Em 2018, um dos indicados ao prêmio de melhor filme no Oscar foi “Dunkirk”, épico de guerra do diretor Christopher Nolan (“Batman: O Cavaleiro das Trevas”) que, como de praxe para o cineasta, fez um impacto tremendo nas bilheterias mundiais. Arrecadando mais de US$ 527 milhões ao redor do mundo, “Dunkirk” bateu “O Resgate do Soldado Ryan” para se tornar o filme de guerra mais lucrativo da história.
Flashbacks para os vencedores de 2004 (“O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei”) e 1998 (“Titanic”), além de alguns dos indicados em 2016 (“Mad Max: Estrada da Fúria”), 2014 (“Gravidade”) e 2013 (“Django Livre”, “As Aventuras de Pi”, “Os Miseráveis”), e é fácil estabelecer que a categoria de Melhor Filme no Oscar não é totalmente desprovida de grandes sucessos de bilheteria – ou, pelo menos, não era até agora.
Em um anúncio que embasbacou (no pior dos sentidos) a maioria dos que acompanham a indústria de perto, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, instituição que concede o Oscar anualmente, revelou via “The Hollywood Reporter” que uma nova categoria vai ser criada na premiação para reconhecer os melhores “filmes populares” do ano. O comunicado da Academia é propositalmente vago, adicionando que “mais detalhes estão por vir”, e deixando de esclarecer quando as mudanças serão impostas, se já para 2019 ou mais à frente.
Sobram poucas dúvidas, no entanto, sobre a intenção e os efeitos dessa mudança. Primeiro, a intenção: o Oscar enfrenta uma crise de audiência nas suas transmissões pela TV aberta norte-americana, com a cerimônia deste ano marcando o “fundo do poço” nos 90 anos de história da premiação (“apenas” 26.5 milhões assistiram nos EUA). Indicar e premiar filmes populares é uma maneira estatisticamente comprovada de fazer esse número subir.
A outra grande mudança anunciada no mesmo comunicado reflete isso: em uma tentativa de tornar a cerimônia mais curta e atrativa para o público, o Oscar vai passar a apresentar algumas das categorias da premiação durante os intervalos comerciais, exibindo-as, devidamente editadas, mais tarde. Em outras palavras, a Academia está pronta para dizer que atores e atrizes são mais importantes para um filme do que editores de som ou figurinistas, e que realizadores de longas-metragens merecem mais atenção do que animadores de curtas.
É difícil pensar em um cenário em que os efeitos dessas decisões não se mostrem perversos. É verdade que a Academia não divulgou os parâmetros para a seleção dos “filmes populares” de sua nova categoria, mas o medidor pouco importa. Se o Oscar simplesmente premiar a maior bilheteria (norte-americana ou mundial) do ano, jogará seu rigor artístico pela janela; se tentar eleger o “melhor filme popular” em uma categoria separada, estará implicitamente dizendo que mesmo longas de tremenda qualidade técnica e narrativa, caso façam sucesso ou se encaixem em determinados gêneros (terror, ficção científica, fantasia), jamais estarão “à altura” daqueles que concorrem na categoria principal.
É complicado se dizer surpreso por essa escolha espetacularmente ignorante, no entanto, quando a Academia do Oscar é a mesma que já tem categorias como melhor filme estrangeiro, melhor documentário e melhor animação. A categoria de filme estrangeiro é tanto uma piada no atual mercado globalizado de cinema que três dos oito vencedores de melhor filme dessa década (“12 Anos de Escravidão”, “O Artista” e “O Discurso do Rei”) foram produzidos ou coproduzidos fora dos EUA.
Nenhum documentário nunca teve a chance de ser coroado o melhor filme do ano, uma ofensa a feitos de cinema considerados tão monumentais e importantes quanto qualquer filme de ficção da última década, como “O Ato de Matar” e “O.J.: Made in America”. Três filmes de animação chegaram à glória da indicação na categoria principal (“A Bela e a Fera”, “Up: Altas Aventuras” e “Toy Story 3”), mas a realidade é que eles ainda amargam a humilhação de serem considerados um “gênero” por si só, o que simplesmente não se aplica para uma forma de fazer cinema que abraça tanto “Os Incríveis 2” quanto “O Menino e o Mundo” e “Your Name”.
Em suma, o Oscar, além de sua natural artificialidade competitiva, é relíquia de um cinema segregado e hierarquizado que não existe mais. O anúncio de hoje erra o alvo ao achar que a solução para trazê-lo para a modernidade é adicionar uma nova categoria a essa segregação e hierarquia.
Para completar, a Academia reelegeu seu presidente para um segundo mandato na noite de ontem: trata-se do diretor de fotografia John Bailey, que tem denúncias de assédio pesando contra ele desde o ano passado. O resultado é que o Oscar, esse senhor de 91 anos de idade, nunca pareceu mais velho.