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Injustiça

Rogério, mais um negro preso por tráfico de drogas sem drogas. Você não leu errado: sem drogas.

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Por Kátia Passos e Lucas Martins

Rogério Xavier Salles, 32 anos, foi preso em 28 de agosto, quarta-feira, enquanto trabalhava vendendo balas em um semáforo na cidade de Osasco, sob acusação de tráfico de drogas.

O curioso é que o laudo da perícia mostra justamente o contrário: não há a presença de substâncias que possam ser reconhecidas como drogas, mesmo assim, esse foi o argumento utilizado pela Polícia Militar para mantê-lo detido.

O juiz José Fernando Azevedo Minhoto reconheceu nesta segunda (16/09) a falta de provas: “verifico que o auto de flagrante delito padece de contornável nulidade” e aponta para o erro apresentado pelo Ministério Público “o laudo de constatação provisória teve resultado negativo para entorpecentes, isto é, na detectou no material apreendido com o indiciado a presença de cocaína”. Mas determinou apenas a liberdade provisória para Rogério, exigindo “comparecimento a todos os atos policiais e judiciais a que for chamado”. O juiz pediu a liberação.

Rogério trabalha como ambulante vendendo balas há muito tempo. Sai de casa com uma bicicleta, escolhe o semáforo de acordo com o fluxo de carros, passa o dia oferecendo as balas e depois volta para casa até às 18h. Uma rotina comum, como a de milhões de trabalhadores brasileiros. Segundo a mãe Maria Inês, naquela quarta, Rogério estava na Avenida Internacional, 715.

Segundo o Boletim de Ocorrência (B.O) uma viatura acionada por denúncia anônima foi até o local investigar uma suposta venda de drogas. Ao chegar no ponto de venda das balas, escolhido naquele dia por Rogério, “os policiais avistaram um indivíduo que estava sentado sobre um bloco de cimento, com características semelhantes às reportadas via COPOM e passaram a lhe abordar”. Rogério apresentou os pertences que carregava consigo: trinta e três reais em notas tocadas.

Os policiais seguiram com a procura e “no interior do bloco de cimento que o indivíduo estava, foi localizado uma sacola plástica, sendo encontrado 16 eppendorfs com substâncias esbranquiçadas, análogas à cocaína”. Rogério foi levado para a 8° DP – Osasco, um laudo foi solicitado para o Instituto de Criminalística com o objetivo de verificar as substâncias encontradas no bloco de cimento, assim que a resposta chegou, o delegado determinou a prisão em flagrante.

No laudo, utilizado para justificar a prisão, o perito indica que na “análise do material descrito fez o uso de teste colorimétrico empregado reagentes químicos adequados e, NÃO FOI DETECTADA a presença de substâncias rotineiramente pesquisadas neste Laboratório (Portaria SPTC 143/2017 de 10/07/2017)”.

Laudo pericial que indica a falta de substâncias ilícitas

A portaria apresentada no laudo é clara ao definir que “quando houver sua identificação inequívoca, deve ser expresso através dos termos – DETECTADA a presença da substância [nome da substância] constante na lista [nome da lista] da portaria ANVISA 344/98 e atualizações posteriores” e quando “os exames nos materiais resultarem em negativo, o resultado deve ser expresso através dos termos – NÃO FOI DETECTADA a presença de substâncias rotineiramente pesquisadas neste laboratório – , conforme a técnica utilizada e conforme a interpretação do perito responsável pela análise”.
Nos casos de dúvida a portaria determina que se use “NÃO FOI DETECTADA a presença de substâncias rotineiramente pesquisadas neste laboratório devido à ausência de padrão analítico”.

No último dia 11 de Setembro, o Ministério Público em ofício enviado ao juiz, pede que “considerando que a materialidade delitiva ainda não se encontra determinada, requeiro a concessão de liberdade provisória ao indiciado”.

Com sequelas temos a reprise de um caso que aumenta a luta de muitas mães

A mãe, uma testemunha de vida e luta do caráter e honestidade do filho Rogério, buscou a Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio para auxiliar na luta por provas que inocentassem o rapaz.

A Rede de Proteção está presente no territórios mais violentos e até inóspitos da cidade de São Paulo e atua contra o silenciamento de diversos casos similares ou até mais violentos como esse, no apoio às famílias vítimas e o acompanhamento diário, do começo ao fim da história, até o desfecho.

Com o atual cenário de aval dos governos de Doria e Bolsonaro à uma violência desmedida contra, principalemente, pobres, negros e pessoas periféricas, vimos com mais frequência, a repetição de cenas como essa da prisão absurda de Rogério.

Em alguns momentos, a legitimação de tamanha violência contra esse recorte populacional nasce também do desleixo, desinteresse e incompetência e caráter racista da Secretária de Segurança Pública do Estado de São Paulo que comete erros grotescos e muito questionáveis em seu modus operandi. Entra e sai governo e nada mudo.

Punitivismo exacerbado, culminando em injustiça, cárcere e abuso de autoridade só são implementados nas horas que lhes interessa, então perguntamos: será que teríamos a mesma agilidade e violência inseridos no fato, se o personagem fosse outro, talvez um rapaz de 32 anos, branco portando pinos de cocaína num bairro nobre de São Paulo?

A resposta está na cabeça de cada um, especialmente daqueles que praticam o racismo estrutural de cada dia, hora, minuto. Pensar em perigo, quando se avista um vendedor de balas num semáfoto, já é um raciocínio de extremo racismo violento.
Danos irreparáveis e sequelas inomináveis pairam sob a pele e a mente de Rogério, sua mãe e de todos que se envolveram nesse caso. Mas quantos outros casos, quantos outros Rogérios precisarão ser encarcerados para que a Justiça e a Segurança Pública de nosso país, entenda que algo, ou melhor, muita coisa está erada?

