Secundaristas protestam com intensa atividade cultural durante ocupação de escolas no Rio

O movimento de ocupação das escolas no Rio de Janeiro ganhou força. O número chegou a mais de 70 escolas ocupadas e o que elas têm em comum, além das reivindicações que incluem temas como eleição direta para diretores, melhorias nos espaços físicos e superlotação das salas de aula, é uma intensa agenda cultural, que começou há algumas semanas. Diariamente, as escolas têm recebido artistas, intelectuais, professores, chefs de cozinha e outros simpatizantes de diferentes áreas no que vem sendo chamado de transformação do espaço público em espaço público ativo e crítico.

A programação tem sido amplamente divulgada nas redes sociais, principalmente no facebook, em páginas cujos nomes reúnem a palavra de ordem “ocupa” e o nome da escola. No último sábado (16/04), visitamos o Colégio Estadual Visconde de Cairu, no Méier, Zona Norte da cidade, que recebeu uma iniciativa inusitada. A chef Bianca Barbosa, à frente das cozinhas do Aconchego Carioca – um dos restaurantes mais badalados da cidade –, na Praça da Bandeira, e do Rivalzinho, bar do Teatro Rival, na Cinelândia, reuniu um grupo de dez pessoas e preparou pessoalmente uma feijoada para os alunos que ocupam a escola. O movimento foi registrado pelo fotógrafo Berg Silva, que teve a companhia da professora e pesquisadora Sonia Souza.

 

Thiago Flores, também chef de cozinha, amigo de Bianca e à frente do Circo Voador, doou 100 kg de alimentos. Bruno Magalhães, chef do bar Botero, ajudou a preparar a feijoada. “Diante da situação atual do país, tema pelo qual estive politicamente mobilizada nos últimos meses, me questionei o que poderia fazer de mais efetivo, que desse retorno imediato e que envolvesse os jovens. Cozinhar para alunos secundaristas, que são uma voz importante da nossa sociedade, foi a maneira que encontrei para ampliar a minha militância”, avalia Bianca Barbosa.

Ocupa Cairu15_Bianca Barbosa_Berg Silva

O fotógrafo Berg Silva lembrou com carinho seus tempos de aluno na Visconde de Cairu, mas ficou decepcionado com as dependências físicas da escola, que degradaram desde sua época. “Foi ali onde estudei o ensino médio, que construí sonhos e amigos que me acompanham até hoje. Uma emoção indescritível percorrer os espaços, encontrar antigos funcionários e perceber que os alunos ainda amam este colégio, como minha geração sempre amou. Uma grande revolta contra os sucessivos governos que insistem em destruir este patrimônio da população do Rio de Janeiro. Um colégio que sempre foi referência na educação, nas artes e nos esportes. Hoje abandonado pelo governo do Estado”, reflete o fotógrafo, que voltará no próximo sábado (23/04) para dar aula de fotografia aos alunos da escola.

A escola está sucateada. Não conseguimos usar, por exemplo, laboratório de ciências, pois não há equipamentos. O que temos é o básico do básico, precisamos de muito mais. O governo ainda não falou conosco, tem ignorado o movimento. A proximidade para diálogo ainda não aconteceu. Eduardo Abel, 18 anos, segundo ano.

 

No mesmo sábado, pessoas sensibilizadas com a ocupação, passaram pela escola para fazer doações e se juntaram ao movimento. “Quando vi, uma das pessoas era um cliente antigo do Aconchego e fez questão de colocar a mão na massa. Logo estavam todos cozinhando”, conta Bianca, que já pensa numa segunda edição, em outra escola.

Ocupa Cairu2_Berg Silva

A jornalista e mestre em Literatura Mariana Filgueiras também se mobilizou e irá na ocupação na próxima terça (26/04) para uma oficina de Literatura. Ela pretende fazer uma abordagem de diários como gênero literário. “Iremos do Diário de Anne Frank ao Diário de um Banana. A ideia é que os alunos montem um diário da ocupação. Quem sabe esse material registrado por eles, que com certeza será riquíssimo em conteúdo, não pode virar um livro depois?”, vislumbra a jornalista.

 

“Até antes da ocupação, com a greve dos professores, quando já estávamos sem aula, nos mobilizamos para não perder tempo. Montamos uma agenda de debates e aulões. Com a ocupação isso aumentou bastante. Escolhemos temas importantes como homofobia, racismo e aborto. Precisamos desconstruir a ideia de que aula é uma coisa fechada, alunos ouvindo e professores falando. Acreditamos numa aula onde haja troca de conhecimento entre aluno e professor. A ocupação tem deixado claro que isso é possível exatamente pelo dinamismo das ações que têm acontecido. Durante a ocupação, ficou claro que a sociedade se comove com a nossa situação. São pessoas de diferentes posições que vão para acrescentar. Estão na comissão de frente conosco, lutando por uma educação de qualidade, não nos deixam à toa na luta” – Pablo Miceli, 18 anos, aluno do terceiro ano.

 

A agenda nas escolas é intensa e democrática. Cada um chega com o que tem a oferecer. No C.E.  Amaro Cavalcanti, no Largo do Machado, Zona Sul carioca, as intervenções começam às 9h e terminam à noite, com um aulão que começa às 19h. Na quinta (21/04), está programada oficina de fotografia com celular, aula de dança, roda de conversa sobre a história dos movimentos sociais. Na sexta (22/04), jogos musicais colaborativos e aula de espanhol.

 

Há quem diga que a educação nas escolas ocupadas está muito mais forte e interessante do que em dia de aula normal… Há quem prefira continuar ignorando a força dos secundaristas, vitoriosos em São Paulo e bem articulados em Goiás. O governo paulista respondeu com repressão e adiou o projeto de “reorganização” das escolas. No Rio, a cada dia novas ocupações acontecem e o governo ainda não sabe como lidar com os alunos, apesar de já estar em diálogo com professores em greve, acreditando assim poder levá-los de volta à sala de aula. Falta perceber que os estudantes, que estiveram à frente de movimentos sociais importantes, querem ser ouvidos. Para traçar um paralelo paradoxal com a conjuntura atual, eram eles que estavam em maioria nas ruas com as caras pintadas pedindo o impeachment do ex-presidente Fernando Collor, em 1992. Não resta dúvida da força do clamor desses jovens. E o que eles pedem agora é educação. Nada mais legítimo.

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