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Em busca de um milagre de Madre Teresa de Calcutá

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Em uma tarde fria e úmida de dezembro de 2008, quando Padre Elmiran  Ferreira retornava para o seu escritório, depois de celebrar a missa na Igreja Nossa Senhora Aparecida, em São Vicente, Litoral de S. Paulo, ele viu uma mulher muito agitada, esperando por ele.  A jovem mulher, tinha por volta de 30 anos, e era uma de suas paroquianas de longa data. Ela veio lhe pedir ajuda, pois o marido estava “piorando muito, quase morrendo”, na UTI de um Hospital em Santos, cidade vizinha. O padre pediu que ela sentasse e juntos rezaram à Madre Teresa de Calcutá. então, ele deu a ela a foto e uma medalhinha da freira indiana, que fora beatificada pelo Papa João Paulo II em 2003.

“Reze para ela”, disse o padre.

Na manhã seguinte, 10 de dezembro, quando a mulher voltou ao Hospital para ver o marido (que estava em coma em decorrência de uma severa infecção viral no cérebro e se preparava para uma cirurgia), ela o encontrou sentado na cama, tomando o café da manhã. Poucos dias depois, e sem ter feito a delicada cirurgia, ele estava de volta em casa.

Antes de o casal deixar o hospital- eis o ponto central da história – os sintomas do marido – oito abcessos e grande quantidade de fluido no cérebro – haviam desaparecidos completamente.  Mas, para proteger a família e um pequeno grupo de padres e médicos, ninguém soube dessa história. Nas semanas, meses e anos seguintes, a história do paciente curado milagrosamente se espalhou pelas paróquias na Diocese de Santos, mas ninguém pensou em relatar o fato para o Vaticano.

Quase exatamente sete anos mais tarde, no dia 17 de dezembro, o Vaticano anunciou que o Papa Francisco havia reconhecido a cura de um homem brasileiro como o “segundo milagre atribuído à Madre Teresa, o que permitirá a ela ser considerada santa”. A notícia foi divulgada na Itália por um jornal católico, Avennire, informando também que a canonização seria reliazada em dezembro de 2016 em Roma ou na Índia. A notícia pegou a imprensa brasileira de surpresa, que entrou em grande alvoroço, já que não havia informações sobre a identidade do homem que estava no centro deste milagre. A história oficial, até então, era esta: “Um milagre aconteceu em Santos em 2008, quando um homem, já sem esperança na recuperação de sua saúde, acordou perfeitamente bem no Hospital depois que sua família rezou à Madre Teresa.” Não havia qualquer menção quanto ao nome do homem, idade, profissão ou onde ele vivia. Nada sobre sua família ou amigos.

 

O poder da oração

Nos dias seguintes, a Imprensa estava repleta de histórias sobre o “milagre”, mas não havia uma única palavra sobre o homem e seu paradeiro até o momento. Havia poucos detalhes sobre a ligação entre Madre Teresa e esta parte do Brasil. Mas com alguns telefonemas e mensagens via WhatsApp, Pe. Caetano Rizzi, Vigário Judicial da Diocese de Santos (responsável por supervisionar e encaminhar o processo para Roma), concordou em encontrar-me pessoalmente, em Santos, para falar sobre o milagre e o homem curado.

Pe Caetano

Padre Caetano Rizzi

Encontrei Pe. Caetano Rizzi em sua paróquia, Jesus Crucificado, localizada ao lado do Centro de Treinamento do Santos Futebol Clube. O padre veio me receber com um largo sorriso. Cabelos grisalhos, ar jovial, vestindo uma camiseta, ele está “muito feliz de receber em casa um jornalista do país de Madre Teresa.”  Na sala de estar, entre as inúmeras imagens e objetos religiosos, dentre os quias uma pequena imagem de Madre Teresa (e a bandeira do Palmeiras, time do coração), ele diz: “Infelizmente, ele náo está aqui em Santos. Ele está no Rio. Ele é muito tímido e não está pronto para falar ainda. Ele está preocupado com a segurança da família. Eu não posso revelar seu nome ou foto neste momento”, disse o padre, antes de revelar que o homem hoje tem 42 anos, é de origem libanesa, engenheiro de profissão, trabalha e vive com a esposa e dois filhos no Rio de Janeiro.

