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Análise: matéria da Folha culpa moradores da cracolândia pela violência e pelo tráfico. Mas a questão é muito mais complexa

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A matéria poderia ser boa: tem relevância, interesse jornalístico, acompanha políticas públicas e deveria fiscalizar o poder, neste caso, o governo de São Paulo e a prefeitura da capital paulista. Ambos são responsáveis pelas recentes intervenções na região central de São Paulo conhecida como cracolândia, onde viviam dependentes de drogas, a maioria moradores de rua em situação de extrema vulnerabilidade.

São pessoas, antes de qualquer outra qualificação.

Na manhã desta quarta (2/8), a Folha de S.Paulo publicou um texto que, pretendendo ser factual, esquece que se refere a seres humanos. Começa contando que uma kombi precisou se desviar de carros de polícia para socorrer “uma usuária de drogas em trabalho de parto”. Em seguida, afirma que agentes de saúde tentaram abrir espaço em uma rua “repleta de viciados que fogem das bombas de gás” lançadas por homens da GCM. São vários os problemas em uma única frase do primeiro parágrafo da matéria:

  1. O uso de “repleta de viciados” cria no leitor a imagem de zumbis atrapalhando um salvamento. Não são zumbis. São pessoas em situação de extrema vulnerabilidade;
  2. Pelo zigue-zague descrito, quem está atrapalhando o socorro é a PM e não as pessoas que vivem nas ruas;
  3. Se existem tantos carros de polícia e tanta GCM, por que os agentes do Estado não estão cuidando de dar apoio ao atendimento da mulher grávida? A matéria deveria questionar essa posição.

Seguindo no texto, o terceiro parágrafo qualifica como estopim para o uso de bombas de gás sobre pessoas a montagem de barracas “em meio à concentração de dependentes” (de novo, são pessoas, apesar da dependência química), locais em que seriam negociadas as vendas de crack. Pela tese da matéria da Folha, bastaria, assim, acabar com as barracas para “sufocar o tráfico”, expressão usada pela PM para invadir a favela do Moinho recentemente, ação que resultou na morte de Leandro, 17 anos. Assim, contra o tráfico vale tudo. Até matar.

Legenda desumaniza moradores da cracolândia mas chama GCM e PM de “homens”. O que seriam os outros? Foto: Reprodução

Logo abaixo, o texto afirma: “os viciados adaptam paus e lonas” para montar rapidamente a barraca. Mas faz confusão. São os usuários ou são os traficantes os donos das tendas?

Algumas linhas adiante, a matéria diz que uma ação policial no final de maio “prendeu traficantes e desobstruiu algumas vias, não há mais, por exemplo, uma feira de drogas a céu aberto nem traficantes armados no meio das ruas”. Ué, então, o que são essas barraquinhas que a GCM e a PM vêm combatendo com bombas de gás? O texto se contradiz, além de sutilmente saudar uma operação violentíssima da Polícia Militar paulista cujo resultado foi aumentar ainda mais a vulnerabilidade das pessoas que vivem ali. O tráfico, obviamente, não acabou. Muito menos a condição que levou pessoas a viverem naquela situação, denominada de “cracolândia”.

Para justificar a tese da manchete, a reportagem da Folha cita este exemplo: “a venda fiado de crack para usuários que moram na cracolândia foi retomada, um sinal de que o tráfico conseguiu fazer caixa e reconquistar essa clientela”. Ahn? Qual o nexo de uma coisa com a outra? É a reportagem que tem que atestar isso? Não era o caso de escutar um especialista, uma fonte, alguém que de fato conhece aquela dinâmica? A falta de se fazer entrevistas se nota no exemplo seguinte: “Outro exemplo é o oferecimento de um crack de melhor qualidade, para atender gente de maior poder aquisitivo que sai de diferentes áreas da cidade apenas para comprar e consumir a droga naquele ponto do centro da capital”. Alguém acha que a pessoa dependente de crack que tem recursos financeiros, casa, acesso à educação e à saúde vai mesmo se embrenhar na cracolândia atrás de um produto de melhor qualidade, sendo que o lugar está sitiado e vigiado? Ademais, esse não é o perfil de quem estava na cracolândia antes da operação da prefeitura e do governo paulista. Por isso, esse exemplo não cabe.

Os problemas de qualidade jornalística não acabam aí. Ainda sem qualquer entrevista em ON, o texto diz que uma usuária foi revistada e estaria sendo presa quando a comunidade do fluxo reagiu à tentativa. Qual é o papel do repórter diante dessa informação? Ao invés de antecipadamente supor que a moça é culpada, poderia ter questionado a polícia sobre o motivo da abordagem, que causou revolta, e segundo o texto, aumentou a tensão no local.

