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Por que não torcer pela Seleção Brasileira? Porque não é a Seleção Brasileira!

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“Noventa milhões em ação
Pra frente Brasil, do meu coração
Todos juntos, vamos pra frente Brasil
Salve a seleção!
De repente é aquela corrente pra frente, parece que todo o Brasil deu a mão!
Todos ligados na mesma emoção, tudo é um só coração!
Todos juntos vamos pra frente Brasil!
Salve a seleção!
(Pra Frente Brasil – Hino da Seleção Brasileira de 1970)

Durante a Copa do Mundo realizada no México, em 1970 a grande dúvida, que incomodava a parcela da população brasileira que tinha consciência política e que, portanto, se posicionava contra a ditadura, era se deveria ou não torcer ou até mesmo assistir aos jogos da Seleção Brasileira de Futebol.

A Seleção Brasileira de 1970 era a representante legítima do que havia de melhor no futebol brasileiro à época, diferentemente do que ocorre com a Seleção Brasileira dos dias de hoje.

Nomes como Pelé, Rivelino, Tostão e Carlos Alberto Torres faziam a festa da torcida nos times em que jogavam, aqui mesmo no Brasil.

Não havia, como na Seleção de hoje, os jogadores chamados de “estrangeiros”. Todos jogavam no Brasil, o que criava grande empatia com o torcedor. Qualquer pessoa na rua dizia de cor a escalação do time, inclusive dos times onde cada atleta daquela seleção atuava.

O futebol ainda não havia sido tomado de assalto pelas grandes marcas, pelos grandes anunciantes. Os atletas não tinham assinados contratos milionários, e se preocupavam mais em jogar bola do que com cortes de cabelo exóticos ou desfilar a bordo de carrões com roupas de gosto duvidoso.

Aliás nenhum daqueles atletas tinha histórico de envolvimento em escândalo de sonegação de impostos, por exemplo.

A Copa do Mundo de 1970 foi a primeira a ser transmitida pela TV, ao vivo, via satélite e em cores.

Mas vale ressaltar que a maioria dos brasileiros era bem pobre e não tinha TV, quem diria a cores.

A ditadura militar, com uma tremenda visão de comunicação de massas, organizou eventos em locais públicos, onde foram transmitidos todos os jogos, ao vivo e em cores.

Portanto a grande contradição que havia entre torcer ou não pela “Seleção Canarinho” de 1970 não estava relacionada diretamente com a qualidade técnica daquele time, que aliás era magnífica.

A contradição entre torcer ou não residia no fato de que aquela Seleção representava oficialmente o regime político do país comandado pela ditadura militar, ou seja, todo e qualquer sucesso do time era automaticamente transformado em dividendo político pela ditadura.

Não foi a toa que o ditador Médici em pessoa levantou a taça da conquista da Copa do Mundo das mãos do próprio capitão da Seleção, Carlos Alberto Torres.

O ditador Emílio Garrastazu Médici, aliás, torcedor fanático por futebol, fez questão de associar sua imagem pessoal à imagem da Seleção Brasileira, vencedora da Copa do Mundo.

A ditadura civil-militar colheu muitos dividendos com a conquista da Copa do Mundo do México em 1970. A vitória foi atribuída, mesmo que inconscientemente, à ideia de “eficiência” do regime, cuja influência se fez presente até mesmo na escalação do time que embarcou para o México.

João Saldanha, que era técnico da Seleção por méritos e aclamado por todo o Brasil, enfrentou a ditadura, fazendo valer sua decisão de não escalar Dario “Dadá Maravilha”, um centro avante mediano, mas sugestão do próprio Médici.

Resultado: foi substituído em cima da hora por Zagalo, um treinador medíocre, sem o menor brilho, absolutamente inexpressivo.

E Dadá Maravilha embarcou com a equipe.

O paralelo que busco estabelecer sobre o dilema que o torcedor de 1970 tinha e o torcedor de hoje tem, entre torcer ou não pela Seleção, é que a seleção de 1970, como narrei acima, mesmo representante da ditadura, era uma equipe que encantava, que enchia os olhos do mundo todo com seu futebol arte.

A seleção de hoje, além de ser medíocre, não tem a menor empatia com o povo brasileiro.

Suas cores e sua marca mais conhecida, a CBF, são instantaneamente relacionadas pelo povo ao golpe que roubou a democracia do país e o jogou na pior crise política de sua história.

O ídolo maior da Seleção de 1970, Pelé, nunca se apresentou como cidadão politizado, e não entrarei, pelo menos nesse artigo, no mérito de sua contribuição pessoal para a ditadura mas, diferentemente do ídolo da seleção de 2018, Pelé não contribui diretamente para a idiotização da população brasileira.

E se assim o fez, fez de uma maneira velada e quase à revelia, ouso dizer.

Em contrapartida fica impossível dissociar a imagem de Neymar, principal jogador da Seleção atual, com a imagem de sonegador de impostos, um criminoso sentado no banco dos réus, ou mesmo da em vídeo gravado junto com o amigo Aécio Neves, apoiando a candidatura daquele que em sua campanha dizia que “combateria a corrupção”, mas foi flagrado pedindo R$ 2 milhões ao empresário Joesley Batista, além de ameaçar “matar antes da delação” o transportador da propina.

A Seleção Brasileira de 1970 ainda era a uma seleção de futebol, a despeito de ter sido cooptada e controlada pela ditadura.