Sem mais informações sobre o homem, Padre Caetano tinha, porém, todos os detalhes sobre o milagre na ponta dos dedos, apesar de já terem se passado sete anos desde que tudo aconteceu. E foi uma coincidência, diz o padre, que em 2008, o homem estava em lua-de-mel em sua cidade natal, Gramado, no Sul do País. Lá, ele ficou gravemente doente e foi transferido rapidamente para o Hospital São Lucas, em Santos. “Ele foi diagnosticado com hidrocefalia (acumulação de fluidos) e oito abcessos no cérebro”, contou o padre. “No dia 9 de dezembro, ela estava em coma, quase morrendo”.

Erudito e bem-articulado, Padre Caetano fala sem nenhuma sombra de dúvidas sobre o que aconteceu:

” Às seis e dez da manhã do dia 8 de dezembro, ele foi levado para a sala de cirurgia, mas os médicos não puderam realizar o procedimento de entubação na traquéia por anestesia. Precisamente, entre seis e dez e seis e quarenta, a esposa do paciente foi para a Igreja que costumava frequentar e rezou para Madre Teresa, pedindo a recuperação da saúde do marido. Às seis e quarenta quando os médicos retornaram para tentar refazer o procedimento, eles o encontraram acordado e sem dor. O paciente perguntou ao médico, “O que eu estou fazendo aqui?” disse Pe. Caetano, ficando com o tom de voz mais baixo. “Foi um milagre!”

 

O milagre, avalia o padre, não apenas salvou a vida do paciente, mas deu-lhe novo rumo: cessaram as dores de cabeça lancinantes, ele encontrou um bom emorego no Rio, e, “apesar dos testes que comprovavam a infertilidade, devido ao prolongado tratamento, o casal teve dois filhos saudáveis, nascidos em 2009 e 2012.” Agora, o padre está com a voz engasgada e os olhos lacrimejando.

“Este é o milagre de Madre Teresa. Eu sou muito feliz de ser parte disso,” diz Pe. Caetano, com a voz quase inaudível e com lágrimas nos olhos. “Esta história me emociona profundamente”.

 

 

 

E Foi por outra coincidência que a história do “milagre” teve continuidade. Em junho de 2013, Papa Francisco esteve no Rio de Janeiro para participar da “Jornada Mundial da Juventude”, um grande evento católico que atraiu milhões de pessoas de toda a América Latina. Durante a visita, o neurocirurgião José Augusto Nasser foi escalado para fazer parte da equipe médica do Papa. Por acaso, diz Pe. Caetano, o paciente de Santos (agora morando no Rio) esteve sob os cuidados médicos de Dr. Nasser. Devoto católico, o neurocirurgião estava convencido de que a recuperação do engenheiro, sem cirurgia, foi “definitivamente uma intervenção divina”. O médico narrou a história ao Papa e enviou também o relatório ao Vaticano.

O encontro de Dr. Nasser com o papa Francisco pode ter sido uma simples coincidência, mas a decisão do pontífice de viajar para o Rio, em seu primeiro compromisso internacional, não foi nada por acaso. Não é segredo que o Brasil é o maior país católico do mundo. Mas nos últimos 20 anos o crescimento dos movimentos evangélicos no país tem preocupado a Igreja Católica, que observa uma expressiva queda de fiéis, de 85% para 63%.

O dramático crescimento das igrejas Batistas e Presbiterianas tem afastado milhões de fiéis do catolicismo, especialmente entre a população mais pobre, fenômeno que se observa por toda América Latina, do México à Argentina. Então, não foi coincidência que o Papa Francisco, o primeiro líder no Vaticano da América Latina, tenha escolhido a Região, onde vivem 40% do mundo católico, para a sua primeira visita,  enfocando seu discurso na pobreza, desigualdade e justiça social.

 

Fé e Ciência

A visita do Papa ao Rio pode ter iniciado o processo para a possível canonização de Madre Teresa, diz Pe. Caetano, mas, primeiro, o milagre tem de ser comprovado como tal.

“A primeira aproximaçao do fenômeno chamado milagre é que a cura aconteceu instantaneamente, perfeita, demorada e inexplicável cientificamente”, informa o vigário.

