Eleições para reitor buscam esquecimento do suicídio de Cancellier

Debate com candidatos às eleições da UFSC tenta vencer o silêncio em torno do sentido da tragédia de Cancellier, que continuou a ser difamado mesmo depois de morto
Em debate promovido pelo Floripa Contra o Estado de Exceção, candidatos serão levados a debater com a comunidade sobre o assunto que virou tabu na UFSC: o suicídio do reitor. Fotos: UFSC à esquerda

Depois de sofrer os ataques da Polícia Federal e assistir aos abusos de poder e difamação moral que levaram ao suicídio do reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, a Universidade Federal de Santa Catarina se prepara para eleger um novo dirigente no dia 28 de março. Um debate com os três candidatos será realizado nesta terça-feira, 20/3, a partir das 18h30, no Hall da Reitoria, tentando romper com o silêncio em torno da questão que está por trás da tragédia imposta pelos aparatos de repressão de Michel Temer à UFSC: “A luta pela autonomia da universidade no cenário de Estado de Exceção: em defesa dos direitos sociais e da soberania nacional”.

Entre os três candidatos que participam do debate, predominou durante toda a campanha o silêncio e o desconforto para falar de Cancellier (o Cau) numa eleição que só existe porque ele foi eliminado no auge de sua gestão. Ou como disse o desembargador Lédio Rosa de Andrade, foi “assassinado moralmente e politicamente pelo Estado de Exceção”. É para vencer esse pacto do silêncio que o Coletivo Floripa Contra o Estado de Exceção costurou o debate desta terça-feira, que será dividido em três blocos, com regras aprovados por consenso pelos representantes das três candidaturas. Sob a mediação do psicólogo Marcos Ferreira, apresentador e âncora da TV Floripa e professor aposentado da UFSC, a discussão deve durar mais de duas horas. A apresentação do coletivo inicia com uma associação entre o assassinato político e moral do reitor, que continuou a ser caluniado e linchado mesmo depois de morto, ainda no velório, e a chacina da vereadora negra Marielle Franco, que foi abatida a tiros com munição adquirida pela PF. Ambos vítimas de violento processo de difamação pública disseminado e encorajado por autoridades judiciais, parlamentares e policiais.

GALERIA DOS CANDIDATOS A SUCESSOR DO REITOR SUICIDADO

Fotos: Sintufsc

Marcada para o dia 28 de março, a disputa terá segundo turno no dia 11 de abril, caso os votos do primeiro colocado não for superior à soma percentual dos votos de todos os outros. Eis os candidatos e suas posições relativas à tragédia: Edson de Pieri (número 57), do Curso de Engenharia Mecânica, que tem o perfil mais conservador e ostenta como um dos motes de campanha o combate à corrupção na UFSC, faz coro em seus comentários ao processo difamatório do reitor e dos Cursos de Educação à Distância. Sua candidatura é apoiada por setores mais à direita, que defendem a privatização do ensino e também recebe o apoio “por baixo dos panos” de lideranças ligadas à ex-reitora Roselane Neckel, que não lançou candidatura.

Crítico contundente dos ataques da Polícia Federal e da violação da autonomia universitária, o professor e diretor do Centro Socioeconômico da UFSC, o administrador Irineu Manoel de Souza (número 80), representa a candidatura mais à esquerda. No entanto, sofre constrangimento de alguns setores do PSTU e do PT ligados à ex-reitora, que se opõem com veemência à referência do nome de Cancellier como símbolo de uma vítima do Estado de Exceção instaurado pelo governo Temer em consideração ao seu perfil conciliador e a suas “alianças com a direita golpista”.

Por fim, o professor Ubaldo César Balthazar (número 52), ex-diretor do Centro de Ciências Jurídicas, amigo e professor do reitor, que representa a continuidade da administração de centro, também sofre constrangimento da direita e dessa esquerda mais fisiologista. Sempre que homenageia a memória do reitor, ambos os lados o acusam de fazer apelo emocional e de tentar tirar proveito da tragédia.

Cerimônia de homenagem póstuma ao reitor Cancellier. Foto: Henrique Almeida/Agecom

De modo que o gesto político do suicídio tende a perder o seu sentido na medida em que Cau é silenciado pelos agentes de exceção e pelos seus próprios pares. Diante de tantos constrangimentos gerados por interesses político-eleitorais e da reação quase nula da comunidade universitária no episódio da prisão abusiva do reitor e de outros seis professores, em 14 de setembro, pouco ou nenhum espaço sobra para reivindicar justiça e debater com o conjunto de professores, alunos e servidores o sentido da violência que a UFSC e outras universidades sofreram.

