi rompido pelas forças da direita, com a destituição de Dilma Rousseff e o desmonte das políticas púbicas imposto pelo Governo Temer. “Radicalizar era a palavra chave! E consequentemente construir uma República dos Barões, o que possibilitou a ascensão de Bolsonaro”. É claro que houve manipulações, crime eleitoral, fake news, pondera ele, mas tudo isso só funcionou porque serviu às elites.
Por que as pessoas votaram no 17?, pergunta Juliano Medeiros. Ele mesmo responde que o surgimento desse candidato foi preparado pela Lava-Jato com a seguinte narrativa: a esquerda foi culpada pela crise econômica. Bolsonaro, segundo sua análise, surgiu pela vontade do mercado, impulsionada pelo descrédito com a política e os erros da esquerda. Um erro importante da esquerda foi, conforme Medeiros, subestimar a luta de classes. “A Esquerda simplesmente acreditou que o capital e o trabalho poderiam andar sempre de braços dados. No entanto, a elite nunca aceitou a igualdade com as classes menos favorecidas.”
Qual a meta das esquerdas agora? – é a próxima questão, que ele responde sem pestanejar: “Juntos contra Bolsonaro! É necessário unidade na uta e renovação programática”. É preciso aceitar, alerta o cientista político, que as soluções da esquerda de 10 anos atrás não são suficientes na atualidade. Aí entra a valorização do papel dos movimentos sociais, ele defende. “Não esqueçamos que atualmente apenas 13% da população acreditam em um partido politico”.
O discurso de que o Brasil está paralisado não encontra eco na análise do presidente do PSoL “Existe muita luta no Brasil! Existe muita gente lutando, mas é importante lembrar sempre que não se deve confiar em raposa no galinheiro”. Para Medeiros, é inconcebível fazer um pacto com Dória, Huck e outros candidatos dessa linha de pensamento politico. O neoliberalismo está se radicalizando e os partidos de esquerda precisam se movimentar, pois serão vistos mais tarde como problema e não como solução. “Tem de haver mobilização. Infelizmente, a capacidade convocatória da esquerda está baixa”, lamenta.
Não é a esquerda partidária que vai resolver esse problema, nem a solução virá da noite para o dia, adverte ele. “É preciso conectar com as pessoas e isso é a tarefa dos movimentos sociais. É preciso batalhar para alterar a correlação de forças sociais”, ensina. Isso levará tempo, acredita. “As frentes sociais de ação estão em curso, mas se conseguíssemos ganhar as eleições de 2020, isso aceleraria a correlação de forças em favor da resistência”, aponta. Formado em sua maioria por brasileiros residentes na Alemanha, mas principalmente por alemães da comunidade universitária e científica que se interessam pelo Brasil, o público fez muitas perguntas. O evento foi promovido pelo Grupo de Discussão sobre Temas Brasileiros (GDTB), Grupo “Hamburgo pela Democracia no Brasil”, Grupo de Trabalho da Geografia – AG Kritische Geographie Globale Ungleichheiten e Miradas Feministas.
HOMENAGEM AOS MÁRTIRES DA LUTA NO BRASIL
Antes do encerramento houve uma homenagem impactante às mulheres ativistas, à Marielle Franco, aos
lutadores sociais e aos cidadãos mortos pela brutalidade das polícias brasileiras e dos extremistas partidários e Bolsonaro. A homenagem foi organizada pelas mulheres das Miradas Feministas, que pregaram cartazes nas paredes com dados e estatísticas de líderes sociais exterminados durante a ascensão e posse do candidato nazifascista. Os nomes desses mártires foram afixados junto com suas fotos nas costas das cadeiras, como o do cacique Emyra Xãipi do Amapá, assassinado por grileiros no dia 27 de julho de 2019, no Amapá. Ao final, uma das ativistas, Renata de Carvalho do Val, leu um breve texto sobre feminicídio e homofobia e apresentou um relato sobre os assassinatos de integrantes de movimentos sociais. Terminou pedindo que cada um lesse o nome que estava nas costas da sua cadeira.
As integrantes das Miradas Feministas receberam do líder psolista um exemplar da edição comemorativa da revista Socialismo & Liberdade, dedicada especialmente ao legado da obra política da vereadora e à procrastinação criminosa das investigações sobre seu assassinato. A revista é mantida pela Fundação Lauro Campos, que agora passa a se chamar, como Juliano Medeiros informou no evento, Fundação Lauro Campos e Marielle Franco.
*Frente Internacional de Brasileiros Contra o Golpe