No âmbito da igreja e dos padres, comprovar a autenticidade de um milagre é um longo processo, no qual fé e ciência desempenham papéis iguais, sem que um afete — ou duvide — do outro. Em junho de 2015, dois anos depois da visita do Papa ao Rio, Padre Caetano recebeu um chamado de Roma, dizendo que a Igreja estava procurando por um possível milagre atribuído a Madre Teresa. Uma semana depois, três representantes do Vaticano estavam no Brasil para coletar as evidências. Eles ouviram testemunhos de padre Elmiran, 14 outras testemunhas, peritos médicos e teólogos. No dia 26 de junho, a investigação em Santos terminou e os representantes voltaram a Roma. “Um relatório de 400 páginas foi enviado ao Vaticano. Uma junta médica de lá, composta por sete médicos e teólogos, se debruçou sobre o relatório e concluiu que havia, de fato, indícios de um milagre,” conta Pe. Caetano.

O grupo de cinco membros que conduziu as investigações em Santos incluía três padres, Monsenhor Robert Sarno, Padre Brian Kolodiejchuk e Padre Giancarllo Rizinelli. Havia também dois médicos: Marcus Vinicius Serra, o neurocirurgião que havia tratado do paciente, e a doutora Monica Mazzurana Benetti, cirurgiã, trazida como perita para examinar a condição atual da saúde do paciente.

Nos relatórios, ambos os médicos escreveram que “não há explicação científica para a cura do homem “.

Então, na opinião dos médicos, isso foi um milagre.

Dr Benetti

Dra. Benetti

Como doutora Benetti não conhecia e não havia tratado do paciente anteriormente, sua análise foi crucial. Combinei, então, com Padre Caetano (que é tio da doutora Benetti), o encontro com ela em seu apartamento. Doutora Monica começa descrevendo como todo o processo foi conduzido na Diocese de Santos, em julho de 2015. No primeiro encontro do grupo, diz ela, cada membro jurou sobre a Bíblia, que não poderia revelar suas análises das descobertas para os outros membros. Além dos procedimentos clínicos e dos testes neurológicos do paciente, doutora Monica passou dois dias examinando as tomografias.

“Ele tinha tumores no cérebro. A taxa de mortalidade nesses casos é muito alta, especialmente quando o paciente entra em coma. É inacreditável que depois de dois dias, as imagens neurológicas tenham mudado completamente. Quando eu vi as diferenças, eu me ajoelhei e agradeci a Deus. Foi extraordinário”, disse.

 

Bem educada e extremamente articulada, doutora Benetti não vê conflito no fato de ela ser católica praticante e também sobrinha de padre Caetano.

“Quando eu me juntei ao grupo, Monsenhor Sarno pediu para eu esquecer que eu era católica. Meu papel foi absolutamente científico. Nós ficamos surpresos com o fato, mas minha opinião sobre isso não foi afetada pela minha fé. O que é importante é que não há explicação científica para o que aconteceu. Eu acreditava em milagres. Agora, eu vi um.”

A cidade dos milagres

Milagres não são novidades em Santos. A cidade do litoral de São Paulo é famosa no mundo inteiro por produzir dois “milagres” no futebol, a outra grande “religião” no Brasil. O Santos Futebol Clube, fundado em 1912, e por muito tempo considerado como o time do “jogo bonito”, testemunhou um milagre,  em 1956, quando o técnico trouxe para o Clube um garoto de 15 anos chamado Édson Arantes do Nascimento, e disse aos diretores que o rapaz seria o “maior jogador de futebol do mundo”. Suas palavras foram proféticas. No mesmo ano, o garoto afro-brasileiro marcaria o primeiro dos 1.281 gols de sua carreira. O mundo conheceria este milagre como Pelé.
O segundo milagre do futebol aconteceu em 2003, quando Neymar da Silva Santos levou seu filho de 11 anos ao Clube. Em 2009, aos 17 anos, o garoto fez sua estreia no Santos Futebol Clube e se tornou sensação nacional. Hoje, ele é conhecido como Neymar Júnior.

