República de Congonhas: ex-ministro de FHC critica ação contra Lula e compara atitude de Moro a de golpistas do passado

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Por Maria Carolina Trevisan, especial para os Jornalistas Livres

Na manhã desta sexta-feira (4/3), o juiz Sérgio Moro, responsável pelas investigações da Operação Lava Jato, em atitude contrária aos princípios do devido processo legal, obrigou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a prestar depoimento sob “condução coercitiva”. Agiu como um justiceiro, à revelia do que propõe um Estado Democrático de Direito. A atitude foi desnecessária e leviana. Lula declarou que falaria se tivesse sido convocado, como o fez outras vezes. Para conduzi-lo coercitivamente, o ex-presidente teria de haver recusado duas vezes o convite para depor, mas não houve nem a primeira intimação.

Paulo Sérgio Pinheiro é presidente da comissão independente internacional da ONU de investigação sobre a República Árabe da Síria, em Genebra. Professor Titular de Ciência Política e pesquisador associado ao Núcleo de Estudos da Violência, da Universidade de São Paulo | Foto: Jean-Marc Ferre/ UN
Paulo Sérgio Pinheiro é presidente da comissão independente internacional da ONU de investigação sobre a República Árabe da Síria, em Genebra. Professor Titular de Ciência Política e pesquisador associado ao Núcleo de Estudos da Violência, da Universidade de São Paulo, nunca foi petista. | Foto: Jean-Marc Ferre/ UN

O depoimento de Lula nada trouxe de novo às investigações. Porém, a atitude do juiz fez borbulhar ainda mais a raiva – cada vez menos contida – de defensores da direita, o que provocou reações também violentas de militantes petistas. Na roda gigante que move as discussões políticas no Brasil hoje, estamos na iminência de uma guerra. O que se viu ontem no Aeroporto de Congonhas e diante da casa de Lula nas horas que antecederam a fala do ex-presidente, é um aviso de que o próximo capítulo, previsto para o dia 13 deste mês, pode ter ainda mais violência.

Nesse perigoso jogo, Moro sucumbiu ao espetáculo. Vaidoso, submeteu-se e foi ator central na escalada de “revelações” capitaneadas pelo “Jornal Nacional” em parceria com a revista IstoÉ. Na balança da ética jornalística, sabe-se que para publicar vazamentos é também necessário apurar as acusações descritas. Não bastam supostas delações. As declarações de uma única fonte não servem como atestados de verdade absoluta.

A atitude arbitrária do juiz, com reforço da mídia, acabou por expor a própria população a um limbo em que não se reconhece nem a Justiça e nem a verdade (que seria o propósito da fase de investigações apelidada de “aletheia”, ou “busca da verdade”, na versão heidggeriana da palavra). E daí para aprofundar as vertentes fascistas da nossa elite, não falta nada. O deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), que também é advogado, acompanhou o testemunho do ex-presidente e classificou a condução coercitiva como “um baú de ilegalidades”.

Junte-se a isso o fato de que levar Lula para depor no Aeroporto de Congonhas remete inevitavelmente à atitude de militares golpistas que conduziram familiares de Getúlio Vargas a depor, em 1954, no Aeroporto do Galeão, dias antes de seu suicídio.

“Temos hoje a República de Congonhas, da Polícia Federal e do Ministério Público. Com exibicionismo atrabiliário, Moro se equivocou sesquipedalmente, justamente por fazer um bis da coreografia da República do Galeão”, afirma Paulo Sergio Pinheiro, cientista político, membro da Comissão Nacional da Verdade e ex-secretário de Estado de Direitos Humanos no governo FHC. “Não há nenhuma defesa que caiba para essa decisão desnecessária e autoritária do juiz Moro. Com a desculpa de evitar confrontos, estimulou tumultos e brigas”, completa Pinheiro. 

Tumulto em Congonhas | Foto: Mídia Ninja
Tumulto em Congonhas | Foto: Mídia Ninja

Não cabe aos Jornalistas Livres defender Lula, como supuseram alguns leitores no decorrer do dia de ontem. Nosso papel é defender a democracia e mostrar também a versão que poucas vezes tem atenção dos jornalões e das TVs: compreender os fatos desde o ponto de vista do povo, dos trabalhadores, daqueles que historicamente são os mais oprimidos no país. Também faz parte da nossa responsabilidade como jornalistas traduzir o caminhar de uma operação do tamanho da Lava Jato. Porque o perigo para a democracia pode não aparentar monstruoso. Vem travestido de sensato, fundamentado no combate à corrupção, como um “heroi” que salva a pátria amada.

No golpe moderno, a onda que reforça o fascismo que vive na sociedade brasileira à espreita de uma brecha parece vestir terno e camisa – pretos – e dispor da gigantesca máquina midiática. Está onde não se enxerga: no “jornalismo” e na “Justiça”. “Todos esperam ver um monstro ou uma criatura do inferno, mas na verdade veem um banal burocrata da morte cujas personalidade e atividade são testemunhos de uma extraordinária normalidade e até de um elevado senso de dever moral”, escreveu Leonidas Donskis no livro “A Cegueira Moral”, de sua autoria e do sociólogo Zygmunt Bauman.

É hora da resistência e defesa da democracia se levantarem fortemente. “Nesta sexta vimos um grande passo para um golpe final contra a democracia no Brasil. Portanto, a resistência democrática precisa agir rápido, se manifestar no Brasil inteiro, formar uma corrente em defesa do Estado Democrático de Direito e fazer respeitar a eleição”, alertou o deputado Jamil Murad (PCdoB), que acompanhou a ação no aeroporto de Congonhas desde o início. “Aqui não é 1964, não. Precisamos impedir o golpe.” Ou, como orientou o ex-presidente Lula, eleito com mais de 58 milhões de votos (no segundo turno de 2006), “é preciso recomeçar”.

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