The Economist implora: um reformador pelo amor de Deus!

reprodução do site www.economist.com

Os malabarismos da revista The Economist, na matéria que publicou sobre o bicentenário de Karl Marx, constituem um belo exemplo do funcionamento da imprensa corporativa hegemônica no mundo capitalista que vivemos.

A revista diz que uma biografia de Marx deveria ter como subtítulo “um estudo sobre o fracasso”. Afirma que sua filosofia foi responsável pela fome, pelos gulags e pelas ditaduras que acometeram parte da humanidade. “Ele foi um ser humano horroroso”, aponta o texto, ressaltando que engravidou sua empregada e mandou o filho para pais adotivos. Acrescenta ainda frase atribuída a Bakunin que Marx era ambicioso, vaidoso, briguento, intolerante e vingativo. A revista assegura que Marx explorava Engels, que era um racista inveterado e que seus erros superam de longe seus acertos. A revista não disse que Marx era barbudo, cabeludo e feio. Imagino que lhes ocorreu acrescentar essas qualificações, mas recuaram.

O artigo tem como título, entretanto, um incentivo para que os governantes do mundo o leiam e, como subtítulo, que seu diagnóstico sobre as falhas do capitalismo é surpreendentemente relevante. Como assim? Aquela pessoa horrível e fracassada deve ser lida pela classe dominante pois tem ensinamentos importantes? Sua análise do capitalismo, feita há mais de 150 anos, continua indispensável? Bem, estamos começando, afinal, a nos acostumar com o método de desmerecer a pessoa para tentar contornar o que é incontornável.

O que deveriam os reformadores liberais fazer? The Economist responde:

“Eles deveriam usar o 200º aniversário do nascimento de Marx para se familiarizarem com o grande homem – não apenas para entenderem as falhas sérias que ele identificou brilhantemente no sistema, mas para se lembrarem do desastre que os espera se não conseguir confrontá-lo.”

Uai? Marx saiu de sujeitinho desprezível para “grande homem” em algumas linhas. Fizeram “copipeist” de escritos de mais de uma pessoa? Ou esperavam que a maioria só lesse o começo da matéria?

A matéria coloca em evidência a tendência, apontada por Marx, do capitalismo em direção ao monopólio, já que as empresas mais fracas são impiedosamente engolidas. Lembremos que não existe preço de mercado no monopólio: o monopolista coloca o preço, e por decorrência seu lucro, onde quiser. “O Facebook e o Google sugam dois terços da receita publicitária online da América. A Amazon controla mais de 40% do crescente mercado de compras online do país”, salienta o artigo para exemplificar a concentração do nosso tempo.

Tem mais. A revista aceita que os reformadores liberais “salvaram o capitalismo de si mesmo” e, mais ainda, que o modo de produção capitalista tende ao descontrole: “a globalização e a ascensão de uma economia virtual estão produzindo uma versão do capitalismo que mais uma vez parece estar fora de controle”. É preciso ser muito pessimista para achar que esse modo de produção, que sai frequentemente do controle e que precisa ser protegido de si mesmo, é o ponto mais alto de desenvolvimento social que os humanos são capazes de arquitetar, não é verdade?

Embora a revista seja assumidamente conservadora e incentivadora da crença neoliberal, a matéria descortina certo temor com o andar da carruagem. Ele lembram que Marx ensinou que o capitalismo produzia um exército de trabalhadores de reserva que rodopiavam de uma ocupação a outra e complementam:

“A economia gig [termo usado para a economia em que há grande número de trabalhadores temporários, sem vínculo empregatício] está reunindo uma força de reserva de trabalhadores atomizados que esperam ser convocados, por meio de capatazes eletrônicos, para entregar a comida das pessoas, limpar suas casas ou atuar como seus motoristas…O proletariado de Marx está renascendo como o ‘precariato’.”

A revista mostra-se seriamente apreensiva:

“Até agora, os reformadores liberais estão se mostrando tristemente inferiores aos seus antecessores em termos de compreensão da crise e de sua capacidade de gerar soluções.”

Acho que essa frase me permitiu entender o objetivo da matéria. Era preciso, no entendimento deles, puxar as orelhas das classes dominantes para reformarem rapidamente o capitalismo, para dar-lhe uma sobrevida que traga conforto à “nobreza”. Os ensinamentos de Marx servem perfeitamente para este fim. Contudo, era preciso tirar da cabeça de todos aquelas ideias socialistas “pecaminosas” que caminham coladas com as críticas de Marx.

Devem ter ficado com dores na coluna pelo contorcionismo excessivo. O custo, porém, não deve ter sido muito alto. O importante, para eles, é que o artigo permaneceu fiel à sua ideologia, ultraconservadora e neoliberal.

Nota
O artigo da revista The Economist está em https://www.economist.com/news/books-and-arts/21741531-his-bicentenary-marxs-diagnosis-capitalisms-flaws-surprisingly-relevant-rulers

COMENTÁRIOS

Uma resposta

  1. Cesar Locatelli, a nossa imprensa, quer dizer, a imprensa que podemos chamar hegemonica brasileira faz isso o tempo todo, há anos. As universidades, com exceção das que conhecemos tradicionalmente, também costumam deixar Marx prá lá, porque o governo manda, via ministério da educação. Agora, o mais grave é que esse método se estende à tudo que não condiz com as diretrizes impostas pelos patrões e pelo caminho do dinheiro. Por isso vivemos um atraso fenomenal nos programas da tv aberta no brasil que não se justifica por que outros países também o fazem. A inteligencia brasileira é relegada a nada.

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