Para fechar esse intertítulo, a reportagem assume que as pessoas em situação de rua e dependentes de crack que estão naquela região montaram barricadas com “coquetéis molotov, pedras e paus”. Quem disse? O jornalista viu? Ou foi a PM e a GCM que afirmaram? O leitor fica sem saber. Não há imagem disso. Nas fotos, há uma legenda que diz que “dependentes químicos voltam a entrar em confronto com homens da GCM e da Polícia Militar, na região da cracolândia, no centro de São Paulo”. Quem entra em confronto primeiro? Quem é mais forte, claro, ao contrário do que supõe o texto. Além disso, a legenda humaniza as forças de segurança (homens da GCM) e desumaniza os que vivem naquela situação. São pessoas. E se o leitor olhar bem nas imagens, nos rostos e perceber as expressões, são pessoas sem nenhum amparo.

Por fim, sem qualquer tipo de problematização sobre a situação de violação de direitos humanos a que essas pessoas estão diariamente submetidas, ou ainda, sem questionamento sobre os dados apresentados, a matéria traz os números: 313 pessoas presas ou apreendidas, 287 quilos de diversas drogas recolhidas e R$ 119 mil em dinheiro.

Agora, sim, o paulistano está a salvo.

Moradores protestam contra assassinato de Leandro durante invasão da PM à Favela do Moinho Foto: Jornalistas Livres

Para quem quiser conferir a abordagem da Folha: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/08/1906372-trafico-testa-policiamento-e-ensaia-retomar-acoes-na-cracolandia-de-sp.shtml

  • Maria Carolina Trevisan é jornalista, especializada em direitos humanos e Jornalista Amiga da Criança

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Cracolândia: Guarda Municipal joga bomba na fila para pegar comida

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marmita

TRETA NA CRACOLANDIA, EM SP.

A Guarda Civil Metropolitana atacou com bombas uma fila de pessoas que aguardava a distribuição de marmitas, por um grupo de voluntários na Cracolândia hoje (23/4).

Depois de fecharem todos os equipamentos de atendimento à população vulnerável na região, Covas e Doria aumentaram a repressão policial na Luz. A ordem é matar de fome, de sede e de doença.

Imagens feitas pelo Irmão do Pão

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Arte

Poesia: Angústia da certeza

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Poesia: Fábio Rodrigues

Esta poesia que dá luz a realidade da população em situação de rua, é de Fábio Rodrigues (@prazer.poeta) – poeta e morador do território da Cracolândia.

Fábio decidiu viver de sua poesia, – poesia de rua, do fluxo. E agora, em tempos de pandemia, vê-se em quarentena a força criadora da poesia. Sem poder transitar e manguear, sua sobrevivência está em xeque.

O poeta necessita do apoio de corações carinhosos para que possa continuar ajudando, escrevendo e sobrevivendo em meio ao caos.

“Qual a saída para o poeta

que prioritariamente se apoia no comunicar,

se o momento pede distância –

até pelo simples ato de falar.

E o mais urgente premente,

onde poder recluso ficar,

se esse mesmo poeta,

por sinal mambembe

não dispõe do advento de um lar”

Ajude Fábio na caminhada, por mais poesia e informação nas ruas.
Qualquer quantia é válida!

Conta:
Pedro Bernardino Martine S
Bradesco: 237
Agência: 1236
C/c: 4603-5
CPF: 391.666.828/51

Texto: @prazer.poeta
Vídeo: @gustavoluizon, @_pedrosanti, @tarikelzein
Áudio: @606gama606

Fábio Rodrigues

Fábio Rodrigues

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Assistência Social

Prefeitura de SP aproveita-se da pandemia para “limpar” a Cracolândia

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Gentrificação: tangidos como animais, povo pobre que vive na Cracolândia foi enviado para a Várzea do Glicério - Foto de Lina Marinelli

Por Laura Capriglione e Katia Passos

 

A Prefeitura de São Paulo, sob o comando de Bruno Covas, desfechou hoje mais uma ação com o propósito de “limpar” a região conhecida como Cracolândia da presença miserável dos usuários de crack. Assim, cerca de 160 seres humanos paupérrimos, muitos idosos, vários não-dependentes químicos, foram tangidos como animais para dentro de três ônibus e despachados para a baixada do Glicério, na várzea do rio Tamanduateí. Outras 50 pessoas preferiram ir a pé, seguindo para o mesmo endereço dos primeiros: Rua Prefeito Passos, 25, em um dos bairros mais degradados da cidade, região de cortiços, alta concentração de moradores de rua, de imigrantes e refugiados. O Glicério fica a dois quilômetros de distância da atual Cracolândia.

