Conecte-se conosco

Artigo

Protestos contra tarifa: a repressão policial e a via processual constitucional

Publicadoo

em

1. Direito de reunião pacífica 2. Informação sobre aumento da tarifa 3. Conclusão

1.Direito de reunião pacífica

Os incidentes dos protestos de janeiro de 2016, na cidade de São Paulo, em protestos convocados pelo Movimento Passe Livre revelam desproporcionalidade no agir policial, para dizer o menos. Como já afirmou o Supremo Tribunal Federal, em caso envolvendo responsabilidade civil do Estado por ato ilícito praticado por soldado do policiamento local, armado e fardado, em que o policial: “é a encarnação mais presente e respeitada da autoridade do Estado, a presunção jurídica é sempre no sentido de que ele age em função do Estado” (RE 80.839-PR, Rel. Min. Cunha Peixoto, j. 19/09/75)[1].

O direito de reunião está previsto no art. 5º, inc. XVI da Constituição Federal. Como aponta Dimitri Dimoulis, a reunião consiste em “agrupamento de pessoas que decidem encontrar-se e permanecer em determinado lugar para manifestar publicamente certos pensamentos e/ou reivindicações”[2].  Afirma:

“(…) atos de violência isolados que não chegam a ‘contaminar’ a reunião constituem ilícitos imputáveis aos seus agentes, sem afetar a reunião. Isso ocorre, por exemplo, se um manifestante atirar pedras contra a vidraça de um edifício público, sendo imediatamente repreendido e expulso da reunião. Cabe às forças de segurança decidir se a reunião apresenta caráter pacífico, sendo possível o controle judicial para verificar eventual violação do direito fundamental em razão da interpretação-atuação abusiva dos agentes estatais”[3].

Toda reunião deve ser realizada sem armas, diferentemente do que se constatou em acampamento Movimento Brasil Livre, em frente ao Palácio do Planalto, em Brasília, quando do confronto entre este movimento e a marcha das mulheres negras. O manifestante, que era um policial civil do Maranhão, foi preso, pois sacou uma arma, disparando nas imediações do congresso nacional[4]. Não se pode alegar a condição de policial ou licença para portar arma, pois toda reunião deve ser pacífica, nos termos da Constituição Federal. Neste caso, houve uma ação policial pontual, uma prisão, e o Movimento Brasil Livre segue acampado, ou seja, a reunião prossegue. Recordo-me das aulas de graduação com Pietro de Jesus Lara Alarcón que ensinava que a passeata era “uma reunião que anda”.

A questão entre considerar uma reunião pacífica e quando esta deixa de ser pacífica a exigir ação policial recai sobre aquilo que denominamos de discricionariedade administrativa. A literatura policial classifica a busca pessoal em preventiva e processual, o ponto de confluência entre o direito administrativo e o direito processual penal[5]. Todo ato estatal deve ser motivado, na ausência de motivos, a denominada presunção de legitimidade dos atos estatais deve ceder à outra presunção que é a da inocência: garantia constitucional.

Foto por Silas Ribeiro

Foto por Silas Ribeiro

Portanto, o dever policial é de que a reunião prossiga em condições pacíficas. Nada obstante, conforme relatos, na primeira manifestação em frente ao teatro municipal, na sexta-feira, dia 08 de janeiro, quem começou a disparar bombas de gás lacrimogêneo foi a polícia, após o que houve reação dos chamados Black Blocs, com depredações. Conforme descrito pelo Nexo Jornal: “Dezessete pessoas detidas, alguns feridos (entre manifestantes e policiais), três agências bancárias e uma banca de jornal atacadas, dois veículos da CET, uma viatura da polícia e oito ônibus danificados”[6].

