R-existência no corpo incrível dos B-Boys

 

Meninos ágeis, fortes e elásticos fazem movimentos impossíveis ao som da batida forte de músicas sampleadas. São lindos meninos que dançam break num domingão, disputando o duelo que acontece na quadra da Escola Estadual Doutor João Ernesto Faggin, na Vila Clara, periferia do Jabaquara (Z/S de São Paulo)

 

É puro amor pela arte, pela criação, pela vida.

Se você só é capaz de mexer seus músculos ou mobilizar a sua inteligência se tiver grana envolvida, saiba que esses gênios da dança entregam de seis a sete horas de suas vidas por dia para treinar os passos das coreografias sensacionais que exibirão numa quebrada como a da escola Doutor João Ernesto Faggin. Ao vencedor será dado um troféu. Grana, nenhuma.

A escola que abriga o duelo neste domingo tem grades para todos os lados. A pintura está desgastada. Mas basta os meninos começarem a voar e rodopiar dentro do quadrado de decorflex no chão da quadra de esportes –a pista de dança — para que o espaço se transforme. Torna-se o coração da liberdade, do sonho, da cultura.

Mauricélio de Lima Barros, 21 anos, o Mauri Lima, foi o campeão da disputa que envolveu 35 dançarinos de vários estados. Mauri é um rapaz sério e tímido. Nasceu em Diadema, na Grande São Paulo, e hoje divide-se entre São Bernardo do Campo e Juazeiro do Norte, terra do Padre Cícero. Ele se torna um gigante quando entra no decorflex.

Membro de um time de B-Boys conhecido como RootsFavela Crew, Mauri vive para o hip hop, embora não tenha conseguido, até aqui, viver do hip hop. Ele treina muito, ouve rap, tenta uns versos, e observa. Observa muito.

Seu colega de time, Marcos Rafael Freitas da Silva, 21 anos, que se consagrou vice-campeão no duelo deste domingo, explica que ele e os amigos observam muito todos os movimentos: “Se estou tomando banho e passo a mão na cabeça para lavá-la, pode estar aí um movimento que incorporo na minha dança”, diz. “O tempo todo penso nos movimentos que faço com meu corpo e observo os movimentos que as pessoas fazem com os delas”.

O Brasil já é uma potência nos duelos internacionais de B-Boys. E a tradição vem da década de 1990, quando pioneiros como Edcarlos Faustino Guilherme, hoje com 36 anos, começaram a treinar os primeiros passos. Hoje, Edcarlos é um empresário do setor de transportes que, nas horas vagas, gosta de estimular a abertura de novos espaços para a prática da dança.

A meca dos B-Boys, por incrível que possa parecer, é Seul, na Coréia do Sul. É estranho porque se sabe que a dança de rua nasceu nos anos 1970 entre os negros e latinos de Nova York. Mas os B-Boys coreanos incorporaram aos movimentos do hip hop elementos de danças tradicionais coreanas, como o pungmul e também de lutas, como o taekwondo.Caiu no gosto do país.

Hoje, os duelos de B-Boys na Coréia envolvem grana alta de patrocinadores, a vibração de platéias lotadas e vultosas somas em dinheiro para os grandes artistas.

No Brasil, Marcos Rafael explica que também está buscando “vitaminar” a dança de rua com elementos da sua cultura de origem. Pernambucano de Recife, o menino coloca em suas coreografias as influências explícitas do frevo, do xaxado e do coco –tradicionais do nordeste, ligados à força das culturas negra e indígena, misturadas. “Fica diferente, e fica muito legal”, ele garante.

A B-Girl Karen, brasileira que vive em Copenhagen (Dinamarca) há 23 anos, estabelece bem a diferença entre a cena B-Boy brasileira e a do país europeu. “Aqui no Brasil, os B-Boys vêm das comunidades. É um movimento ligado existencialmente às comunidades pobres. Isso dá uma autenticidade forte e imprime indelevelmente a marca da cultura popular. É notável, por exemplo, que os movimentos dos B-Boys brasileiros têm muita dinâmica e muita acrobacia. Não tenho dúvidas de que isso se deve à influência determinante da capoeira”.

Para manter os corpos tão leves e alongados quanto musculosos, os meninos usam a receita mais tradicional possível: alimentam-se de arroz, feijão, frutas, legumes. Pouca carne. Frituras e óleos são quase banidos. E nada, nada mesmo, de bolas e anabolizantes.

Cansados e felizes com o resultado da prova, os heróis da equipe RootsFavela Crew saíram do duelo deste domingo e foram, juntos, pegar o ônibus que os levaria de volta a São Bernardo. Nenhum deles tem carro. Nada de ostentação. Sua riqueza são seus corpos. Dali a duas horas, estariam em casa. No caminho, avisam, vão pensando nas músicas, nas coreografias, em como melhorar. Eles amam o hip hop.

PS: se você quiser ver uma batalha de B-Boys, não perca: dia 31/10, no Okinawa Club de Diadema, vai acontecer a festa de 30 anos da Back Spin, com toda galera do hip hop presente. Avenida Sete de Setembro N°1.670, telefone 11 7850–7917 .

 

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