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1 Comment

1 Comments

  1. Cesar Oliveira

    16/09/19 at 20:13

    Parabéns pelo trabalho é muito bom saber que tem um tipo de mídia do lado da justiça…

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Injustiça

Mais de um ano depois, inocentes por falta de provas

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Mais de um anos depois de serem mandados para a prisão, terem a liberdade provisória concedida e aguardarem a decisão final, jovens foram considerados inocentes. Na decisão a juíza declarou que “JULGO IMPROCEDENTE a denúncia, para o fim de absolver” os quatro jovens. A história dos quatro jovens do Jd São Jorge é exemplar e a decisão de sua inocência sair em meio explosões de manifestações contra o racismo e violência policial no mundo, por conta do assassinato de George Floyd pela polícia dos Estados Unidos, torna a situação exemplar.

Washington Almeida da Silva, os irmãos Pedro e Fabrício Batista e Leandro Alencar de Lima e Silva foram presos em dezembro de 2018, após terem sido acusados de roubar um Uber na Zona Oeste da cidade de São Paulo. Eles foram para a prisão em seguida. Enquanto estiveram na prisão suas famílias passaram a lutar para provar sua inocência. Depois se organizaram e reuniram provas que demonstraram a inocência dos quatro. Com apoio da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, organizaram atos para mobilizar as pessoas do bairro onde os jovens nascerem e crescerem, Jd São Jorge, na Zona Oeste da cidade.

As famílias reunidas
Foto: Lucas Martins / Jornalistas Livres (Abril de 2019)

Em março do ano passado a juíza Cynthia Torres Cristofaro, da 23ª Vara Criminal, concedeu liberdade provisória para os quatro. Desde então os jovens apresentaram as provas que as famílias e o advogado Luiz Toledo Piza juntaram ao longo do processo e aguardaram a decisão da juíza. Na última quinta feira, 4, veio então a decisão.

Nela a juíza Cristofaro, depois de retomar os pontos do processo, afirma que “ao exame da prova dos autos persiste dúvida insuperável quanto à hipótese acusatória, mal esclarecida” e lembra que “em relação à identificação dos réus não foi possível tomar da vítima”, sendo que esta não compareceu nas audiências. E conclui com a absolvição dos quatro.

Para o advogado o caso se faz exemplar uma vez que a “realidade mais uma vez traz à tona, o despreparo da nossa polícia e a falta de interesse do Estado em investigar os reais fatos de uma malfadada acusação contra inocentes” e recomenda “que as autoridades tomem maiores cuidados, mais cautela e promovam investigações mais profundas, antes de atirarem pessoas inocentes nos calabouços da prisão”.

Relembre o caso 

No dia 10 de dezembro de 2018, os jovens foram abordados por Policiais Militares que haviam encontrado um carro de um Uber, roubado numa rua próxima. Os quatro alegaram inocência ao serem presos pelo roubo. Mas mesmo assim foram mandados para a prisão.

Além de organizar atos pela comunidade a família juntou provas para demonstrar a inocência dos quatro, como:

  • Uma testemunha que afirma ter visto os rapazes ali até por volta das 23:40h, enquanto o roubo estaria acontecendo (no B.O. a ocorrência está registrada como iniciada às 23:45h).
  • As roupas que a vítima descreveu não combinavam com as dos quatro na noite do crime.
  • Nenhum dos jovens estava com os itens roubados, o reconhecimento da vítima ter sido realizado de forma avessa ao código penal.
  • E um roubo muito parecido ter ocorrido pouco tempo depois, próximo do local.

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#JustiçaPorMiguel. Ato em Recife, clama por justiça

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#JustiçaPorMiguel

Respeitando as regras de distanciamento social, os manifestantes se reuniram às 13h em frente ao Palácio da Justiça e saíram em passeata até as “Torres Gêmeas”, onde Miguel morreu. De maneira pacífica, gritaram palavras de ordem e pediam a responsabilização de Sari Gaspar Corte-Real, a patroa que negligenciou Miguel.

Fotos: Pedro Caldas Ramos

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Conheça mais o trabalho do fotógrafo:

https://www.instagram.com/caldaspedr/

 

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Comportamento

É muita Coisa, muito Símbolo!

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“Esse horror que é a morte do menino Miguel é a história com mais símbolos de que eu tenho lembrança:⁣

A empregada que trabalha durante a pandemia;⁣
A empregada, mãe solo, que não tem com quem deixar o filho;⁣
A empregada é negra;⁣
A patroa é loura;⁣
A patroa é casada com um prefeito;⁣
O prefeito tem uma residência em outro município, que não é o que governa;⁣
A patroa tem um cachorro, mas não leva ele pra passear, delega;⁣
A patroa está fazendo as unhas em plena pandemia, expondo outra trabalhadora; ⁣
A patroa despacha sem remorso o menino no elevador;⁣
O menino se chama Miguel, nome de anjo;⁣
O sobrenome da patroa é Corte Real;⁣
A empregada pegou Covid com o patrão;⁣
A empregada consta como funcionária da Prefeitura de Tamandaré;⁣
Tudo isso acontece nas torres gêmeas, ícone do processo e verticalização desenfreada, especulação imobiliária e segregação da cidade do Recife;⁣
Tudo isso acontece em meio aos protestos Vidas Negras Importam;⁣
Tudo isso acontece no dia em que se completaram cinco anos da sanção da lei que regulamentou o trabalho doméstico no Brasil; ⁣

É muita coisa, muito símbolo.”⁣

Texto por Joana Rozowykwiat (@joanagr) (@JoanaRozowyk)

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