Mas não é o primeiro milagre religioso que aconteceu na cidade. Em 2000, Josefina Bakhita, uma ex-escrava Sudanesa, que trabalhou como freira Canossiana, na Itália, por 45 anos, foi declarada santa. O milagre atribuído á Santa Josefina Bakhita aconteceu em Santos em 1992, quando uma mulher se “recuperou milagrosamente de úlceras dos membros inferiores causados por diabetes e hipertensão”. O caso também foi supervisionado por Padre Caetano.

“Eu tenho sido muito abençoado por estar envolvido na canonização de duas santas”, diz, apontando para a imagem e a relíquia de Santa Josefina Bakhita sobre o seu armário.

 

Embora Santa Bakhita tenha sido a primeira freira a se tornar santa por causa de um milagre em Santos, sua presença aqui é limitada à igrejas e imagens em prateleiras. Madre Teresa, mesmo ainda não sendo oficialmente santa, tem outra história. A freira, que nasceu em uma família albanesa na Macedônia e trabalhou entre os pobres de Calcutá, na Índia, até sua morte em 1997, é uma força viva nesta parte do Brasil. É bastante comum ver freiras indianas com seus hábitos brancos e listras azuis, andando nas ruas ou trabalhando nas favelas. Perto de São Vicente, há um grupo de casas muito pobres onde as Missionárias da Caridade têm trabalhado por anos.

Pe Elmiran

Padre Elmiran

Elas visitam regularmente a Igreja nossa Senhora Aparecida, onde Padre Elmiran trabalha. A igreja é uma construção simples, pintada de branco, com uma fina linha azul ao redor das janelas e das portas, parecida com o sari (hábito) das irmãs de Madre Teresa.

Essa foi a igreja onde a esposa do engenheiro procurou Padre Elmiran, quando seu marido estava em coma. Alto, sério, usando uma simples camisa bege, Padre Elmiran é um homem de poucas palavras. Mas as lembranças daquele dia são muito claras:

“Eu tinha acabado de chegar da casa das Irmãs da Madre Teresa, e estava com uma medalhinha da Madre no bolso, que elas haviam me dado. E eu dei a medalha para a esposa do paciente, dizendo que ela deveria rezar e pedir a Deus por um milagre. Eu também dei a ela uma relíquia da Madre. Ela colocou essa relíquia debaixo do travesseiro do marido”, contou Pe. Elmiran, com um sorriso aparecendo no rosto. “Isso foi certamente um milagre divino através da Madre Teresa. Nós rezamos muito por isso”.

 

 

As irmãs de Madre Teresa vivem uma vida muito sóbria e não querem falar com a imprensa sobre o ocorrido. Padre Elmiran deu poucos detalhes sobre a família do paciente, que vive em São Vicente, e é bastante conhecida por lá.

“Eles pediram privacidade”, disse o padre.

 

A longa procura

O engenheiro e sua família estão no Rio, mas ninguém na cidade sabe como chegar a ele. No WhatsApp do grupo de jornalistas há rumores de que o homem dê uma entrevista para um grande jornal local, mas os dias passam sem nada aparecer em público. Enquanto isso, uma fonte me encaminhou um endereço de email do paciente. Feito de letras e números, não deixava pista sobre sua identidade. Enviei um e-mail e depois de doze horas, veio uma resposta concisa:

 “Eu vou falar com você, por favor me envie suas perguntas. Abraços,” dizia o email não assinado.

Um dia depois, após as perguntas terem sido enviadas, veio outro e-mail, me prometendo as respostas no dia seguinte. Ele também me aconselhava a contatar Dom Roberto Lopes, “no caso de qualquer dúvida”.

Dom Roberto Lopes, vigário episcopal do Rio de Janeiro, era agora o responsável por toda a comunicação com o homem, a fim de evitar qualquer mal-entendido sobre o assunto. Quando as perguntas prometidas pelo paciente não chegaram, contatei Dom Roberto, por e-mail, que me respondeu rapidamente:

“Não se preocupe. Ele vai lhe responder. Ele também vai tentar falar com você por telefone.”

Mas nas vinte e quatro horas seguintes, antes de qualquer e-mail ou telefonema, a agência de notícias italiana Zenit revelou sua identidade como “Marcílio Haddad Andrino, um engenheiro de 42 anos, funcionário público federal, que vive com sua esposa e filhos no Rio”. Foi um alvoroço total, com toda a Imprensa procurando o endereço de Marcílio e tentando encontrar fotos nas redes sociais. Então, seu irmão Mauricio, veio a público, na tv, dizer que a família não “quer comentar o caso. Este assunto está sendo conduzido pela Igreja, para evitar informações de origem diferentes que possam causar problemas”, disse.