Os Black Blocs, a quem é atribuído o pensamento autonomista europeu das décadas de 60 e 70, tiveram participação ativa nos anos 70, na Alemanha Ocidental, contra a construção de usinas nucleares e aeroportos, com confrontos policiais e ocupações de prédios e, posteriormente, na chamada “Batalha de Seattle”[7]. Como afirmado por Pablo Ortellado:

“Em 1999, nos protestos contra a Organização Mundial do Comércio, em Seattle, ativistas não violentos concluíram que essas táticas clássicas não funcionavam mais porque os meios de comunicação deixaram de cobrir a violência policial – e sem reportagens sobre abusos da polícia, não havia como causar indignação na opinião pública. Por isso, propuseram a tática de quebrar vidraças de multinacionais como um meio de resgatar a atenção dos meios de comunicação e transmitir sua oposição aos acordos de livre-comércio (que beneficiavam essas multinacionais).”[8]

Procuram atingir o patrimônio e não pessoas como forma de protesto. Mas como indica a velha sociologia, em casos de crise, existe a necessidade de sanção “a todo preço”, legitimando-se a ficção de responsabilidade por meio do exercício de fabricação de responsáveis, pois “é o crime que chama a pena, e não o criminoso”. A responsabilidade fictícia supre a responsabilidade verdadeira, evidenciando o exercício do que se nomina de “razão de Estado”[9]. Isso porque “o caráter sacrossanto da propriedade foi posto diretamente em causa”, quando há destruição de patrimonio, sendo necessário restaurar a confiança na autoridade e “curar os sentimentos que o crime não punido deixaria irritados[10]”.

Quando o Justificando noticia que:

“Após início do confronto, a polícia militar avançou sobre os manifestantes e deteve alguns por ‘desacato’. A abordagem ocorreu de forma indiscriminada e manifestantes que não haviam se envolvido foram presos. Guilherme registrou em fotos e, enquanto trabalhava, teve voz de prisão decretada pelo capitão da tropa.”E aí na delegacia: “a acusação que constava não era mais de desacato, mas sim de depredação em uma concessionária Fiat, de uma viatura da polícia militar e de resistência.”[11]

As detenções sob a alegação de cometimento de desacato também merecem críticas, pois este é o pretexto para “legitimar” as prisões de manifestantes. O Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública de São Paulo ingressou com pedido de concessão cautelar na Comissão da OEA por violação aos art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos (liberdade de expressão).

A acusação indiscriminada, infundada, imotivada e a decorrente detenção arbitrária violam os artigos 7 e 5 (integridade pessoal e liberdade) da Convenção Americana de Direitos Humanos e a Constituição Federal, para não dizer da prática da “detenção para averiguação”.

A denominada prisão para averiguação em manifestações públicas é ilegal, viola o princípio da presunção da inocência. Só há possibilidade de prisão antes do transito em julgado, quando fundamenta em ordem judicial, com exceção da prisão em flagrante.

Como afirmou o Dr. Marcos da Costa, presidente da OAB-SP, em 2014:

“Não existe prisão para averiguação. Se a polícia identificar, por meio de seu sistema de inteligência, que algum cidadão vai cometer um delito, deve atuar de forma pontual, mas não prender um quinto dos manifestantes. Isso pode levar a desestimular os cidadãos a continuarem se manifestando”[12].

Como já se pronunciou a Corte Interamericana de Direitos Humanos:

“(…) a Convenção proíbe a detenção ou encarceramento por métodos que possam ser legais, mas na prática resultam desarrazoados, ou carentes de proporcionalidade”[13].

Os princípios da isonomia e da proporcionalidade também devem ser vistos como garantias constitucionais de um Estado Democrático, princípios reguladores de todas as garantias como sustenta Willis Santiago Guerra Filho[14].

Realmente, o aludido princípio parece estar somente dentro de acadêmicos que os estudam ou, ainda, lá na Alemanha, mesmo havendo um dever de controle de convencionalidade administrativo também por parte da polícia.

A Corte Interamericana, no caso Montero Aranguren e outros (Retén de Catia) vs. Venezuela, afirmou que:

“O uso da força por parte dos corpos de segurança estatais deve estar definido pela excepcionalidade, e deve ser planejado e limitado proporcionalmente pelas autoridades”[15]

Foto: Jornalistas Livres

Foto: Jornalistas Livres

Na manifestação de terça-feira, na praça do ciclista, avenida paulista, dia 12 de janeiro, segundo informa o Justificando houve o chamado cerco:Kettling” (ou panela de Hamburgo) consiste em cercar e isolar as pessoas dentro de um cordão policial.[16].