Passados cinco meses do suicídio, quatro dos seis professores presos junto com o reitor Cancellier por acusação de desvios de verbas do Programa de Educação a Distância continuam banidos da universidade, sem que a “Operação Ouvidos Moucos” tenha apresentado até agora conclusão ou prova contra eles. Apesar de o Tribunal de Contas da União ter dado parecer favorável ao retorno dos professores, alegando que não há motivos para mantê-los afastados da sala de aula e proibidos de circular no campus, o TRF-4 negou em decisão preliminar o pedido de retorno impetrado pelo professor Eduardo Lobo.

Equipe da Corregedoria Geral da União está na UFSC colhendo depoimentos para investigação do Pivô da prisão, difamação e banimento do reitor Cancellier, Rodolfo Hickel do Prado, acusado de truculência, abuso de autoridade, assédio moral e sexual por estudantes, professores e servidores

TESTEMUNHAS PRESTAM DEPOIMENTO EM INVESTIGAÇÃO DO CORREGEDOR

Apesar da impunidade das autoridades abusivas em torno da famigerada operação Ouvidos Moucos, finalmente o ex-corregedor geral da universidade, Rodolfo Hickel do Prado, está sendo investigado pela Corregedoria Geral da União. Pivô de todo o processo de invasão federal da UFSC e de difamação do reitor, Hickel está sendo investigado por diversas denúncias de desvio de conduta, assédio moral, assédio sexual, truculência, abuso de poder e autoridade excessiva. Apesar de ter sido demitido do cargo, mas ainda estar ligado à Corregedoria da UFSC, ele não comparece ao trabalho desde o dia 8/2, quando foi exonerado do cargo de corregedor-chefe pelo reitor pró-tempore, Ubaldo Balthazar.  Mais de duas semanas depois os outros dois corregedores souberam que ele havia prorrogado a licença de saúde.

Diversos professores, estudantes e servidores estão sendo ouvidos pela equipe da CGU desde o dia 5 de março. Já deram depoimento cerca de dez alunos que o acusaram de perseguição e intimidação pessoal com base em comentários de Facebook, assim como o professor do Curso de Administração Gerson Rizzatti, que o processa por tratamento agressivo e persecutório.  No dia 5 de março, a servidora da Coordenação do Curso de Administração, Ana Peres, depôs no inquérito como testemunha do professor Rizzatti na condição de ex-subordinada de Hickel do Prado na corregedoria interna da UFSC. Ela  já havia denunciado Hickel ao gabinete da reitoria por assédio moral antes da morte de Cancellier. Numa assembleia de servidores realizada no Restaurante Universitário logo depois do suicídio, relatou as agressões e intimidações sofridas quando se encontrava em licença de saúde por fratura do pé. Integrante da equipe da ex-reitora Roselane Neckel, antecessora e adversária política de Cau e apoiadora da candidatura de oposição de Irineu Manoel de Souza, Ana Peres é considerada uma testemunha-chave e insuspeitável contra Rodolfo pela distância política que mantinha da administração que ele destruiu.

Se a delegada Érika Mialik Marena foi afastada do foco da operação e “promovida” com o cargo de superintendente Regional da PF do Sergipe depois de um lobby corporativista dos colegas delegados, as informações indicam que Hickel não retornará à UFSC . “Os corregedores responsáveis pelo inquérito nos garantiram que ele não pisa mais aqui pelo volume e gravidade dos depoimentos contra ele”, informou uma fonte da reitoria.  Hickel é responsável pelas denúncias contra Cancellier à delegada, que por sua vez embasaram a ordem de prisão do reitor pela juíza federal Janaína Cassol. A incriminação do reitor por tentativa de interdição do trabalho da polícia, baseada em calúnias e intrigas pessoais não comprovadas, deu sustentação a todos os desmandos e violação de direitos jurídicos  e constitucionais praticados pela PF, Justiça Federal e Ministério Público Federal que induziram o reitor ao suicídio.

As acusações foram tomadas à risca, sem considerar a ficha corrida do corregedor, com vários antecedentes criminais por calúnia e difamação, conforme os Jornalistas Livres apuraram com exclusividade (https://jornalistaslivres.org/2017/10/exclusivo-corregedor-que-denunciou-reitor-a-pf-ja-foi-condenado-por-calunia-e-difamacao/). No caso mais grave, Hickel produziu invasão a domicílio pelo BOPE e PM mediante falso testemunho de ameaça de morte à mão armada contra o professor Flávio Cozzatti. Também foi processado e condenado com trânsito em julgado por calúnia e difamação e abuso de autoridade pelo procurador Ricardo Fernando da Silva, já falecido. Além disso, foi denunciado pelo MPF por crime de trânsito com carteiraço e ameaça à vida da coletividade e respondeu processo por espancamento e tortura psicológica contra duas professoras universitárias, dos quais foi absolvido por falta de provas.

