Sexta-feira, 27 de março de 2015. Lá vai a procissão, se arrastando que nem cobra pelo chão da avenida Paulista, espinha dorsal da maior cidade da América do Sul. Não se trata de reza, ladainha ou ofertório de xingos para Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva. Sob contrariedade da mídia multinacional tradicional capitaneada pelas Organizações Globo, milhares e milhares de professores estaduais marcham em greve contra a política (?) educacional (?) do governador Geraldo Alckmim.
A multidão de professoras e professores abandona a Paulista em caminhada em direção ao centro de São Paulo, mas a avenida-cartão-postal não se esvazia. Pelo contrário. São 18h30, início de ~happy hour~ na árida praça do Ciclista, miolo semi-arborizado entre Paulista, viaduto e Consolação, onde ciclistas começam a se concentrar às dezenas, centenas, milhares.
Foto: Márcia Zoet
A mídia tradicional continua contrariada. Não é nem questão de gravar as passeatas do alto do helicóptero-robocop-globocop: nem entre professores nem entre ciclistas, as palavras de ordem aqui concentradas em nada servem aos propósitos da #GloboInimigaDoBrasil e suas focas amestradas. Muito pelo contrário.
(Você já ouviu falar nos #JornalistasLivres? Não? Então #ProcureSaber da gasolina, da margarina, na Carolina, menina…)
Na passeata de professores até há oportunidades de xingo, mas de xingos que se dirigem muito mais a um governo do PSDB que a governos do PT. A mídia tradicional braZileira tenta se concentrar em faixas de “fora Dilma” trazidas pelo esquerdireitista PSTU, se é que vai colar junto à cada vez mais decadente audiência global. Será que colou? E ciclistas contentes pedalando pela liberdade de pedalar, a quais Globos interessarão?
No passeio cicloativista, os xingos são menores e em menor número. “Ministério público — interesses privados”, protesta, sem insultar ninguém, uma grande faixa pendurada na cabeceira do viaduto, indicando a maior razão de ser da bicicleata.
Querem apagar as ~manchas~ vermelhas de ciclofaixa da cidade mais engarrafada da América do Sul. Ninguém grita “viva Fernando Haddad“, mas o brado é contra a cruzada anticiclística que mira a têmpora do prefeito petista.
Querem apagar as ciclovias nas ruas em que cultuadores do ódio já atiraram tachinhas furadoras de pneus de pedalantes. Um cartaz modesto circunda num coração a foto do reacionário cuspidor de raiva Reinaldo Azevedo, ~jornalista~ da Veja e da Folha e ferrenho detrator das ciclofaixas e ciclovias. No contrapé do ódio fomentado contra determinados políticos (e apenas contra alguns deles), @s ciclistas dedicam um coração e a mensagem “agora só falta você!” ao cão vociferador do Partido da Imprensa Golpista (PIG-USA).
Reinaldo não vem, nem as catracas do metrô são liberadas pelo governo tucano para a passagem gratuita de professores, ciclistas e bicicletas, como foram 12 dias atrás, quando do convescote-piquenique pé-no-asfalto das classes médias e altas de Tucanistão.
Diferente da grotesca manifestação patrocinada pela #GloboGolpista em 15 de março, a dos ciclistas é realmente apartidária, ou melhor, pluripartidária. Ciclistas são petistas, ciclistas são tucanos, ciclistas são marineiros, ciclistas são peemedebistas, ciclistas são kassabistas, ciclistas votam branco ou votam nulo, ciclistas são tudo isso individualmente e são nada disso coletivamente.
Estou a pé na passeata sobre duas rodas. Encontro Roberson Miguel, meu amigo de Twitter @biosbug (onde estava o @pedalante?). Biosbug é cicloativista, mas também está a pé, transmitindo a passeata ao vivo de seu celular, em TwitCasting, mídia ninja de si próprio.
Nos documentamos um ao outro, cada um à sua maneira. Não sei se Roberson está plenamente ciente disto, mas ele é #JornalistasLivres também. Não sei se estou plenamente ciente disso, mas hoje, mesmo a pé, sou cicloativista também.
Diferente da branquíssima passeata-cusparada de 15 de março, a de ciclistas é multicolorida, multirracial, multissexual (ó, quantos trajes ciclísticos inspiradores!), multitudo. Ciclistas são brancos, pretos, amarelos, mestiços. Todos carregam(os) xingamentos presos no peito, mas hoje é dia de guardá-los: é dia de dizer mais SIM do que não. Em vez de cuspir fogo contra tudo e contra todos, a passeata de bicicletas vamos pedalar, caminhar, salvar a Paulista por alguns minutos do trânsito poluente dos automóveis, conversar, festejar, exigir mansamente das autoridades a preservação da nossa mera existência.
A passeata vermelha do dia 13 e a passeata branca do dia 15 assustam — e frutificam. As sextas-feiras da Paulista vão, semana após semana, se transformando em dias quase-oficiais de manifestação pelo que a gente quiser. A Polícia Militar trabalha loucamente, mas, em contraste com o que aconteceu em junho de 2013, vai se tornando menos e menos violenta diante do nosso direito coletivo de nos manifestar. Mesmo quando o ódio é o mote, é civilizatório o processo que vivemos.
Sexta-feira, na Paulista, há petistas, há tucanos, há fundamentalistas militarizantes, há libertários, há professores, há policiais militares, há ciclistas. Diferentemente dos tempos de aurora tropicalista, quando braSileiras e brasileiros passeavam escondid@s, hoje há uma cordilheira sobre (e não sob) o asfalto.
(Vídeo #JornalistasLivres, 27 de março de 2015)