O princípio da proporcionalidade pode ser encontrado no art. 5 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos da ONU (Decreto n. 592 92). O limite do uso da força para situações estritamente necessárias e na proporção da resistência oposta está no art. 3º do Código de conduta para os encarregados da aplicação da lei (Assembléia Geral da ONU, Resolução n. 34 169, de 17 de dezembro de 1979[17].

Como afirmado pela Conectas, bloqueio e intimidação de manifestantes violam a liberdade de reunião, conforme já dito por Relator da ONU[18]. É excessivamente restritivo ao núcleo essencial do direito à reunião.

No mais, esta postura de “provocar manifestantes” ou “provocar atos violentos” é típica do chamado P2, policial secreto, que por essa condição pode estar disfarçado de professor ou estudante, com barba, já que pelo “ritual de sofrimento” e pelas normas disciplinares da PM não se pode nem sequer estar com a barba mal feita, sob pena de prisão administrativa. O militarismo, tal qual o machismo e o racismo são práticas, mas também esquemas de pensamento, que estruturam ações. São tais condições, ou melhor, falta de condições de ascensão profissional na carreira do policial militar (odiosa discriminação entre praças e oficiais) que conformam o que genericamente podemos denominar “cultura da violência” ou falta de cultura do devido processo legal ou de cultura democrática ou de transição para a democracia.

Em matéria de P2, policial secreto, o Brasil já foi condenado na OEA, em contexto de escuta de ligações grampeadas irregularmente[19].

Não adianta o governo estadual dizer que se tratam somente de atos de vandalismo, como se estivéssemos em guerra psicológica, com aplicação da doutrina de segurança nacional. Quando os jornalistas livres, por meio de vídeo[20], indicam que houve flagrante forjado, evidencia forjada, isso revela o que pouco se conceitua, mas infelizmente serei obrigado a caracterizar a conduta como prática típica de terrorismo de Estado.

Filmar e fotografar são direitos constitucionais (art. 5º, IV, VIII e IX, c.c. art. 220, parágrafo segundo da CF), sendo aí necessárias as medidas para demonstrar a autenticidade do vídeo, de modo a servir como prova jurídica (manter a câmara com data e hora atualizadas, se possível com GPS, bem como anotar informações relevantes)[21].

Por evidente que existem os mecanismos da Corregedoria e da Ouvidoria da polícia. O governo estadual argumenta que os manifestantes pretendiam quebrar o bloqueio ou o cerco policial estabelecido, sob o fundamento de que o trajeto deve ser previamente comunicado, com que o concordamos.

Como afirmado pelo colega de grupo de pesquisa de direitos fundamentais Roberto Dias, sim, deve haver comunicação prévia do trajeto da passeata[22]. Isso porque o direito fundamental de reunião está delimitado pela Lei Municipal:

“Art. 1º A realização de passeatas, desfiles ou outro tipo de concentração popular nas vias públicas do Município de São Paulo, nos dias úteis e no horário comercial, dependerá de prévio aviso à Companhia de Engenharia de Tráfego – CET.

Art. 2º Os organizadores da manifestação deverão apresentar à CET, (vetado) a data, horário e roteiro das vias a serem percorridas e assumirão pessoalmente a responsabilidade por danos ao patrimônio público e privado que eventualmente venham a ser cometidos pelos participantes do evento.

Art. 3º Caberá à CET, uma vez preenchida a formalidade prevista no artigo 1º, “in fine”, desta Lei, adotar as providências necessárias, para que durante a manifestação, o fluxo de trânsito seja desviado para vias alternativas e para que não haja interrupção total do tráfego de veículos pelo local, devendo ser reservado sempre um espaço no leito carroçável da via para a passagem de ônibus, ambulâncias, e veículos do Corpo de Bombeiros.”

O art. 2º deste lei vale, excetuado o trecho que menciona a responsabilidades civil e penal, pois isso não é competência do município legislar (art. 22, I, CF), sendo, pois inconstitucional. Mas o restante do artigo nos parece constitucionalmente de acordo.

Ademais, a questão está regulamentada pelo Decreto Municipal n. 36.767 de 1997 que estabelece o aviso prévio à CET (Companhia de Engenharia de Tráfego).