Por pior que esse fato possa parecer, ainda dava para torcer por ela, valendo-se do argumento do futebol arte, do esporte enquanto cultura, do encantamento que aquele apanhado de jogadores muito acima da média exercia sobre o povo.

A seleção brasileira de 2018 é a seleção das grande marcas, a seleção do selfie, a seleção da meritocracia individual, a seleção dos escândalos, a seleção que dá manchetes pelo penteado de um jogador, ou das idas e vindas de seu relacionamento amoroso, mas que pouca ou nenhuma manchete dá por conta daquilo que seria, em tese, sua razão de existir: o futebol.

Não é uma seleção de futebol, é um grupo de representantes das marcas envolvidas no evento, meros anunciantes pagantes.

É uma Seleção que não encanta, não empolga, não emociona.

Não convence.

Vale lembrar os escândalos da CBF, que controla a Seleção, e como a imagem dessa mesma Seleção está ligada a Rede Globo de Televisão, a emissora que apoiou a ditadura que vigorava quando a Seleção de 70 ganhou a Copa, e que ajudou a desferir o golpe de 2016, quando esse arremedo de time de futebol, que alguns ainda, romanticamente, insistem em chamar de “seleção”, começou a ser convocado.

A seleção de hoje não tem empatia com o povo — quantos jogadores dessa seleção jogam no Brasil?

A verdade é que a Seleção Brasileira perdeu seu romantismo. Isso não é de hoje, mas com o golpe ficou mais aparente.

Tudo nos jogadores é falso, tudo muito estudado, tudo artificial, planejado.

São caras e bocas, sempre as mesmas declarações vazias de jogadores que jamais tomam partido sobre nada, absolutamente fúteis, alienados.

Apenas garotos propaganda de si mesmos e seus estilos de vida absolutamente inimagináveis para o povo brasileiro.

A conclusão a que chego é que acabou o amor entre a população brasileira e a seleção.

Duzentos e sete milhões sem ação
pro abismo Brasil, mas salve a Seleção!
Todos juntos vamos
pro abismo Brasil,
mas salve a Seleção!
De repente é aquela sensação de impotente
parece que todo o Brasil é um apagão
todos frustrados sem qualquer emoção
tudo é um só golpe povão
todos juntos vamos, pro abismo Brasil, Brasil,
mas salve a Seleção…
(Esse deveria ser o Hino da Seleção Brasileira de 2018)

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5 Comments

5 Comments

  1. Dom Piber

    12/06/18 at 8:05

    Obrigado, Diogenes Junior, por tão lúcido texto.

  2. Adriano

    13/06/18 at 16:22

    Belo texto.
    O que um menino de semana anos em 1980 ,na geral do maracana vendo Zico ,Sócrates,Eder,Jr,Cerezo e cia correndo a 15 metros de mim. O que eu diria pra uma criança de hj.
    o Brasil não joga no maracana ha 5 anos .
    A Cbf era no centro do Rio.
    Todo mundo cornetava, era um sobrado.
    Mas era do povo.
    Ao bem o Ricardo Teixeira faz uma sede luxuosa na Barra da Tijuca e afasta o povao.
    Ai sem opinião pública,começou a usar o valioso produto.
    Resumo.
    Quem não dá carinho ,quer ter amor ?
    A seleBf já acabou faz tempo.
    Hj somos nossos clubes.

  3. ritacmachado

    16/06/18 at 20:39

    Adorei o artigo! Vi muita gente dizer que se a esquerda torceu pelo Brasil em 1970, por que não torceria agora? Pronto, devidamente explicado. Obrigada, Diógenes!

  4. Stefan Mantu

    19/06/18 at 18:18

    Tudo soa a falso brilhante nessa Copa.
    Não existe entre os torcedores as tradicionais discussões sobre quem deve jogar, nomes, etc.
    Nada…
    Prefiro torcer para a Argentina que tomou a decisão ( os jogadores) de não fazer o tal amistoso contra Israel.
    Lamentável …. e FORA TEMER E O IMPERIALISMO NORTEAMERICANO DO BRASIL !!!

  5. Jaelson de Oliveira Castro

    27/06/18 at 14:18

    Mesmo preso, Lula não ficou de fora. Apaixonado por futebol, o ex-presidente não perdeu tempo com o debate sobre a desconfiança de parte da esquerda com a seleção. Em seus comentários enviados ao programa do jornalista José Trajano na TVT, o petista concentrou-se no futebol.

    “O jogo de estreia da seleção demonstrou uma máxima do futebol que sempre repetimos: treino é treino e jogo é jogo”, afirmou o petista. “Jogo de eliminatórias é uma coisa e jogo de Copa do Mundo é outra. E foi exatamente isso o que aconteceu”.

    Lula preferiu não culpar o juiz da partida, que foi criticado por ter prejudicado a seleção em lances capitais. “Sinceramente, o fato é que não jogamos bem e o adversário fez o que tinha de fazer, que era impedir o jogo do Brasil”

    Em relação à Costa Rica, adversário do Brasil nesta sexta-feira 22, Lula recomendou cuidado. “Afinal, todos sabem que um dia o pequeno Davi venceu o Golias”. Quais serão as impressões do ex-presidente sobre a segunda rodada? https://www.cartacapital.com.br/…/a-selecao-nao-e-deles…

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LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

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Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

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OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

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Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

 

O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

 

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

 

Rogério Favreto

Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

 

Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

 

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Armai-vos uns aos outros

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Por José Barbosa Junior
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.

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