Um dia de Consciência Negra (entre 364 de mentalidade racista)

Por Katia Passos e Hermínio Porto, dos Jornalistas Livres
Fotos: Sato do Brasil, Lucas Porto e Laura Barbosa, Jornalistas Livres 
O Dia da Consciência Negra é mais um feriado para não se trabalhar ou estudar, pelo menos para grande parte da população. Essa é a realidade.
Já para as milhares de pessoas que compareceram à 14ª Marcha do Dia da Consciência Negra na Avenida Paulista e a muitas outras pelo Brasil, Consciência Negra na Avenida Paulista e a muitas outras pelo Brasil, nesta segunda (20), representa sem dúvida, mais um dia para a luta contra o racismo e por um projeto político de vida para o povo
negro. Outra realidade.
Mas como fica a vida de negras e negros nos outros 364 dias? A manifestação acaba e na volta para as atividades cotidianas, o racismo estrutural e dilacerador volta à tona. Então será mesmo que a expressão Consciência Negra está correta? Não será coisa de principiante, nesta luta, contra tamanha desigualdade, usá-la em pleno 2017?
Numa abolição inconclusa, quase inexistente, onde negros e negros mudaram da senzala para as periferias e favelas, dia 20 de novembro precisa acontecer todos os dias. Passou da hora de agirmos de verdade, na prática, para exterminarmos a violência e controle, coordenados em sua maioria e de maneira atroz pela polícia.
Ontem na Av. Paulista, dezenas de negras e negros entoaram cantos e bradaram discursos, não intimidados pela presença da chuva, ou do grande número de policiais militares. Só em motos, contamos mais de 40 acompanhando a manifestação durante todo o trajeto. Viaturas, bicicletas e policiais a pé, marcaram presença aos montes, operação
cara e nitidamente exagerada. Aliás, seria muito bom que o portal da transparência pudesse divulgar o custo dessa e de outras operações para entendermos qual é a real efetividade de tamanho cenário armado para promover constrangimento à população. Em termos financeiros, não deve ser barato.
A pé, policiais carregavam escudos, com expressão fechada e pareciam seres intocáveis em meio a diversas famílias que caminhavam no sentido do Teatro Municipal onde o ato foi encerrado. A pergunta é: para quê? A gente sabe bem a resposta.
A Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), da Prefeitura de São Paulo, pretende multar em cerca de R$ 5.000,00 a organização do evento pelo uso de carro de som. Tal prática é a expressão administrava da repressão do Estado ao direito de manifestação das pessoas. e no caso de ontem, das pessoas negras. Uma forma de silenciar a voz que canta e denuncia o racismo estrutural de todos os dias. Doria e Alckmin, “filho e pai” respectivamente, não queriam a realização da Marcha. No salinha de expurgo da TV para
essa pauta, é claro que nada era informado, a não ser o fato do dia 20 ser “ponto facultativo” e aquele boletim “do que abre e do que fecha”.
Já do outro lado do centro da cidade, Doria Jr recebia o troféu Raça Negra, um evidente absurdo que certamente implica grave erro da parte dos organizadores da premiação.
E mesmo sabendo que há anos esse troféu vem de fato, homenageando pessoas que não se interessam pela vida do povo negro, Doria Jr, um verdadeiro “senhor de engenho” jamais poderia receber esta homenagem. As razões não precisam ser aqui detalhadas pois são públicas, e de conhecimento principalmente, daqueles que o elegeram.
Doria é um prefeito de políticas higienistas e que patrocina a repressão administrativa, a manifestação negra e por isso, merece todo repúdio por uma gestão nitidamente racista.
Mas o que é mesmo a “consciência negra” e qual a sua importância para todos os brasileiros e brasileiras de diferentes cores? Deveria ser a libertação da nossa
capacidade de pensar, querer e julgar das amarras da ideologia racista.
Pois o racismo é uma ideologia, e enquanto tal, molda pensamentos e estabelece formas de existência pautadas em uma mentira: a superioridade dos brancos em relação aos negros expressa diariamente nos espaços de trabalho, nas ruas, na mídia, em restaurantes, shows e tantos outros locais.
Mas todos os dias tais atos são vistos e praticados como se fossem normais. É preciso ter consciência que matar, espancar, espoliar, pagar menos pelo mesmo trabalho, ridicularizar pessoas em razão de sua cor não é aceitável.
O que nos preocupava, de fato, ontem, quando saímos às ruas de SP para construir a pauta, era o quanto ainda teríamos que de uma maneira quase que infantil, ouvir alguns discursos de quase agradecimento pelo 20 de novembro existir.
Ouvimos quase todos e de tudo um pouco. Respeitamos as histórias, aprendemos com os mais “velhos e novos de guerra” e quando a manifestação ocupou a escadaria do Teatro Municipal, entendemos na presença das lágrimas do sofrido Milton Barbosa, o Miltão do Movimento Negro Unificado (MNU) – fundado em 1978, ali mesmo – que ainda estamos longe dessa tal consciência negra de verdade.

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