Nada dá mais orgulho para a Samarco que suas bolas de ferro. O principal produto da empresa são pelotas de minério concentrado. A mineradora as vende para diversas siderúrgicas espalhadas pelo mundo e só depois que elas são transformadas nos metais utilizados no nosso dia a dia. No entanto, esta maravilhosa alquimia tem um custo. Parte se torna o imenso lucro da empresa, que superou R$ 2,8 bilhões em 2014. Mas há outro custo, não tão assumido publicamente, apesar de inegável: os rejeitos.
Conforme a gente ganha experiência tanto em lutas sociais quanto no jornalismo, aprendemos que existe uma convenção silenciosa que nos proíbe de abordar o assunto. Não é para se falar de rejeitos. Se se fala, não deve ser lembrado. Se se lembra, é para ser esquecido. Aquilo que é desprezado da produção capitalista, aquilo que não é visto como suficientemente lucrativo por algum empresário, deve ser ignorado. É simplesmente algo ou alguém inútil, descartado pelo mundo e indigno de nossa atenção: os rejeitados.
Porém, chega um ponto que os rejeitos se acumulam tanto que não se pode mais desviar os olhos. Eles rompem as barragens e se lançam no ambiente, se somando a outros rejeitos, como rios, animais, plantas e pessoas. A tragédia que se iniciou em Bento Rodrigues em novembro de 2015 continua até hoje e não para de crescer. Em suas primeiras horas, levou 19 vidas e deixou centenas de desabrigados. Nos primeiros dias, contaminou uma das maiores bacias hidrográficas do mundo, afetando cerca de um milhão de pessoas que dependem do Rio Doce. Nas primeiras semanas, deixou milhares de pescadores sem trabalho e poluiu centenas de quilômetros do litoral do Espírito Santo e da Bahia. No seu primeiro ano, ninguém foi preso pelo crime.
A esperança do governo e das empresas é que a omissão continue. Se não podem mais serem contidos em represas, os rejeitos devem ser descartados da vista e da memória. Sem o rio que lhes dava subsistência, ribeirinhos são deixados à própria sorte, cidades inteiras são abastecidas por água imprópria ao uso e milhares aguardam pela recuperação que não virá tão cedo. É indiscutível que o maior desastre ambiental da história do Brasil representa uma perda irreparável. Por isso, estamos em luto pelas vidas humanas, animais e vegetais atingidas. Mas, luto para que os responsáveis sejam devidamente punidos. Luto para que suas vítimas sejam justamente compensadas. Luto contra o ciclo de rejeição.
O Movimento de Atingidos por Barragens (MAB) é a principal organização civil que lidera a luta pelos direitos dos impactados. Nas vésperas do aniversário do rompimento da Barragem de Fundão, eles marcharam por centenas de quilômetros, passando por várias das cidades atingidas pela lama de rejeitos. A Tragédia traz à tona as contradições de um modelo de desenvolvimento que se sustenta pela exclusão, seja de matéria seja de vidas. Aqui temos uma coleção de olhares que recusam rejeitar. Um ano de lama, luto e luta