Na ADI 1969-DF, o STF já se pronunciou sobre restrições que se mostrem inadequadas, desnecessárias e desproporcionais ao direito fundamental de reunião. O aviso prévio pode ser feito pela imprensa e pela mídia em geral, conquanto que a divulgação seja ampla e pública. O poder público não pode definir onde a reunião acontecerá, daí porque se pode acampar em frente ao Palácio do Planalto. O que o Poder Público deve fazer é garantir a livre manifestação e conformar o exercício com as demais liberdades.

A OAB-SP deve se colocar, como comumente o faz, de intermediadora e de mediadora social. O Movimento Passe Livre rejeita o diálogo com o governo estadual ou com o governo municipal e parece ignorar a Lei Municipal n. 12.151 de 19 de julho de 1996, que dispõe sobre o uso das vias públicas do Município de São Paulo para o exercício do direito de manifestação através de passeatas, desfiles ou outro tipo de concentração popular.

Como todo e qualquer cidadão, o Movimento Passe Livre tem direito de acesso à justiça, o que engloba o direito à informação sobre direitos e também o direito à participação política, sendo o dever de nós advogados, quando consultados, de orientar conforme a Constituição da República e informar sobre os caminhos institucionais para que construamos todos juntos a democracia, se possível, por meio também de audiências públicas[23].

  1. Informação sobre aumento da tarifa[24]

A ideia de tarifa zero remonta a um projeto de lei da década de 90, atualmente arquivado, quando era prefeita Luíza Erundina, que propunha a criação de um Fundo de Transporte. O Movimento Passe Livre defende esta ideia, o que corresponde ao corriqueiro exercício da liberdade de expressão. Quem estuda direito administrativo sabe que as tarifas devem ser módicas.

Existe a gratuidade no transporte para os idosos (maiores de sessenta e cinco anos de idade), conforme previsto constitucionalmente (art. 230, §2º, Constituição Federal, “CF”) e há outra hipótese de gratuidade no transporte público, considerada constitucional (art. 203, IV, CF), como a de quem sofre de deficiência mental (ADI 3768/DF). Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal reputou constitucional o art. 112, §2º da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, que não admite deliberação de proposta legislativa que vise conceder gratuidade em serviço público, sem a correspondente indicação de fonte de custeio. Os estudantes dispõem de condições especiais no transporte público.

Para um panorama sobre a operação de transporte coletivo de caráter regional, este pode ser feito diretamente ou mediante concessão ou, ainda, permissão (Constituição do Estado de São Paulo, art. 158). Os sítios de internet das empresas estatais CPTM, EMTU e Metrô dispõem de informações úteis ao exercício do chamado controle social dos atos de governo. O serviço público, nestes casos, é prestado diretamente pelo Estado de São Paulo, o que pode lançar a pergunta sobre a conveniência de se estabelecer a concorrência entre diferentes concessionárias ou permissionárias, o que atualmente se convenciona chamar de regulação ou de administração de contratos (administrativos), haja vista a existência da ARTESP (Agência Reguladora de Transporte do Estado de São Paulo).

De se mencionar que o Estatuto da Metrópole (Lei Federal n. 13.089 de 12 de janeiro de 2015) possibilita mais planejamento, cooperação interfederativa, possibilidade de consórcios de serviços públicos e porque não uma “regulação metropolitana”.

Para o assunto que nos interessa, sobre os aumentos das passagens, louvável foi a criação pela Prefeitura do Conselho Municipal de Trânsito e Transporte (Decreto Municipal n. 54.058/13), um órgão colegiado consultivo, que, dentre suas atribuições, tem a de “acompanhar a gestão financeira do sistema de transporte coletivo urbano de passageiros na cidade de São Paulo” (art. 3º, IX). O sítio da internet da secretaria municipal de transportes – SPTrans – também dispõe de informações úteis, inclusive sobre concessões e permissões.

Mas o Movimento Passe Livre desconfia dos canais institucionais. A política brasileira tem se transformado na “arte do silencio” como reflete Vladimir Safatle[25]. Como também refletia José Alvaro Moisés, à época das manifestações de junho:

“Essas pessoas nasceram na democracia e como a democracia faz uma série de promessas, elas estão cobrando isso”[26].

