E eis que o PSOL escolheu Guilherme Boulos e Luiza Erundina como seus candidatos a prefeito e vice da cidade de São Paulo, no próximo pleito, a realizar-se no dia 15 de novembro, com segundo turno marcado para 29 de novembro, dependendo de a quantas ande a tragédia da covid-19. Trata-se de uma chapa mezzo petista (PT), mezzo psolista (PSOL), já que Boulos é tido como o mais lulista dentre os psolistas e que a deputada Erundina fez grande parte de sua carreira política dentro do PT, partido pelo qual foi eleita prefeita da Capital em 1988.
Por Laura Capriglione dos Jornalistas Livres
Assim, é natural que muitos petistas lancem olhares apaixonados para a chapa do PSOL, que seria o feliz encontro da juventude de Boulos (38 anos) com a experiência de Erundina (85 anos), o match perfeito entre o poderoso movimento de moradia dos dias atuais (Boulos) e a resistência histórica do povo trabalhador, nordestino e periférico (Erundina).
A chapa Boulos-Erundina inflama de entusiasmo os corações petistas porque parece ser o PT de raiz, aquele que era mais ligado às lutas do que aos conchavos. Parece ser o PT sem a burocracia partidária, sem os funcionários sabichões que substituíram a militância. Parece ser o PT sem medo de sonhar. Sem medo de desejar o impossível.
Ocorre que o PT já escolheu Jilmar Tatto para representá-lo na disputa pela Prefeitura, depois de uma disputa acirrada, que envolveu um total de sete candidatos a candidato. Jilmar venceu, é preciso dizê-lo, legitimamente, depois de um processo reconhecido por todos os demais candidatos.
Mas é grande a diferença entre vencer e convencer. Jilmar Tatto parece ter dificuldade para unificar o seu próprio partido em torno de si, que dirá empolgar os movimentos sociais e os setores democráticos. Ou seja, a candidatura de Jilmar Tatto corre o risco de não decolar, apesar do empenho da máquina partidária.
Diante dessa situação, militantes inconformados sustentam que Lula deveria —de novo— “forçar” o ex-prefeito Fernando Haddad a se candidatar pelo PT. Haddad que seria “o único nome com força para empurrar a esquerda para o segundo turno, [que] poderia inclusive unificar a esquerda na cidade.”
Só que Haddad não quer, não cogita, acha que já se “sacrificou demais” pelo partido. Haddad precisa descansar.
Prevê-se um “desastre político gigantesco”, como decorrência de o PT ir para a disputa na principal capital do país “sem a possibilidade de chegar ao segundo turno”.
O drama é que o PT já foi para a disputa na principal capital do país e não chegou ao segundo turno. Foi na última eleição para prefeito, em 2016, quando o candidato era o próprio Haddad, que perdeu a eleição para a chapa Doria-Covas no primeiro turno, fato inédito na história da cidade desde as eleições municipais de 1992, ano em que foram realizadas as primeiras eleições municipais em dois turnos no Brasil.
Mas o PT preferiu recalcar a memória desse desastre anterior, em vez de tentar entender o que levou o maior partido de esquerda ao vexame eleitoral.
A crise do PT na cidade de São Paulo está escancarada. Nenhum dos pré-candidatos que disputaram a candidatura pelo partido empolga a militância. Aliás, todos, com exceção de Kika da Silva, ativista do movimento negro que entrou na disputa na última hora, representam um PT com uma cara muito diferente daquela que tem o povo trabalhador. Jilmar Tatto, Alexandre Padilha, Nabil Bonduki, Paulo Teixeira, Carlos Zarattini e Eduardo Suplicy, os outros pré-candidatos, são homens brancos, de classe média, que estudaram em ótimas faculdades e que estão no PT desde o século passado.
O PT envelheceu e perdeu o encanto porque não foi capaz de compreender as novidades que surgiram dos becos e vielas das periferias. Porque se acostumou demais com os acordos sem princípios (lembra daquela foto-vergonha de Lula, Haddad e Maluf?). Porque se tornou parte do establishment.
Não tem indicação de Lula, não tem “sacrifício” de Haddad, nada e nem ninguém poderá, de agora até as eleições, reverter esse quadro.
E, no entanto, o povo pobre continua gerando inteligências agudas, mobilizadoras e de luta. Como a grande liderança do movimento de moradia no centro de São Paulo, Carmen Silva Ferreira, mulher negra, sem teto, mãe de 8 filhos, que não se cansa de testemunhar como a vida era melhor durante os governos Lula e Dilma. Ou como Paulo Lima, o Galo, membro dos Entregadores Antifascistas, que me disse que “nunca falaria mal do Lula porque sabe que na época em que ele esteve na Presidência os pobres viviam com mais dignidade”. Ou como os professores e professoras que lutam todos os dias nas quebradas em defesa da escola pública e gratuita.
Os governos de Lula e Dilma ainda ressoam forte nos corações das classes populares e é esse o maior ativo do PT.
Em 10 de fevereiro de 1980, dia da fundação do PT, os militantes da esquerda armada, os intelectuais, os sábios que tinham lido o Capital de trás para a frente e da frente para trás, a juventude, os artistas e os católicos ligados à Teologia da Libertação foram obrigados a ceder o protagonismo para a classe operária em luta no chão de fábrica. De lá para cá, a automação demitiu centenas de milhares e reduziu a força sindical dos trabalhadores, é verdade. Mas o povo não parou de lutar. Está lutando, está organizado nas periferias. É hora de os burocratas do PT entenderem que precisam abrir espaço para essas novas lideranças femininas, negras, LGBTs e periféricas (que, aliás, foram empoderadas durante os governos de Lula e Dilma), ou perecerão todos, sufocados e sem respiradores.
O mais importante, agora, é ressuscitar a mais poderosa ferramenta para a emancipação dos trabalhadores já criada no Brasil: o Partido dos Trabalhadores.
(Quanto às eleições para prefeito, é preciso analisar o quadro político com atenção. Ver como a candidatura de Boulos acontece. E como reagirá a candidatura Jilmar Tatto. Sobre essa base, tomar as decisões que reforcem a luta contra o governo fascista de Jair Bolsonaro. O resto, só a luta resolverá.)
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