Absolvição de major contraria provas, diz membro do Condepe

O júri presidido pelo juiz Anderson Fabrício da Cruz absolveu, por 4 a 3, o major Herbert Saavedra ontem (29/8). Ele era acusado pela morte de Douglas Silva e Felipe Macedo Pontes, ambos com 17 anos, em São Bernardo do Campo. O Ministério Público já anunciou que vai recorrer.

O assassinato dos dois jovens

Na noite do dia 30 de novembro de 2011, os amigos Douglas e Felipe estavam saindo de moto da escola estadual onde estudavam no Bairro Demarchi, em São Bernardo do Campo, quando foram abordados pelos 3 PMs da Força Tática.

Posteriormente, os policiais disseram que eles eram suspeitos de um roubo no bairro. “Porém, esse suposto roubo jamais ocorreu, já que nenhuma ocorrência do tipo foi registrada na Delegacia da área, assim como nenhuma vítima ou testemunha do suposto crime foi localizada pela própria polícia”, afirma o advogado Ariel de Castro Alves, membro do Condepe (Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana), que acompanha o caso desde o início.

As investigações do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) demonstraram que Felipe foi assassinado na própria abordagem e Douglas foi morto a caminho do Hospital, após, inclusive, ter dito a uma testemunha que temia ser morto pelos PMs no caminho ao Hospital, por ter presenciado o assassinato de seu amigo na abordagem policial.

“Existem fortes indícios de que os adolescentes foram executados pelos PMs, já que conforme os laudos do IML, Douglas levou 5 tiros e Felipe recebeu 4 disparos”, afirma Ariel, complementando que o laudo residuográfico do Instituto de Criminalística não constatou resíduos de pólvora nas mãos das vítimas.

A denúncia do Ministério Público

Após 4 anos de investigações, os policiais militares Herbert Saavedra, Alberto Fernandes de Campos e Edson Jesus Sayas Junior, se tornaram réus no Processo Criminal pelos 2 homicídios. Na época, o juiz Fernando Martinho de Barros Penteado, da Vara do Júri de São Bernardo do Campo, acatou a denúncia criminal apresentada pela promotora de Justiça Thelma Thais Cavarzere.

Na denúncia, a promotora afirmou taxativamente que “os imputados mataram Douglas para assegurar a ocultação e a impunidade do homicídio que praticaram contra Felipe”. Por fim, a promotora denunciou os 3 PMs pelos 2 homicídios qualificados.

Sentença de Pronúncia da Vara do Júri de SBC

No dia 17 de fevereiro de 2017, após terminar a fase de instrução processual, na qual foram ouvidas as testemunhas do crime e analisadas todas as provas e laudos produzidos durante o Inquérito da Polícia Civil, o juiz titular da Vara do Júri de São Bernardo do Campo, Fernando Martinho de Barros Penteado, decidiu que os réus deveriam ser julgados pelo Júri Popular, entendendo que estavam presentes os “indícios suficientes de autoria e materialidade” com relação ao envolvimento dos PMs  com o crime. A sentença cita os depoimentos das testemunhas protegidas, que foram ouvidas em audiência, que afirmaram que os jovens estavam desarmados e foram assassinados pelos policiais militares.

O relato de Ariel de Castro Alves sobre a abolvição

“O resultado do Júri foi uma afronta ao senso de Justiça e um estímulo à violência policial. A decisão dos jurados contraria frontalmente as provas dos autos. Uma testemunha ouvida pela polícia e pela justiça, um frentista de um posto de gasolina que trabalhava em frente ao local dos fatos, disse que viu a abordagem, onde os jovens saíram da moto com as mãos na cabeça e desarmados, quando os policiais fizeram vários disparos contra eles.  A testemunha ainda chegou a presenciar os PMs forjando provas no local do crime, para simular um suposto confronto. Ela afirmou ter visto os policiais tirando armas de fogo de dentro da viatura da PM e colocando as nas mãos dos jovens. Essa e outras testemunhas foram ouvidas na Vara do Júri, durante a instrução do processo criminal. Felipe foi atingido por 4 disparos e Douglas por 5 tiros. Mais um caso terrível de impunidade, que só gera mais violência. Policiais violentos geram riscos para toda sociedade.”

Notas

1 Para mais informações sobre a federalização das investigações:

Autos do Inquérito Policial não foram encontrados por 8 meses Em julho de 2012, o Ministério Público Federal de São Paulo, após ser acionado pelos advogados André Alcantara e Ariel de Castro Alves, pediu ao Procurador Geral da República a federalização das investigações sobre as mortes dos 2 adolescentes. Na época, os autos do Inquérito Policial estavam sumidos há 6 meses. Porém, 2 meses depois do pedido de federalização, os autos do Inquérito Policial foram encontrados no Fórum de Santo André e não no de São Bernardo, onde deveriam estar. http://www.prsp.mpf.gov.br/sala-de-imprensa/noticias_prsp/31-07-12-2013-mpf-em-guarulhos-sugere-federalizacao-de-homicidio-de-dois-adolescentes-em-sao-bernardo-do-campo

2 Para mais informações sobre a demanda da Human Rights Watch por providências do governo Alckmin

Human Rights Watch cobrou providências do Governador de São Paulo Em 29 de julho de 2013, a ONG (Organização Não Governamental) internacional Human Rights Watch apresentou um documento ao Governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, citando os assassinatos de Douglas e Felipe, em São Bernardo do Campo, como exemplo de “casos padrão” na atuação da Policia Militar Paulista, nos quais “policiais executam pessoas e, em seguida, acobertam esses crimes”. http://www.hrw.org/pt/news/2013/07/29/brasil-execucoes-acobertamentos-pela-policia

3 Essa matéria recebeu o selo 034-2018 do Observatório do Judiciário.

4 Para ler outras matérias do Observatório do Judiciário:
https://jornalistaslivres.org/categoria/observatorio-do-judiciario.

COMENTÁRIOS

POSTS RELACIONADOS

Réus do 8 de janeiro: quando julgaremos os peixes grandes?

Os julgamentos e as penas são capítulos importantíssimos para uma conclusão didática do atentado que sofremos em 8 de janeiro de 2023, quando milhares de pessoas de todo o país se organizaram para atentar contra a democracia. Mas e os peixes realmente grandes?