Nada obstante, sabe-se que com a edição da Lei da Responsabilidade Fiscal, com as alterações feitas em 2009, deve ser dada ampla divulgação aos planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias, inclusive com realização de audiências públicas. Isso de fato ocorre, basta que o cidadão acompanhe as atividades das comissões parlamentares (Assembléia Legislativa e Câmara Municipal). Agora, alguém sabe da existência do Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano, FUNDURB?

No âmbito do Poder Executivo, igualmente de nota são as iniciativas de transparência e de acompanhamento da execução orçamentária por parte do Estado de São Paulo, com sítios da internet específicos para tanto.

As contas da Prefeitura Municipal devem ficar, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte durante sessenta dias (art. 31, §3º, CF). O desafio está em conferir inteligibilidade à informação orçamentária.

Em matéria de transporte público, quais são as metas dos Planos Plurianuais (Estadual e Municipal)? Qual a relação entre os recursos financeiros disponíveis e os contratos públicos celebrados? Como é feita a composição do custo total do transporte? O IPTU progressivo pode ser utilizado para que a tarifa não aumente? O que significam subsídios para o transporte municipal? Os contratos de concessão prevêem a integração com a bicicleta? O Plano Municipal de Resíduos Sólidos prevê programas para geração de biogás para os ônibus? Qual critério da concessão para a TV Minuto?

Temos direito à informação pública da avaliação periódica dos serviços, informação dos direitos do usuários de transportes públicos e informações relativas à composição das taxas e tarifas cobradas pela prestação de serviços públicos (art. 15, Lei Federal n. 12.587/12, art. 5º, VIII, Lei Estadual n. 10.294/99 c.c. Lei Estadual n. 7.835/92).

Temos direito a critérios ecológicos, privilegiando-se as ofertas mais sustentáveis (art. 3º, Lei Federal 8.666/93 c.c. Lei Municipal n. 14.933/09). Temos direito à motivação dos atos administrativos (art. 2º, Lei Municipal n. 14.141/06 c.c. Lei Estadual 10.177/98). Temos direito à gestão democrática dos transportes.

A Lei Nacional de Acesso à Informação assegura o direito de acesso aos documentos utilizados como fundamento para a tomada de decisão administrativa. No caso do aumento das passagens de ônibus, trem e metrô, existe necessidade de divulgação de informação de interesse público?

Não cabe aqui discorrer sobre o fim do feudalismo e rememorar sobre o surgimento da esfera pública, que se deu com o advento de interesses econômicos travestidos do que hoje se convenciona chamar de “interesse público” ou “opinião pública”. O que importa dizer: o acesso à informação pública, desde que não seja ultra-secreta, secreta ou reservada, vem sendo regulamentado e facultado por meio do Sistema de Informações ao Cidadão (SIC), tanto pelo Estado quanto pela Prefeitura, cada qual com o seu decreto, sem contar as experiências das ouvidorias públicas, quando existentes. No que se refere à informação do usuário de transporte público, o arsenal jurídico não para por aí.

O Estado de São Paulo conta com Lei de Proteção e Defesa do Usuário do Serviço Público (Lei Estadual n. 10.294/99), sendo lá previstos: publicidade de “minutas de contratos-padrão redigidas em termos claros, com caracteres ostensivos, legíveis e de fácil compreensão”; e “informações relativas à composição das taxas e tarifas cobradas pela prestação de serviços públicos (…)” (art. 5º, VI e VIII).

No âmbito estadual, a tarifa módica, o serviço adequado e o recebimento de informações públicas adequadas e claras, solicitadas para a defesa de interesses individuais ou coletivos são todos direitos previstos na Lei de Concessões (Lei Estadual n. 7.835/92).

Dentre os direitos dos usuários de transporte garantidos pela Lei Nacional de Mobilidade Urbana (Lei Federal n. 12.587/12) está a participação da sociedade civil assegurada por “procedimentos sistemáticos de comunicação, de avaliação da satisfação dos cidadãos e dos usuários e de prestação de contas públicas”.

São produzidos índices de mobilidade urbana para fins de monitoramento público? Leão Serva[27] indica para a necessidade de identificar “áreas, horários e tipos de linhas com lacuna maior e a lotação dos veículos”.

