Depressão. Transtornos, como do sono. Vômito. Diarreia. Ociosidade que causa estresse, dependência química em álcool e outras drogas. E o contato com a lama e a água contaminada pode provocar doenças que levam à morte.
Durante o 1° Encontro Nacional dos Atingidos que aconteceu em Mariana entre os dias 3 e 5 de novembro, a Rede Nacional de Médicos e Médicas Populares apresentou um dossiê sobre a saúde dos atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão.
“A gente fica em quarto apertado e sem quintal. Ninguém aguenta mais, estamos estressados e cansados”. Muitos atingidos tiveram de deixar suas casas na roça, onde viviam de plantações e criação de animais. Hoje vivem em casas alugadas pela Samarco.
A tragédia obrigou um novo estilo de vida àquelas pessoas, o que está provocando muitas doenças. Além de perder casas e entes, as perdas naturais e simbólicas provocam alterações mentais. As pessoas perderam as referências. Há muitos casos de depressão, inclusive com uma vítima fatal, casais se separando e muito stress.
O solo e a água foram tomados pelos rejeitos de minério, onde há metais pesados como alumínio, chumbo, arsênio, mercúrio. O contato das pessoas com esses metais faz com que eles se acumulem no corpo, o que pode alterar funções dos neurônios e do coração, causar cefaleia, câncer e anomalias reprodutivas.
A rede chama atenção para a qualidade da água e a probabilidade de o ecossistema não se recuperar. A própria falta de água também causa infecções, pela não limpeza de alimentos, do corpo e da casa.
“Lama em Barra Longa”
Na segunda cidade atingida pela lama, foram agravadas as doenças respiratórias nos idosos e a vida agora é dentro de casa. Nas crianças surgiram as doenças respiratórias e manchas na pele.
Sônia, de Gesteira, distrito do município, deu seu depoimento durante o encontro. Assustador. Segundo ela, a filha não para de apresentar diarreia, febre e manchas pelo corpo. Ela fez a denúncia absurda de que a empresa, juntamente com a prefeitura, usou rejeito para fazer o calçamento na cidade. Sônia conseguiu um laudo comprovando que a filha passou a apresentar os sintomas depois da chegada da lama, mas a empresa se negou a pagar um tratamento e mandou a mãe procurar pelo SUS.
A lama que atingiu Barra Longa na madrugada do dia 6 de novembro destruiu os espaços públicos e coletivos, como a calçada de caminhada, a praça, o campo de futebol… Após um ano, o cenário não mudou. Há lama por todo o lado. Na seca, poeira de lama; na chuva, barro de lama. Segundo Sônia, a empresa age como se estivesse em uma mineradora. “Não há mais bem estar na cidade. A rotina são os caminhões trabalhando dia e noite, muitos funcionários da empresa circulam pela cidade, o que limita nossa circulação”, desabafou.
E de novo aquela velha história: os atingidos não têm voz, nem acesso às informações. Não há diálogo. A energia dos moradores está mais cara, há mais gastos com produtos de limpeza e são muitas as violações de direitos.
A rede mencionou que há ainda o aumento de DST’s – Doenças Sexualmente Transmissíveis, pelo fato de as cidades atingidas estarem mais cheias e tumultuosas.
“Saúde das mulheres, a mais afetada”
O relatório da Rede de Médicos e Médicas Populares constatou que a saúde das mulheres é a mais afetada. Principais responsáveis pelo cuidado da casa e da família, elas acumulam o peso de uma lama criminosa.
A pescadora Creuza, de São Mateus, cidade atingida no Espírito Santo, carregava sua filha nos braços mostrando os machucados e as manchas na pele. O sofrimento é maior pois nenhum exame médico conseguiu detectar o problema.
Os peixes também estão contaminados pela lama e não há mais pesca no Rio Doce e no litoral atingido. Os catadores de carangueijos e pescadores estão sem onde tirar o sustento das famílias e o próprio alimento.
Em um grito de desespero, a mãe encerrou a fala: “A SAMARCO VAI TER DE PAGAR POR TODO O CRIME QUE COMETEU.”