DEBATE É TENTATIVA DE ROMPER O SILENCIAMENTO DO REITOR

Durante pelo menos duas horas, os candidatos devem debater as relações da UFSC com a sociedade, os movimentos comunitários e as frentes de lutas na Grande Florianópolis e no Estado de Santa Catarina. “O objetivo maior das entidades e movimentos sociais promotores é debater e refletir sobre o papel da UFSC no contexto das lutas em curso, em defesa dos direitos sociais, da soberania nacional, do Estado Democrático de Direito e muito especialmente em defesa da Autonomia e pelo fortalecimento das universidades públicas do país”, explica um dos integrantes do coletivo Floripa Contra o Estado de Exceção, Samuel Lima.

Formado no dia seguinte ao suicídio, o Coletivo Floripa contra o Estado de Exceção reúne dezenas de estudantes, técnicos-administrativos, docentes, profissionais e lideranças de movimentos sociais egressos da UFSC, na luta solitária pela defesa da autonomia da universidade e contra o Estado de Exceção, que culminou com a morte do reitor. Enfrenta a oposição da direita da UFSC, que faz o discurso despolitizado do combate à corrupção e desconsidera a denúncia aos abusos de autoridade cometidos contra o reitor e contra a UFSC. Mas sua luta também sofre boicote por parte da esquerda ligada à gestão anterior, que faz oposição à defesa de Cancellier por suas aproximações com a direita. Na apresentação do coletivo, o arquiteto e militante social Loureci Ribeiro, vai associar a morte de Cancellier a outros assassinatos políticos e fazer alusão a outras vítimas do Estado de exceção, como a militante negra Marielle Franco, o ex-presidente Lula e sua esposa Marisa.

Essa oposição interna não encontra, contudo, guarida nos quadros de direção do PT em nível local e nacional. A senadora Regina Souza, presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, a ex-senadora Ideli Salvatti, os deputados federais Arlindo Chinaglia e Pedro Uczai, os deputados estaduais Dirceu Dresch, Padre Pedro Baldissera, Paula de Lima e Luciane Carminatti e o vereador Lino Peres, entre muitos outros, já manifestaram rigorosa solidariedade e apoio à luta por justiça para o reitor. Ao participar no dia 12/3 da convenção estadual ampliada do partido para preparação da Caravana Lula em Florianópolis, o vice-presidente do PT nacional, Márcio Macedo, respondeu com firmeza a um filiado que alegava as posições políticas conciliadoras do reitor morto para desmerecer a sua defesa. “Não importa o que o reitor foi ou deixou de ser ou que posição política assumiu. Nós devemos denunciar esse crime. Ele foi assassinado pelo Estado de Exceção e isso é tudo”, afirmou durante o evento na sede da Federação dos Comerciários de Santa Catarina.

DINÂMICA DO DEBATE

BLOCO I

[Abertura: Coletivo Floripa contra o Estado de Exceção]
– Homenagem à Marielle Franco [5 minutos]
– Composição da Mesa (Mediador e Candidatos)
– Leitura e Apresentação da Carta das Entidades e Movimentos Sociais – Síntese Geral das Questões Norteadoras do Debate (Padre. Vilson Groh) – 10 minutos
– Fala dos Candidatos [5 minutos para cada]: Apresentação e Comentários sobre as questões apontadas na Carta das Entidades e Movimentos Sociais
[Tempo Estimado: 35 minutos]

BLOCO II
[Perguntas por escrito do público: representantes de entidades, movimentos e público em geral] – Serão lidas e/ou apresentadas oralmente em 4 blocos de 3 questões e respondidas, em ordem alternada por todos os candidatos (seguindo sempre o sorteio original – Fala de Apresentação), que terão 5min para responder em cada bloco, a saber:

– Questões apresentadas verbalmente por entidades promotoras do evento (MST/SC, UFECO e Fórum de Luta em Defesa de Direitos)
– Perguntas por escrito que serão lidas pelo moderador.
[Tempo Estimado: 1h20min]

BLOCO III (Considerações Finais dos Candidatos)
– Segue a ordem das falas

(Cada candidato terá 5 minutos para suas considerações finais).
[Tempo Estimado: 20 minutos]

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