Em âmbito nacional, não há uma lei que regulamente o art. 37, § 3º, CF, sobre a participação do usuário de serviços públicos e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços públicos, daí porque o Conselho Federal da OAB ingressou, após as manifestações de junho de 2013, com a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, que aguarda julgamento no STF (ADO n. 24), diante da falta de edição da “Lei de Defesa do Usuário de Serviço Público”.

Ademais, qual o retorno do imposto nos serviços públicos? Já existem iniciativas como a do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário que calculam o índice de retorno de bem estar à sociedade, combinando carga tributária com o índice de desenvolvimento humano ou, ainda, outras iniciativas, como a do Movimento Nossa São Paulo, que propõe indicadores de referência de bem-estar no município.

Desde a sociedade civil, tem-se a experiência dos observatórios sociais, que, por meio de voluntários, se dispõem a ler os editais de licitação e os contratos públicos, dentre inúmeras outras iniciativas por transparência. Entretanto, é debatida a necessidade de criação de associações de usuários de serviços públicos?

O Estado de São Paulo dispõe de Conselho de Transparência da Administração Pública, que integra a Corregedoria Geral da Administração (Decreto Estadual n. 57.500/11). Resta saber se a Secretaria do Planejamento poderia franquear maior acesso à informação sobre as concessões públicas, para além do excelente trabalho realizado no que se refere ao cadastro, acompanhamento e monitoramento dos serviços terceirizados. Não se deve esquecer dos papéis que os Tribunais de Contas do Município e do Estado podem exercer na avaliação de políticas públicas, bem como do Ministério Público Estadual.

  1. Conclusão

Defender a democracia significa também exercê-la. Defender a Constituição significa também concretizá-la por meio do processo[28], as chamadas vias institucionais, sem prejuízo de utilizar as vias públicas, conquanto que se exerça, de preferência, o direito de reunião na forma regulamentada pela legislação infra-constitucional, apenas avisando qual será o trajeto, o que pode ser feito pela imprensa ou redes sociais, conquanto a informação seja pública e ampla.

Apresentei aqui argumentos contrários tanto ao governo estadual, quanto ao Movimento Passe Livre, de modo a lançar perguntas para que ambos repensem suas atitudes e que possamos caminhar para a mediação, para uma solução mediada.

No exercício de meu dever de velar pelos direitos humanos e pela paz social (art. 8º, inc. VII, Lei 8.906 de 1994, Estatuto da Advocacia). Tenho dito.

Por Konstantin Gerber, advogado consultor, mestre e doutorando em filosofia do Direito, PUC-SP, onde integra o grupo de pesquisas em direitos fundamentais.

Referências e Notas

[1] Cf. LAZZARINI, Álvaro. Poder de polícia na identificação de pessoas. A Força policial. Revista de Assuntos Técnicos de Polícia Militar. São Paulo: 1994, p. 23

[2] Comentários ao art. 5, inc. XVI. In: BONAVIDES, Paulo & MIRANDA, Jorge & AGRA, Walber de Moura. Comentários à Constituição Federal de 1988, Forense, Gen, Rio de Janeiro: 2009, Pág. 129

[3] Pág. 131

[4] COELHO, André & WILLIAM, Jorge & BRAGA, Isabel & EBOLI, Evandro & ALENCASTRO, Catarina. Manifestante acampado no Congresso saca arma, dá tiros e é detido pela PM.O Globo, disponível em: http://oglobo.globo.com/brasil/manifestante-acampado-no-congresso-saca-arma-da-tiros-e-detido-pela-pm-18082644

[5] NASSARO, Adilson Luís Franco. Aspectos jurídicos da busca pessoal. Revista A Força Policial n. 44, São Paulo: 2004, pág. 48

[6] RONCOLATO, Murilo. Duas análises sobre as manifestações pela redução da tarifa de ônibus. 11 de janeiro de 2016, Nexo Jornal, Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/01/11/Duas-an%C3%A1lises-sobre-as-manifesta%C3%A7%C3%B5es-pela-redu%C3%A7%C3%A3o-da-tarifa-de-%C3%B4nibus

[7] TAJRA, Alex. Jovens disparam pedras contra o capital. Contraponto, Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo, PUC/SP, Outubro de 2013, p. 14.

[8] Cf. RONCOLATO, 2016, Op. Cit.