“Nós queremos nossa privacidade”.

Com seu nome revelado Marcílio, que não tinha dado nenhuma entrevista até então e tinha pedido discrição de sua família e amigos, não quer correr riscos. Ele mudou seu nome na página do Facebook, trocou sua foto de perfil para uma imagem do Rio de Janeiro e bloqueou suas informações pessoais. Apenas algumas alguns fatos eram acessíveis: ele tem PHD em Engenharia Mecânica pela Universidade de Campinas/São Paulo, gosta de futebol, samba e PlayStation.

Agora, as chances de uma entrevista exclusiva com o Marcílio Haddad tinham se tornado mínimas. Mas, então, eu recebi uma mensagem:

“Eu estou viajando, mas entrarei em contato assim que voltar”.

 

Já que todos os detalhes do milagre — da doença à recuperação — haviam sido fornecidos pelos padres e médicos, o foco de nossa conversa por e-mail foi sobre Madre Teresa, a freira indiana por detrás do milagre em sua vida. Quando eu perguntei como um engenheiro premiado, com Doutorado em uma das melhores universidades da América do Sul se voltou para Madre Teresa, pedindo ajuda, Marcílio diz:

“Eu conheci Madre Teresa ainda muito jovem. Eu conhecia seu trabalho com os pobres e pelo serviço aos outros. Depois que ela morreu, eu fiquei ainda mais interessado em sua vida e trabalho. Então, quando eu estava numa fase difícil da minha vida, minha família, o padre da igreja Nossa Senhora Aparecida e todas as freiras rezaram por mim. Madre Teresa nos deu conforto espiritual e esperança”.

 

Em sua primeira — e única entrevista até então, Marcílio contou ao The Wire que ele tem absoluta certeza de que foram as orações à Madre Teresa que lhe deram uma nova vida:

“Agora eu tenho boa saúde, eu tenho uma vida normal, eu trabalho e tenho uma vida social saudável, tenho uns momentos com minha família, tudo isso com a graça de Deus e de Madre Teresa”.

 

Embora esteja convencido, desde 2008, que foi o milagre de Madre Teresa que salvou sua vida, Marcílio nunca imaginou que um dia estaria no centro da canonização, e que isso poderia lhe trazer muita atenção e fama. Mas ele não vê dessa maneira. Ele diz que não quer atenção.

“Eu sinto muita gratidão. A canonização de Madre Teresa ajudará a todas as pessoas a olhar para os outros com amor e misericórdia. Nós podemos dividir o que nós temos e apreciar a graça e o milagre da vida”, diz Marcîlio.

 

Justiça e Caridade

O primeiro milagre atribuído à Madre Teresa aconteceu na Índia, em 1998, quando uma mulher, que tinha um enorme tumor abdominal, foi curada de repente, após as freiras rezarem para sua Fundadora, para ajudar a curar a mulher. É de conhecimento comum que a Igreja tem estado na busca pelo segundo milagre para completar o processo de santidade de Madre Teresa.
Poucos esperavam que isso fosse acontecer em Santos, ou no Brasil, onde existe uma diferença de fuso horário de oito horas de Calcutá.

Mas, fora do Brasil, poucos sabem da presença e influência das Missionárias da Caridade por aqui. E não apenas freiras, mas em São Paulo, o maior e mais rico estado, tem um grande número de padres — todos de Kerala — trabalhando em diversas paróquias. Assim como as Missionárias da Caridade, os Padres Indianos também chegaram aqui no final dos anos 80, início de 90. Eles foram enviados para cá pelo Vaticano, para “atender à escassez de padres no Brasil”.

