Com a vontade de penetrar a fundo nas origens indígenas brasileiras, pensar e (re)conhecer o nosso país e o nosso povo a partir de outras perspectivas, o 26ºPorto Alegre em Cena, Festival Internacional de Artes Cênicas, concretizou na noite de quinta-feira (19) a primeira etapa deste projeto em parceria com o SESC-RS, que abarca grandes nomes como Ailton Krenak, ambientalista e líder indígena, Davi Kopenawa, xamã e embaixador indígena, Levi Yanomami, xamã, e Andreia Duarte, performer. A pesquisa parte da percepção da natureza em sua mais complexa existência, tendo como guia reflexões acerca do que nos é invisível, como as luzes que possibilitam a fotossíntese, os sons surdos do mundo e o respiro da floresta que devolve ao ar o oxigênio.
Com a colaboração de artistas locais — a diretora teatral Jezebel De Carli, o músico Felipe Zancanaro e a artista plástica Isabel Ramil —, a montagem integra um projeto que continuará a ser desenvolvido em residências pelo país. Além de Duarte e Krenak, participam do núcleo criativo de O Silêncio do Mundo outro importante líder indígena — Davi Kopenawa — e o xamã Levi Yanomami. Estes chegaram a ter sua vinda a Porto Alegre anunciada, mas não estavam presentes devido ao luto pela morte do sogro de Kopenawa.
No intervalo de um ensaio no Sesc Centro, na capital gaúcha, acompanhado pela reportagem do GaúchaZH, Ailton Krenak explicou o fundamento que embasa O Silêncio de Mundo: o conflito entre os humanos — ou melhor, aqueles que se elegeram como representantes do que é “humano” — e os não humanos, ou seja, os animais, rios, enfim, tudo que faz parte do que se conhece como natureza.
— Todo esse acervo que chamamos de cultura do Ocidente só faz uma coisa: predar o planeta. Se por algum tempo ele foi coabitado por uma humanidade vasta, que incluía os não humanos, teve uma hora em que um raio partiu a árvore, e uma banda dela se tornou dominante, justamente essa que está predando o planeta.
É nos termos dessa humanidade vasta, que inclui humanos e não humanos, que existe a possibilidade de negociar a recriação de vida no mundo. O silêncio do mundo é a aniquilação dessa diversidade, dessa riqueza toda.
Diálogo
Krenak entende que, depois de tanta predação, houve um momento em que a Terra cortou a conversa com os humanos. Agora, ela responde por meio de tsunamis, terremotos e outros fenômenos que provocam tragédias, com milhões de excluídos e refugiados. O espetáculo, assim, pretende indicar um novo caminho, ou melhor, um caminho mais antigo que foi deixado de lado:
— Considerando que não existe uma única escolha, nos atrevemos a apontar algumas alternativas a esse paradigma de que o Ocidente ficou prisioneiro. O diálogo que esperamos abrir é entre essa humanidade que não ouve e os não humanos que falam. É como se estivéssemos estabelecendo um novo processo, em que essa humanidade pode parar para pensar se está bem assim ou se ela quer pensar em outra hipótese.
A performer Andreia Duarte acrescenta que O Silêncio do Mundo leva não apenas ideias para o palco, mas vivências:
— Tanto Ailton como eu, falando de lugares diferentes, temos não apenas a experiência intelectual, mas a de vida. Morei cinco anos em uma aldeia no Parque Indígena do Xingu (no Mato Grosso). Vivo há 20 anos no meio indígena. Essa não é uma causa, é minha vida.