Por César Locatelli, especial para os Jornalistas Livres
Vamos criar um banco para ajudar o Brasil a crescer?
Nosso banco vai emprestar dinheiro para quem quer fazer investimentos. Vai emprestar por prazos longos, pois a maturação de certos investimentos cruciais para o país é longa, e vai cobrar taxas de juros mais baixas do que as taxas do mercado, para incentivar os empresários. Precisaremos de um banco muito grande para conseguir uma contribuição efetiva sobre uma economia de R$ 5,5 trilhões de reais como a nossa. Um banco que tenha algo como R$ 800 bilhões aplicados em empréstimos. O banco deverá ser público porque seu objetivo não é obter lucro, é ajudar a crescer nossa capacidade produtiva.
Teremos como meta fazer mais de um milhão de transações com cerca de 300 mil clientes. Um banco que desembolse R$ 200 bilhões por ano nessas operações. Assim, de cada R$ 100 investidos no Brasil, o banco deve contribuir com R$ 12. Somando recursos do banco com os recursos dos clientes, nosso banco apoiará cerca de 20% de todos os projetos de investimentos no país.
O banco deverá estar em 2/3 dos projetos de geração de energia elétrica e em 80% dos projetos de aumento da capacidade de movimentar passageiros em aeroportos. Ainda, terá de contribuir para a construção de 3.500 quilômetros de ferrovias, a aquisição de cerca de 500 locomotivas, 15.000 vagões e 400 composições para transporte urbano sobre trilhos. Deverá participar da construção ou duplicação de cerca de 9 mil quilômetros de rodovias.
Imagine que o banco que financiará perto de 1/5 das exportações de bens de capital e peças. E que aumentará sua atuação quando o crédito ao comércio exterior diminuir e desacelerará quando o mercado estiver em expansão, cumprindo um papel de atuar contra os ciclos econômicos.
O banco financiará projetos de engenharia realizados por empresas brasileiras no exterior, desde que contenham produtos brasileiros em sua construção. Deverá atuar em cerca de meia centena de países e ter, rigorosamente, zero de inadimplência nesses financiamentos.
Na carteira total do banco, deveremos limitar a inadimplência a 0,05% de inadimplência, mesmo tendo em conta que a média do sistema financeiro nacional está próxima a 3%.
Bem, esse banco existe: é o BNDES. E todos os dados citados acima são bem próximos aos dados reais.
O que a ONU pensa do BNDES?
A UNCTAD, órgão das Nações Unidas para o comércio e o desenvolvimento, em seu relatório de 2015 aponta que “o desenvolvimento transformador requer, entre outras coisas, projetos de larga escala e longa maturação, que envolvem riscos que os bancos privados não querem assumir, especialmente quando seus passivos são de curto prazo”. A quase totalidade das aplicações financeiras no mercado brasileiro é para prazos curtos.
O relatório prossegue afirmando que muitos dos grandes projetos promovem “retornos sociais maiores do que retornos privados”. Essa distinção é importante para avaliarmos que tipo de retorno esperar de bancos de desenvolvimento como o BNDES. O retorno pode ser um benefício para toda a sociedade e não especificamente um lucro privado.
Os bancos de desenvolvimento “podem, também, ser capazes de sustentar, ou mesmo aumentar, os empréstimos durante choques econômicos, como quedas agudas nos preços das commodities ou desastres naturais. Isso, por sua vez, pode ajudar o país a manter seu nível de renda e sua atividade econômica. Esse fato ficou evidente durante a crise financeira global [que começou em 2008], por exemplo, quando os empréstimos tanto do CDB, Banco de Desenvolvimento da China, como do BNDES foram grandes o bastante para contrabalançar o declínio provável do investimento durante a crise”, conclui o relatório.
Quanto custaria esse banco para a economia brasileira?
Pela quantidade de benefícios que alcançaríamos poderíamos pensar em gastar 1 % do PIB nesse projeto, não é?
Para conseguir cumprir seu papel no desenvolvimento do país e acelerar sua atuação, o Tesouro tomou recursos no mercado financeiro e os transferiu para BNDES com taxa de juros menor. Isso implica um custo para o Tesouro.
Em artigo de agosto de 2015, a Folha de São Paulo, citando suposto estudo do Ministério da Fazenda, estampa que “empréstimos subsidiados do BNDES custam R$ 184 bilhões à União”. Dentro da matéria descobre-se que essa estimativa foi feita para os próximos 40 anos. Vamos imaginar que esse número (R$ 184 bi) seja uma boa estimativa. Conclui-se que o custo acima é R$ 4,6 bilhões por ano, menos de 0,1% do PIB. Não é um custo tão alto para todos os benefícios que listamos acima, concorda?
Vamos fazer uma comparação. Em doze meses, de setembro do ano passado até agosto desse ano, o governo gastou, com juros, R$ 484,4 bilhões, ou 100 vezes o custo anual do BNDES estimado pelas hipóteses usadas pelo Ministério da Fazenda.
Ainda assim, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, fez outro cenário que leva em conta a margem cobrada dos clientes, deduzindo-se os custos administrativos do banco: “ao incorporar-se a margem do BNDES, porém, o custo cai para R$ 44,5 bilhões”. Por 40 anos, esse valor representaria pouco mais de R$ 1 bilhão por ano. É plausível, ainda, deduzir-se o imposto que os novos projetos pagarão, mas fiquemos por aqui.
Num país em que a taxa de juros é constantemente a mais alta do mundo e em que inexistem empréstimos de longo prazo no setor financeiro privado, o modelo atual de negócios do BNDES é vital para a economia e seu custo não é alto se comparado aos benefícios.
A maioria dos economistas cita o baixo investimento como causa central para o crescimento econômico menor do que o desejável. Eles entram em evidente contradição quando exageram o custo do BNDES e criticam sua atuação. A luta política está fazendo o que pode para tirar os dois mais importantes tubos de oxigênio da economia brasileira: BNDES e Petrobras.
Para ter acesso aos dados do BNDES veja:http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/empresa/download/AF_DEPCO_Portugues.pdf
O artigo de Luciano Coutinho avaliando o custo do BNDES para o Tesouro está em: http://www.pt.org.br/luciano-coutinho-o-bndes-e-o-tesouro-nacional
O relatório da UNCTAD, em inglês, está disponível em: http://unctad.org/en/PublicationsLibrary/tdr2015_en.pdf