[9] HESE, A. & GLEYZE, A. O crime e a pena. In: NETO, A. L. Machado & NETO, Zahidé Machado. O Direito e a Vida Social. Leituras básicas de sociologia jurídica. Companhia Ediora Nacional, Universidade de São Paulo, São Paulo: 1966, pp. 131-132.

[10] FAUCONNET, Paul. As primeiras formas de reação contra o crime. In: NETO, A. L. Machado & NETO, Zahidé Machado. O Direito e a Vida Social. Leituras básicas de sociologia jurídica. Companhia Ediora Nacional, Universidade de São Paulo, São Paulo: 1966, p. 139

[11] JUSTIFICANDO. Fotógrafo do justificando é detido e tem trabalho apagado após registrar arbítrio. 9 de janeiro de 2016, disponível em: http://justificando.com/2016/01/09/fotografo-do-justificando-e-detido-e-tem-trabalho-apagado-apos-registrar-arbitrio-de-pm/

[12] DANTAS, Tiago. OAB investigará denúncias de abusos da PM em protesto contra a copa. UOL, 25 de fevereiro de 2014.

[13] CIDH. Lopez Alvarez, parágrafo 67.

[14] Cf. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. Rcs, São Paulo: 2005, pág. 115

[15] CIDH. Montero Aranguren e outros (Retén de Catia) vs. Venezuela, parágrafo 67

[16] TARDELLI, Breno. Tática policial utilizada em repressão de protesto é condenada pelo próprio manual da PM. 13 de janeiro de 2016, Justificando, disponível em:  http://justificando.com/2016/01/13/tatica-policial-utilizada-em-repressao-de-protesto-e-condenada-pelo-proprio-manual-da-pm/

[17] PAES DE SOUZA, Adilson. O guardião da cidade. Escrituras, São Paulo: 2013, p. 72

[18] CONECTAS. O que a PM não pode fazer. Disponível em: www.conectas.org/pt/acoes/justica/…/41507-o-que-a-pmnaopodefazer

[19] CIDH, Escher e outros v. Brasil

[20] JORNALISTAS LIVRES. 9 passos para forjar uma evidencia. Disponível em: jornalistaslivres.org/2016/01/9-passos-para-forjar-uma-evidencia/

[21] Cf. WITNESS. Guia. Como filmar a violência policial em protestos. Para que mais vídeos virem mais direitos. disponível em: HTTP: //bit.ly/MaterialsWITNESS

[22] Agradeço ao Dr. João Vitor Cardoso pela informação. Cf. BARIFO– USE, Rafael & KAWAGUTI, Luis. Policia x manifestantes: autoridades podem definir onde e quando ocorre um protesto. BBC Brasil, 14 de janeiro de 2016, disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/01/160106_protesto_policia_direitos_lk_rb

[23] Cf. Lei Orgânica do Município c.c. Lei Nacional de Mobilidade Urbana c.c. Estatuto da Cidade c.c. Lei Municipal de Processo Administrativo.

[24] Uma primeira versão sobre este item de forma resumida e reduzida foi antes publicada cf. GERBER, Konstantin. Cidadão tem que reclamar seu direito à informação orçamentária. 18 de janeiro de 2015, Portal UOL, disponível em: http://noticias.uol.com.br/opiniao/coluna/2015/01/18/cidadao-tem-que-reclamar-seu-direito-a-informacao-orcamentaria.htm

[25] Folha de São Paulo, 22 de outubro de 2013.

[26] TOMAZELLI, Lucas. Para especialistas, protestos mostram desconfiança na política. Jornal do Campus, Edição 412, junho, 2013, São Paulo: 2013, disponível em: http://www.jornaldocampus.usp.br/index.php/2013/07/para-especialistas-protestos-mostram-desconfianca-na-politica/

[27] Folha de São Paulo de 05/01/15

[28] Doutrina Willis Santiago Guerra Filho. Cf. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria Processual da Constituição. RCS, São Paulo: 2007.

Artigo

LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

Publicadoo

em

Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

Continue Lendo

Artigo

OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

Publicadoo

em

 

Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

 

O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

 

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

 

Rogério Favreto

Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

 

Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

 

Continue Lendo

Artigo

Armai-vos uns aos outros

Publicadoo

em

Por José Barbosa Junior
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.

Continue Lendo

Trending