Guido Mantega, depois de 12 anos em diferentes cargos no governo federal, deixou o governo com grande desaprovação, tachado de incompetente e responsável pelo crescimento baixo da economia do país e pelo desajuste das contas do governo. Joaquim Levy, que o substituiu no início de 2015, saiu em menos de 1 ano, contribuiu para o aprofundamento da nossa crise econômica, é tido como um ministro competente que não teve o apoio necessário para ser bem sucedido.
Será que essa história de Mantega e Levy está sendo contada fielmente? Será que todos concordam com essa versão dos fatos? Bem, vamos a uma opinião diferente. Vamos começar falando sobre a dificuldade de se separar a economia da política.
Outro dia, ouvi um deputado federal dizer que a crise política só se resolverá com o fim da crise econômica. Sinto informar, senhor deputado, que não existe a menor chance de sairmos da recessão sem antes, minimamente, desatarmos o nó político. Se consumidores e investidores não conseguem enxergar o horizonte político, não podem igualmente ver o horizonte econômico. Retraem-se implacavelmente. Sem consumo e sem investimentos a economia degringola, como estamos vendo.
No início do capitalismo não havia separação entre a política e a economia. Eram matérias inseparáveis, partes de um mesmo todo. Em dado momento ficou mais “vantajoso”, mais fácil de convencer a opinião geral se a economia fosse tratada como uma ciência da natureza. A política, coitada, não teve outra saída senão continuar a ser tratada como ciência social. Muitas vezes na história se viram governantes ungidos por poder divino, governavam por “força da natureza” como, até hoje, tentam nos convencer que é a economia. As diferentes teorias econômicas, no final das contas, atendem diferentes interesses políticos, de classes sociais.
A verdade, então, é que nem Mantega nem Levy criaram a crise política. Cada um deles faz parte de campos diferentes. Mantega militou por desenvolvimento com distribuição de renda. Levy queria o ajuste fiscal e a queda da inflação a qualquer custo. Mas ambos são impotentes, assim como qualquer outro economista, para fazer o país crescer quando o poder econômico tenta todas as artimanhas para derrubar a presidenta. Medidas econômicas não conseguem sobrepujar os efeitos perniciosos do golpismo.
Quando a presidenta foi reeleita, o que significava apoio da maior parte do povo, tentou conquistar também os donos do capital: banqueiros, industriais e endinheirados em geral. Levou para chefe da equipe econômica um economista neoliberal insuspeito para os ricos. Dilma estava tentando lidar com uma crise política instalada em que o poder econômico, os meios de comunicação e a classe política não aceitavam o resultado das urnas. Tentava um pacto para governar. Era como se a presidenta dissesse: “abro mão da política econômica em troca de poder governar e continuar minha política social”. Mais ou menos como Lula fez ao ceder, por anos, o Banco Central a um banqueiro.
Na posse de Levy, o país vinha de gastos do governo acima das receitas. A tentativa de desviar o rumo de uma recessão, implicou gastos e investimentos maiores. Depois de muitos anos de superávits primários, gastamos em 2014 mais do que arrecadamos, mesmo antes de considerar as despesas os juros da dívida pública. Compunham o quadro, também, inflação em alta e preços administrados atrasados, especialmente derivados de petróleo. Atrasados no sentido que já deveriam ter sido reajustados muito antes, mas não foram para não se fazer pressão na inflação.
Ainda com Mantega no comando, o governo tentou incentivar a economia, enfraquecida, dentre outras razões, pelo quadro internacional, diminuindo impostos de alguns setores. Imaginava-se que com menos impostos os empresários venderiam mais, lucrariam mais, investiriam mais e atuariam como motores a propulsionar a economia para o crescimento. O conjunto dessas ações, aumentar o gasto público, segurar preços públicos e subsidiar alguns setores, não resultou em crescimento econômico em 2014. Possivelmente, no entanto, ajudaram o país a atravessar mais suavemente os anos após 2008, quando o mundo experimentos a maior crise econômica desde a depressão de 1929.
A teoria neoliberal advoga que o governo deve manter suas contas ajustadas a qualquer custo, ou seja, não gastar mais do que arrecada, mesmo que isso signifique desemprego e miséria. Deve, ainda, lutar com todas as armas para manter a inflação baixa mesmo que isso implique recessão.
O que nosso novo ministro neoliberal enxergou foi uma economia estagnada, o governo gastando mais do que arrecadava e preços, que tinham impacto nas contas do governo, que precisavam ser reajustados. Suas ações tiveram o objetivo de corrigir todos esses desajustes. Ao mesmo tempo e de uma só vez aumentou preços que estavam sob seu controle, cortou gastos e investimentos, aumentou impostos, cortou subsídios.
Ocorre que em economia nunca existe uma só saída e as soluções podem ser graduais. Ao fechar todas as torneiras e decidir corrigir todos os desajustes de uma só vez e ao mesmo tempo, o ministro deu um sinal inequívoco para consumidores e empresários de que haveria uma recessão brava: o pé no freio não deixou dúvidas para ninguém. Quem não freasse da mesma forma, arriscava-se a dar de cara com um muro logo à frente. Acelerar os negócios e ser pego por uma recessão é o caminho mais curto para a bancarrota. E de quebra levou a inflação para cima de 10%.
O resultado, que era previsível desde o começo, foi que a arrecadação do governo piorou muito, pois a economia em recessão gerou menos impostos e todos adiaram seus planos, fossem eles de consumo ou de investimento. Círculo vicioso é o nome que se dá ao fato de o governo ao aprofundar a desaceleração da economia, também gerar menos impostos. Com arrecadação menor, o governo precisa gastar menos ou retirar mais recursos da economia, isso aprofunda ainda mais a recessão, numa sequência sem fim de eventos que retroalimentam a desaceleração econômica. Receita neolibral clássica muito aplicada pelo Funso Monetário Internacional para colocar de joelhos os emergentes endividados.
Dilma tentou conquistar apoio do poder econômico ao nomear o Ministro da Fazenda. Não conseguiu, perdeu apoio de parte de seus eleitores e contribuiu para uma recessão maior do que o necessário. O desemprego subiu e o investimento caiu, ambos de modo bastante veloz, a inflação mostrou suas garras e a crise política se agravou.
Uma economia em recessão, num cenário de fraqueza da economia mundial, contou com um ministro que alardeou a austeridade aos quatro ventos e apertou todos os freios que tinha a seu alcance. Agregue-se a tudo isso o nevoeiro político em que golpistas de todos os matizes tentavam derrubar a presidenta. O resultado, agora conhecido por todos nós, não poderia ser outro: uma tempestade perfeita sobre uma economia que, em 2014, tinha alguns problemas, mas estava muito distante do abismo.
Certamente os economistas neoliberais, que abundam em nossos meios de comunicação, não admitirão a responsabilidade de Levy por grande parte do tombo que nossa economia sofreu em 2015.
Mantido Mantega como ministro da fazenda, o apoio político não teria vindo. Como de fato não veio nem com Levy. Mas esses erros, que tiveram papel central no aprofundamento da crise econômica e na aceleração da inflação, certamente, não teriam sido cometidos. Outros menos importantes talvez, esses não!
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