 

Acabar com o constrangedor desfile dos usuários de drogas envoltos em cobertores imundos, sempre em busca das pedras de crack, tem sido uma obsessão de vários prefeitos e governadores do PSDB em São Paulo. O atual governador João Doria Jr, ainda na condição de prefeito da cidade, protagonizou em 2017 cena desastrada que por pouco não se transformou em tragédia. Deu-se que, para posar de destemido adversário do crack, Doria ordenou a derrubada de casas na região. Quase matou por soterramento três pessoas que moravam em uma delas e que ficaram feridas. Covas aproveita-se do fato de todos estarem focados na pandemia de Covid-19 para tentar mais uma vez.

Chama-se “gentrificação” o processo de transformação de centros urbanos através da mudança dos grupos sociais ali existentes. A idéia é expulsar a população de baixa renda e substituí-la por moradores de camadas mais ricas. É isso o que está em curso no centro de São Paulo: Gen-tri-fi-ca-ção.

Único lugar a prover meios de higiene, alimentação e descanso para moradores em situação de rua, o Atende-2 foi fechado hoje

Único lugar a prover meios de higiene, alimentação e descanso para moradores em situação de rua, o Atende-2 foi fechado hoje – Foto de Lina Marinelli

Para acabar de uma vez com a Cracolândia, a idéia dos “geniais” urbanistas que trabalham para a Prefeitura foi simples: retiraram de lá o único equipamento ainda existente para acolhimento, higiene, alimentação e encaminhamento médico para dependentes químicos vivendo em situação de rua no centro da cidade. Era chamado de Atende-2, e ficava na rua Helvétia, epicentro dos usuários de crack.

Crueldade das crueldades, fecharam o Atende-2, que atendia 185 pessoas, e fizeram isso em plena pandemia de Covid-19. Nem uma pia restou para lavar as mãos naquele pedaço. Segundo a Prefeitura, o mesmo serviço que era feito pelo Atende-2 será oferecido na Baixada do Glicério, agora rebatizado de Siat 2 (Serviço Integrado de Acolhida Terapêutica).

Resta saber se o tráfico de drogas, que acontece hoje nas barbas das polícias Civil e Militar, da Guarda Civil Metropolitana e do Corpo de Bombeiros, todos com bases no território da Cracolândia, topará também migrar seu negócio milionário para o Glicério. Se não topar, se continuar havendo oferta de drogas baratas nas ruas da Cracolândia, o fluxo de usuários certamente voltará para lá –agora, sem banho, sem lugar para dormir, sem pia, sem médicos. E isso em plena pandemia, quando se sabe que se trata de população que já é ultra-vulnerável: 9,5% têm tuberculose, 6,3% têm HIV e quase 10%, sífilis. Será morticínio certo.

Se o tráfico topar mudar o rolê para o Glicério, haverá alguma chance de que se torne realidade o sonho tucano de restaurar um pouco que seja do brilho quatrocentão do antigo bairro dos Campos Elíseos, onde viveu boa parte da elite paulistana até meados no século passado, e que é o território onde hoje se situa a Cracolândia.

Nesse caso, o bairro tentará esquecer seus dias de miséria e dará lugar a novíssimas torres de prédios, que farão a festa das empreiteiras, incorporadoras e bancos. Doria e Covas poderão usar a imagem daquelas ruas (antes, com o comércio de drogas a céu aberto, e depois, “limpinhas”) em suas propagandas eleitorais, que os apresentará como “vencedores”.

A venda e o consumo de crack, entretanto, continuarão com antes. Só terão mudado de endereço. Em vez do Centro, a várzea invisível. Mais do que Doria e Covas gostariam de admitir, o futuro do território onde está a Cracolândia depende muito mais do tráfico de drogas do que do poder público. E é o tráfico o próximo a jogar os dados…

EM TEMPO:

Quando essa reportagem estava concluída, a juíza Celina Kiyomi Toyoshima decidiu liminarmente impedir o fechamento da unidade Atende-2, situada na rua Helvétia. Ela determinou o restabelecimento das atividades na unidade fechada. A Prefeitura ainda pode pedir a revisão dessa decisão.

Aqui a decisão da juíza:

“Tendo em vista que o estabelecimento em questão é o único ponto de atendimento na região central da cidade, que concentra uma grande parte de pessoas vulneráveis, e tendo em vista o perigo da demora, já que a medida está prevista para a data de hoje, defiro por ora a liminar, para que não sejam tomadas quaisquer medidas visando o fechamento da unidade ATENDE, localizado na Rua Helvétia, nº 57.
Caso já tenha se iniciado o fechamento, as atividades deverão ser, por ora, reestabelecidas.
Oficie-se.
Após a vinda da contestação, a medida poderá ser revista.”

 

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