A escassez — e demanda por padres indianos — começou nos anos 1970, quando a Igreja se viu envolvida num amplo debate sobre religião e política. Nos anos 60 e 70, um considerável grupo de padres no Brasil aderiu ao movimento chamado “Teologia da Libertação”, que fazia da justiça social e da igualdade econômica o foco de sua ação pastoral. Também conhecido como ” padres marxistas “ ou “progressistas” foram vistos como um desafio pelo Papa João Paulo II, quando ele assumiu o papado em 1978. Em um artigo, “A Retirada da Teologia da Libertação”, Edward A. Lynch, um professor americano disse que o Vaticano esmagou a Teologia da Libertação quando difundiu a ideia do Papa de que “a justiça deve dar lugar à caridade”. Desde 1978, escreveu Lynch em 1994, João Paulo II substituiu “progressistas” por “conservadores” em muitas arquidioceses. E um ano depois, Madre Teresa, tendo ganhado o Prêmio Nobel da Paz por seus trabalhos caritativos, visitou São Paulo. Pouco tempo depois, as Missionárias da Caridade desembarcavam em São Paulo e em Santos, lugar do milagre que tornará Madre Teresa uma santa.

E, novamente, é só uma coincidência que Madre Teresa esteja sendo canonizada quando a Igreja Católica está vivendo um grande momento? Desde que assumiu o Vaticano em 2013, Papa Francisco mudou o foco da Igreja para as questões referentes à pobreza, à desigualdade social, reabilitou a Teologia da Libertação, e envolveu Leonardo Boff (líder dos “padre esquerditas” no Brasil, a quem havia sido imposto “silêncio obsequioso” em meados dos anos 90) na preparação de sua encíclica sobre o Meio Ambiente. Na nova ordem das coisas, sob o Papa Francisco “justiça” e “caridade” podem caminhar de mãos dadas. Eis porque a Igreja decidiu celebrar 2016 como o “Ano da Misericórdia”.

E qual melhor candidata para ser a santa destes tempos do que Madre Teresa?

 

Shobhan Saxena é o primeiro jornalista Indiano no Brasil. Ele escreve sobre a América do Sul para o Times of  Índia, The Wire e BBC Hindi.

Originalmente publicado em The Wire http://thewire.in/2016/01/10/in-search-of-mother-teresas-miracle-in-brazil-18318/

 

#EleNão

Moradores da Maré são bailarinos em espetáculo com temporada na Suiça

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Foto: Andi Gantenbein, de Zurique, Suíça, para os Jornalistas Livres

Denúncias sobre os atuais tempos de antidemocracia, assassinatos da população preta, pobre e periférica e o da vereadora Marielle Franco aparecem em cartazes erguidos pelos bailarinos de “Fúria”, espetáculo de Lia Rodrigues, considerada uma das maiores coreógrafas brasileiras da atualidade e uma das mais engajadas na realidade política do país.

A foto é da noite deste sábado (16), durante apresentação do grupo brasileiro no ‘Zürcher Theaterspektakel’, em Zurique, Suíça.

No Brasil, Fúria estreou em Abril, no Festival de Curitiba. A montagem evidencia, de maneira crítica, relações de poder, desigualdades, e as interligações entre racismo e capitalismo.

O espetáculo foi concebido no Centro de Artes da Maré, na Maré, RJ. O local foi inaugurado em 2009, e o projeto nasceu do encontro de Lia Rodrigues Companhia de Danças com a Redes da Maré. Os bailarinos são moradores da favela e de periferias do RJ.

Fruto dessa mesma parceria é a Escola Livre de Dança da Maré que resiste, em meio ao caos do governo violento de Witzel contra as favelas do RJ.

 

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Temer/Kassab preparam ataque ao seu direito à Internet

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O método Temer de solapar direitos dos cidadãos brasileiros tem novo alvo: a Internet. Sem qualquer discussão prévia, os golpistas querem mudar a composição do Comitê Gestor da Internet.

A consulta pública determinada pelo governo, sem diálogo prévio com os membros do Comitê e com apenas 30 dias de duração, certamente pretende aumentar o poder e servir apenas aos interesses das empresas privadas. As operadoras de telefonia têm todo o interesse do mundo em abafar as vozes de técnicos, acadêmicos e ativistas que lutam pela neutralidade da rede, por uma Internet livre, plural e aberta.

Veja, abaixo, a nota de repúdio ao atropelo antidemocrático da consulta pública determinada por Temer/Kassab. A nota é da Coalizão Direitos na Rede que exige o cancelamento imediato desta consulta.

