Quem acha que o carnaval acaba oficialmente na terça-feira se engana. Em Belo Horizonte, já se tornou tradição o desfile temático e libertário do Bloco do Manjericão na madrugada de quarta-feira de cinzas. O local da concentração é sempre um mistério e os organizadores só divulgam às vésperas do desfile.
Desde 2016, o Bloco do Manjericão, passou a se reunir às 4h20 da madrugada para se despedir da folia em uma cidade que se tornou referência do carnaval no Brasil. Esse ano o desfile aconteceu na avenida José Cândido da Silveira, no Cidade Nova, região Nordeste da cidade, e a marcha seguiu pela Cristiano Machado, no sentido centro.
“Desde as primeiras edições do desfile, os locais são escolhidos dando preferência para parques, matas, florestinhas e locais bonitos para se ver o sol nascer. Esse ano, por exemplo, escolhemos o único parque linear que existe em BH.”, justifica, um dos organizadores do bloco.
O Bloco do Manjericão traz como tema principal o debate sobre a legalização da maconha. Seus foliões vão fantasiados de verde e levam consigo plantas, folhas de manjericão atrás da orelha e entoam juntos a celebre canção que virou o hino oficial do bloco –‘Hoje comigo ninguém pode’. O Bloco ressalta em sua letra o valor medicinal e recreacional da erva, incentiva também em algumas paródias das marchinhas de carnaval tradicionais a liberação para o plantio caseiro e sua descriminalização.
“Não vou comprar manjericão
Eu vou plantar no meu jardim
Se todo mundo plantar um
Manjericão! Não vai faltar pra mim
Manjericão é muito bom
Manjericão é natural
Manjericão para a bronquite
Manjericão para abrir o apetite
Vão Manjericão! Depois te encontro na larica do Bolão…”
(ouça a música: www.youtube.com/watch?v=gIh0l5u7mVo )
Luiza Therezo, 24, é produtora audiovisual e participa do bloco desde 2013. Ela defende a bandeira e acredita que a legalização e regulamentação da planta traria mais benefícios coletivos do que individuais, como a diminuição da violência e a criminalização da população mais pobre. “Tenho muito carinho pelo bloco porque além de ser uma folia gostosa levanta uma bandeira que acho importante. Defendo a legalização ou regulamentação porque acredito nos benefícios coletivos que isso traria. (…) A criminalização da maconha é injusta e hipócrita: leva uma parte da população para cadeia enquanto os privilegiados traficam e usam drogas à vontade. Acredito que muito da violência diminuiria se não houvesse mais tráfico de maconha”.
Luiza ainda faz referência à operação da Polícia Federal que apreendeu em novembro de 2013 um helicóptero com 450 kg de pasta base de cocaína na fazenda da família de Aécio Neves (PSDB), pertencente ao senador Zezé Perrela(PMDB). Hoje, 5 anos pós operação ninguém foi punido, inclusive o dono do helicóptero é hoje Secretário Nacional do Futebol no governo Temer. “Como é possível aceitar que um político tenha seu helicóptero apreendido abarrotado de cocaína e continue livre enquanto são presas pessoas com pequeno porte de maconha?”, se indigna Luiza.
Outra pessoa que passava na rua e acabou entrando na folia do bloco foi o Sr.Geraldo, 59, mais conhecido como ‘boiadeiro’. Ele relembra que participou pela primeira vez do carnaval em Belo Horizonte aos 11 anos e afirma já ter feito uso da erva quando era mais jovem, mas que atualmente não faz mais uso. “Eu vou no carnaval desde os 11 anos. No meu tempo as pessoas cheirava ‘loló’, gostava de maconha e era proibido. Hoje ainda é proibido, mas pelo menos é liberado pra andar com um pouco, né? Eu não fumo mais não, não mexo com mais nada disso, mas eu sou liberal, todo mundo deveria ser, a vida é de cada um e cada um deveria cuidar bem da sua. Por exemplo, os gays. Já fui nessas festas de LGBT, que fala, né? Eu não sou contra não, cada um tem que ser feliz do jeito que quiser.”
O bloco encerrou o desfile por volta de meio dia e prometeu ainda mais animação para o ano de 2019.