O termômetro marca 34 graus na praça Diogo de Vasconcelos, coração da Savassi, região nobre da capital mineira. Foi lá o novo endereço do evento Praia da Estação, que recebeu este nome por acontecer tradicionalmente na Praça da Estação, localizada no hipercentro de Belo Horizonte.
A migração acontece em busca de água, já que em novembro de 2015 faz dois anos que a Praça da Estação está seca, desde que a Prefeitura de Belo Horizonte começou uma obra de manutenção nas fontes. Cansados de esperar, os organizadores do movimento da Praia, que tem na sua raiz a crítica a atual administração municipal, se mobilizaram para encontrar balneários em outros pontos da cidade.
Ocupar espaços públicos, por incrível que pareça, não é tarefa fácil. Na praça da Estação, em 2009, o então prefeito e ainda hoje em exercício Márcio Lacerda publicou um decreto que proibia a ocorrência de eventos no local. A reação veio em 2010, quando um grupo de pessoas começou a usar o espaço
no verão fazendo dali a orla belo-horizontina. E a praia ficou, até que se desligaram as fontes. Ocupar a Savassi em um evento popular foi bem mais polêmico.
Ao contrário das edições anteriores nas quais a fonte da praça da Estação sempre esteve ligada para composição do ambiente, alegria geral e aquela amenizada no calor, neste sábado na Savassi a prefeitura mandou desligar os equipamentos às 15 horas e só teve água de fonte às 17 horas. Mas teve a do caminhão-pipa que os banhistas contrataram. Porque sem água é que a praia não ia ficar.
A PBH por sua vez se apressou e já na última semana anunciou o reestabelecimento das fontes no endereço central, o que não convenceu os banhistas belo-horizontinos. “Vinha muita gente pra cá e isso seria complicado, porque na cabeça deles esse espaço é privado…não é das pessoas da cidade. Esse evento aqui devia ter umas mil pessoas confirmadas. De repente a fonte da praça da Estação voltou a funcionar milagrosamente. Aí não deu, né? O evento hoje bombou meio que por causa disso também, porque é um absurdo a fonte estragar em 2013, e assim que a gente marca a praia na Savassi…um dia antes o negócio volta a funcionar?”, questiona o economista Rodrigo Castriota. Deitado nos gramados da praça Diogo de Vasconcelos, Rodrigo, que também é regente de diversos blocos carnavalescos de Beagá, passa o dinheiro da vaquinha para o caminhão pipa a um amigo. São 15 horas e as fontes atrás dele e de outras 150 pessoas aproximadamente (de acordo com a Polícia Militar) acabam de ser desligadas. Os Jornalistas Livres MG tentaram contato com a assessoria de comunicação da prefeitura para saber o motivo da interrupção no funcionamento das fontes, mas ninguém atendeu. Até o fim do dia, este número iria aumentar muito. E a quantidade de água na praia também.
SE BEAGÁ NÃO TEM BAR…
Praia que é praia tem vendedor ambulante. Em Beagá eles também aproveitam a descontração dos banhistas para aumentar os lucros: caipirinha, caipisaquê e catuçaí (uma mistura de catuaba com açaí) desfilam em copos com muito gelo, desafiando o calor inclemente da tarde na Savassi. Belo Horizonte é conhecida como a capital dos bares e não é de hoje que se aproveita turisticamente da fama. A própria prefeitura decidiu por este mote para atual campanha, recém-lançada, com o slogan “Já que Minas não tem mãe vamos para o bar”. Foi com essa frase que a página oficial da administração municipal no Facebook fez um post na última sexta-feira (2/10), o que foi considerado oportunista em razão da praia agendada e recebeu crítica de banhistas. “Independente desse clichê: se BH não tem mar… a gente deve se abrir para outras formas de diversão e ocupar a cidade. Lazer nos espaços públicos é uma dessas formas”, afirma a professora Luciana Gehard.