Nota de repúdio

Contra os ataques do governo Temer ao Comitê Gestor da Internet no Brasil

A Coalizão Direitos na Rede vem a público repudiar e denunciar a mais recente medida da gestão Temer contra os direitos dos internautas no Brasil. De forma unilateral, o Governo Federal publicou nesta terça-feira, 8 de agosto, no Diário Oficial da União (D.O.U.), uma consulta pública visando alterações na composição, no processo de eleição e nas atribuições do Comitê Gestor da Internet (CGI.br).

Composto por representantes do governo, do setor privado, da sociedade civil e por especialistas técnicos e acadêmicos, o CGI.br é, desde sua criação, em 1995, responsável por estabelecer as normas e procedimentos para o uso e desenvolvimento da rede no Brasil.

Referência internacional de governança multissetorial da Internet,

o Comitê teve seu papel fortalecido após a

promulgação do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014)

e de seu decreto regulamentador, que estabelece que cabe ao órgão definir as diretrizes para todos os temas relacionados ao setor. A partir de então, o CGI.br passou a ser alvo de disputa e grande interesse do setor privado.

Ao publicar uma consulta para alterar significativamente o modelo do Comitê Gestor de forma unilateral e sem qualquer diálogo prévio no interior do próprio CGI.br, o Governo passa por cima da lei e quebra com a multissetorialidade que marca os debates sobre a Internet e sua governança no Brasil.

A consulta não foi pauta da última reunião do CGI.br, realizada em maio, e nesta segunda-feira, véspera da publicação no D.O.U., o coordenador do Comitê, Maximiliano Martinhão, apenas enviou um e-mail à lista dos conselheiros relatando que o Governo Federal pretendia debater a questão – sem, no entanto, informar que tudo já estava pronto, em vias de publicação oficial. Vale registrar que, no próximo dia 18 de agosto, ocorre a primeira reunião da nova gestão do CGI.br, e o governo poderia ter aguardado para pautar o tema de forma democrática com os conselheiros/as.

Porém, preferiu agir de forma autocrática.

Desde sua posse à frente do CGI.br, no ano passado, Martinhão – que também é Secretário de Política de Informática do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações – tem feito declarações públicas defendendo alterações no Comitê Gestor da Internet. Já em junho de 2016, na primeira reunião que presidiu no CGI.br, após a troca no comando do Governo Federal, ele declarou que estava “recebendo demandas de pequenos provedores, de provedores de conteúdos e de investidores” para alterar a composição do órgão.

A pressão para rever a força da sociedade civil no Comitê cresceu,

principalmente por parte das operadoras de telecomunicações,

apoiadoras do governo.

Em dezembro, durante o Fórum de Governança da Internet no México, organizado pelas Nações Unidas, um conjunto de entidades da sociedade civil de mais de 20 países manifestou preocupação e denunciou as tentativas de enfraquecimento do CGI.br por parte da gestão Temer. No primeiro semestre de 2017, o Governo manobrou para impor uma paralisação de atividades em nome de uma questionável “economia de recursos”.

Martinhão e outros integrantes da gestão Kassab/Temer também têm defendido publicamente que sejam revistas conquistas obtidas no Marco Civil da Internet, propondo a flexibilização da neutralidade de rede e criticando a necessidade de consentimento dos usuários para o tratamento de seus dados pessoais. Neste contexto, a composição multissetorial do CGI.br tem sido fundamental para a defesa dos postulados do MCI e de princípios basilares para a garantia de uma internet livre, aberta e plural.

Por isso, esta Coalizão – articulação que reúne pesquisadores, acadêmicos, desenvolvedores, ativistas e entidades de defesa do consumidor e da liberdade de expressão – lançou, durante o último processo eleitoral do CGI, uma plataforma pública que clamava pelo “fortalecimento do Comitê Gestor da Internet no Brasil, preservando suas atribuições e seu caráter multissetorial, como garantia da governança multiparticipativa e democrática da Internet” no país. Afinal, mudar o CGI é estratégico para os setores que querem alterar os rumos das políticas de internet até então em curso no país.

Nesse sentido, considerando o que estabelece o Marco Civil da Internet, o caráter multissetorial do CGI e também o momento político que o país atravessa – de um governo interino, de legitimidade questionável para empreender tais mudanças –

a Coalizão Direitos na Rede exige o cancelamento imediato desta consulta.

É repudiável que um processo diretamente relacionado à governança da Internet seja travestido de consulta pública sem que as linhas orientadoras para sua revisão tenham sido debatidas antes, internamente, pelo próprio CGI.br. É mais um exemplo do modus operandi da gestão que ocupa o Palácio do Planalto e que tem pouco apreço por processos democráticos.

Seguiremos denunciando tais ataques e buscando apoio de diferentes setores,

dentro e fora do Brasil,

contra o desmonte do Comitê Gestor da Internet.

 

8 de agosto de 2017, Coalizão Direitos na Rede

 

Notas

1 A Coalizão Direitos na Rede é uma rede independente de organizações da sociedade civil, ativistas e acadêmicos em defesa da Internet livre e aberta no Brasil. Formada em julho de 2016, busca contribuir para a conscientização sobre o direito ao acesso à Internet, a privacidade e a liberdade de expressão de maneira ampla. O coletivo atua em diferentes frentes por meio de suas organizações, de modo horizontal e colaborativo. A nota está em https://direitosnarede.org.br/c/governo-temer-ataca-CGI/ .

2 Para ouvir a entrevista, à Rádio Brasil Atual, de Flávia Lefévre, conselheira da Proteste e representante do terceiro setor no Comitê Gestor da Internet, que afirma que as mudanças visam a atender interesses do setor privado e ferem caráter multiparticipativo do Comitê: https://soundcloud.com/redebrasilatual/1008-enrevista-flavia-lefevre

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Artigo

FRAGMENTO E SÍNTESE

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Ligar a tv logo cedo num pequeno quarto de hotel no interior do país é desentender-se dos fatos nos telejornais matutinos. Abre-se a janela e uma menina vai à escola à beira do rio, um menino faz gol de bicicleta entre guris e o homem ergue a parede de sua casa.  Tudo tão distinto das ruas em alvoroço de protestos urbanos ou políticos insanos.  No rincão o que se busca é continuar vivo entre chuvas e trovões, sem não ou talvez. Tudo é certo. Sem modernidades calam ou arremedam nossa urbanidade, gente que se defende com pimentas e ervas, oração e vizinhança. Voz sem boca, boca sem voz, essa gente não é parte nas notícias selvagens dos jornais distantes.  Se resolvem entre cozidos, arte, bola e santos. No país de tantos cantos, muitos voam fora da asa e sem golpes entre si vão tocando suas mazelas e graça.

Mas vivemos tempos obscuros, a noite persiste em nossos avançados quinhentos e tantos anos e muitos santos. Dizem que burro velho é difícil se corrigir nos hábitos. Em manhã chuvosa na grande São Paulo, ligo a tv e o notbook, as janelas se abrem antes que a cortina deixe entrar o novo dia. Surpreendente ver na tv o deputado Jair Bolsonaro afirmando em um clube israelita na cidade do Rio, que se presidente for, não teremos mais terras indígenas no país. Ao mesmo tempo o computador expõe na rede social a opinião de meu amigo Ianuculá Kaiabi Suiá, jovem liderança do Parque Indígena do Xingu, onde leio ao som do deputado que ladra:

Jair Bolsonaro, obrigado por você existir. Graças a você, hoje, temos noção de quanto a população brasileira carece de conhecimento, decência, consciência, juízo, amor e que carrega um imenso sentimento de ódio sem saber o porque. Sim, sim, não sabem. Um exemplo? Veja a bandeira de quem te aplaude, é de um povo que, assim como nós, sofreu as piores atrocidades cometidas pelas pessoas que pensavam como você. Enfim, eu não sei se essa parcela do povo brasileiro pode ser curada, mas vou pedir para um pajé fumar um charuto sagrado e revelar se o espírito maligno que se apossou da tua alma pode ser desfeita com uma grande pajelança.

Ianuculá sabe o que diz, sabe de todo martírio vivido pelos povos originários, e mesmo assim se propõe a consultar o mundo dos espíritos.

 

É deus e diabo na terra do sol, a mesma terra que ofende também abriga e anuncia uma mostra de cinema indígena nos próximos dias. Terra de etnias e corpos na terra, a cidade maravilhosa do Rio não se calará diante do fascismo desses tempos sombrios, acompanhe.

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