Desde que a notícia que ia acontecer a Praia na Savassi ganhou a mídia, a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL BH) se reuniu com representantes da segurança pública municipal e da regional centro-sul para discutir os impactos no comércio e nos equipamentos públicos. Um deles é o restaurante Status Cultura e Gastronomia, que fica localizado a cinquenta metros das fontes da praça Diogo de Vasconcelos. Para o gerente do estabelecimento, Charles Santana, a Status não foi afetada de nenhuma forma. No entanto, ele se mostra preocupado com a demanda por infraestrutura. “A casa tem 41 anos e sua clientela consolidada, portanto nossa única apreensão é com os banheiros químicos e com o policiamento. Não temos como atender a esse número de pessoas no que diz respeito a banheiros”, afirma Santana.
Não só de banhistas é formado o público que aproveita a tarde nas mesas do quarteirão fechado da rua Pernambuco. E, como talvez fosse previsto, tem gente que não gosta do aumento populacional democrático como é de caráter das praias, e da daqui também. “Pelo o que conversei com algumas pessoas isso (praia da estação) incomoda a alguns. Na minha opinião, é até um movimento interessante, principalmente por ser na Savassi e por diversificar as tribos que passam por aqui”, comenta o engenheiro civil Pedro Rosa.
Faltam oito minutos pras 17 horas e os esguichos das fontes dão indícios de que a água vai voltar, pra alegria da galera que agora já está em um número bem maior do que há duas horas. Assim como nas areias das praias mais badaladas do Rio, não se vê mais nenhum pedaço de grama ou concreto livre para estirar uma canga. Em poucos instantes o que era uma suspeita se concretiza e a água dá o ar da graça, levando os banhistas à euforia.
A PRAÇA É NOSSA
O movimento Praia da Estação cresceu organicamente e hoje existe e leva jovens, famílias, pessoas de todas as classes sociais, cores e ideologias aos espaços públicos de Belo Horizonte para curtir tardes ensolaradas ocupando uma Beagá de sol e ar livre.
“O evento foi crescendo e cada vez mais pessoas foram aderindo. Depois de algum tempo que aquele espaço vem sendo ocupado, a gente vê que essa Praia da Estação já é algo autônomo, que não depende mais de alguém puxar. Tanto é que o evento é criado no Facebook aleatoriamente. Alguém cria, as pessoas vão curtindo e assim acontece”, diz Castriota.
TEM ONDA EM BEAGÁ, MULEKE
Às 17 horas — como se fosse combinado com a prefeitura — o caminhão-pipa que estava estacionado na avenida Getúlio Vargas lança seu primeiro jato d’água nos veranistas desta primavera quente que agora já ocupam o outro lado da praça da Savassi. A mangueira que sai do tanque e é manuseada pelo próprio motorista vira objeto de disputa da garotada que quer descobrir a sensação de molhar centenas de pessoas em plena praça pública. São dez mil litros cúbicos comprados com dinheiro da vaquinha feita quando as fontes foram desligadas.
Agora embalados pela percussão dos músicos da Roda de Tibau, da Juventude Bronzeada e do Então Brilha os banhistas entoam hinos do carnaval e a praia vira bloco. “Na hora que a gente paga caminhão-pipa pra vir até aqui e fazer a festa acontecer a gente tá mostrando pra uma administração conservadora e opressora, como é o caso da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, que a gente está querendo ocupar a cidade de uma maneira mais livre. Coloca aí também a questão de classe nessa hora, porque o religamento das fontes da praça da Estação não é somente para a festa voltar a acontecer, já que tem morador de rua que faz uso delas pra se banhar e se refrescar durante o verão extremamente quente. Essa questão do caminhão-pipa por conta de vivermos uma crise hídrica não significa um desperdício de água, porque esse está mais concentrado no setor industrial e comercial. Já nós que temos o abastecimento doméstico e de diversão isso é uma parcela insignificante no sentido do volume de água”, diz a banhista e engenheira ativista Sara Cura.
Faltam cinco minutos pras 18 horas e o caminhão-pipa vai embora devolvendo um pouco de calmaria para o mar das quatro fontes da praça Diogo de Vasconcelos que continuam ligadas. Mesmo sem os jatos do caminhão a festa e o batuque continuam. Do canteiro central da avenida Getúlio Vargas um grupo de seis policiais militares observa os banhistas. De acordo com eles até aquele momento não houve nenhuma ocorrência ou anormalidade. São 18h26 e o samba e a praia ocupam a nobre zona sul de Beagá.