Em meio a uma pandemia que já matou mais de um milhão de pessoas no mundo todo, a Operação Acolhida do Exército Brasileiro anunciou no último dia 17 de setembro o despejo de 850 pessoas da comunidade Ka’Ubanoko de imigrantes venezuelanos indígenas e crioulos.
Por Martha Raquel e Jeisse Carvalho, do Brasil de Fato
“Desde que soubemos que teremos que sair, estamos vivendo muita pressão psicológica e social. Estamos vendo mulheres que não bebiam e começaram a beber, mulheres que têm chorado, crianças com medo”, relata Leannys Torres, indígena Warao e liderança da coordenação indígena da Ka’Ubanoko.
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A Operação foi citada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante seu discurso na Assembleia das Nações Unidas (ONU), quando afirmou que “no campo humanitário e dos direitos humanos, o Brasil vem sendo referência internacional pelo compromisso e pela dedicação no apoio prestado aos refugiados venezuelanos, que chegam ao Brasil a partir da fronteira no estado de Roraima”.
A comunidade Ka’Ubanoko cujo significado em português é “Meu espaço para dormir”, fica localizada na cidade de Boa Vista, capital de Roraima, e ocupa o espaço do antigo Clube do Trabalhador – uma obra que ficou abandonada há anos e abriga, desde o ano passado, crioulos e indígenas Warao, Eñepà, Kariña e Pemon.
Alejandrina Cortez tem 5 filhos, sendo um recém-nascido, e agora vive diariamente a angústia de não saber o futuro de sua família.
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“Me sinto mal, estou preocupada, não durmo bem, penso nos meus filhos. Não por mim, mas por eles que são pequenos. Agora eu tenho meu lugar. Meus filhos gostam de jogar [no quintal]. Será que eu não posso ter paz? Eu estou morando aqui. Estamos todos. Meus filhos gostam de brincar e estão acostumados com isso”, completa.
Tanto a coordenação crioula quanto a coordenação indígena da comunidade escreveram uma carta à Operação Acolhida do Exército explicando a situação e pedindo que o despejo não seja efetuado sem diálogo.
“Estamos cansados a ser pisoteados. Não nos negamos a deixar um terreno que sabemos que não é nosso, mas nós temos direitos e sabemos que há outras soluções. Queremos falar, dialogar, mas nos tratam como animais. Nos impõem, querem pensar por nós”, explica a Cacique Eñepa.

Regras da Comunidade autogerida Ka’Ubanoko, em Boa Vista (RR) / Martha Raquel / Brasil de Fato
O local atual é dividido em cinco áreas, entre espaços reaproveitados da construção do parque, casinhas de madeira, barracas e redes.
Os indígenas e crioulos convivem como uma comunidade, organizada por setores. Os moradores se dividem através de coordenações responsáveis por alimentação, saúde, esporte, infraestrutura, segurança, proteção da mulher, educação, cultura e limpeza.
Quando decidem por nós, estão violando os nossos direitos, de construir nosso futuro, de sermos protagonista
Para Leannys Torres, da forma como está sendo conduzida a Operação Acolhida há um desrespeito com os direitos dos povos indígenas.
“Não somos migrantes, somos indígenas de toda a América e isso é algo que eles precisam aprender a respeitar. E quando decidem por nós, estão violando os nossos direitos, de construir nosso futuro, de sermos protagonistas. Estamos indignados”, ressalta.
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A alternativa apresentada pela Operação Acolhida é realocar as mais de 850 pessoas nos abrigos geridos pelo próprio Exército, onde é realizado um trabalho de interiorização das famílias quando são enviados para trabalhar em diversos estados do Brasil.

Abrigo oficial do Exército São Vicente 2, no bairro São Vicente, em Boa Vista (RR) / Martha Raquel/Brasil de Fato
Um ser humano não merece viver a vida que eles nos oferecem em um abrigo
Alguns moradores da comunidade explicam que já viveram nos abrigos e não gostariam de passar novamente por essa experiência.
“Não há privacidade. Um ser humano não merece viver a vida que eles nos oferecem em um abrigo. Viver com calor, comer na hora que eles nos entregam a comida. Não teremos o direito de escolher o que vamos comer pela manhã, ao meio dia e à noite”, protesta Deirys Ramos, Cacique Eñepa, pertencente à etnia Warao.
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Com base em experiências passadas nesse tipo de instalação, ela afirma que as condições de moradia apresentadas são insalubres.
“Querem ter-nos como animais, mas nem os animais se tratam assim. É um lugar onde não há árvores, não há brisa, em que estaremos fechados por todo o dia. Faz muito calor, todos estaremos amontoados”, ressalta.
Torres ressalta que o espaço dos abrigos limita a prática dos costumes tradicionais desses povos.
“Nos abrigos não teremos a liberdade de expressar nossas ideias, nossos costumes. A vida dos Warao está ligada à terra e ter terra é ter vida. Ficarmos fechados num abrigo nos limitaria bastante, é como estar em um campo de concentração”, explica.

Uma das construções da ocupação Ka’Ubanoko, que abriga indígenas venezuelanos em Boa Vista (RR) / Martha Raquel/Brasil de Fato
Educação prejudicada
Para a Cacique Deirys, a vida em abrigos impacta também no processo de educação da comunidade.
“É um lugar que nem sequer nos asseguram a educação, que pra nós seria não só bilíngue, mas que deveria ser trilíngue porque nós falamos diferentes idiomas. Não somos só um povo indígena, somos quatro povos indígenas”, ressalta.
Entre os crioulos, 80% falam português e todos falam a língua nativa, o espanhol. Entre as quatro etnias indígenas, algumas pessoas falam apenas o idioma originário e outros aprenderam o espanhol.
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Yidri Torrealba, coordenadora-geral da comunidade e representante dos crioulos explica que a educação diferenciada para as crianças sempre foi uma prioridade dentro da comunidade.
“Entre a população indígena e a população crioula aprendemos a viver em comunidade, implementando a educação diferenciada para as crianças, já que mais de 50% que não conseguiram vagas nas escolas”, conta.

Crianças da Comunidade autogerida Ka’Ubanoko, em Boa Vista (RR) / Martha Raquel / Brasil de Fato
Na última quarta-feira (30), representantes do Defensoria Pública da União (DPU), do Ministério Público Federal (MPF) e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) estiveram na comunidade Ka’Ubanoko para dialogar sobre a situação.
Segundo Luís Ventura, coordenador do Cimi, no próximo 14 de outubro uma reunião deve acontecer entre MPF, DPU, Operação Acolhida e representantes de entidades internacionais. A reunião também irá contar com a presença de um procurador da República de Brasília (DF), representante da área da Defesa do Cidadão, e também Renan Sotto Mayor, presidente Conselho Nacional dos Direitos Humanos.
Eles apresentarão uma petição para que se suspenda a operação do despejo da Comunidade Ka’Ubanoko e solicitar outro prazo, garantindo diálogo, consulta prévia e que as reivindicações dos ocupantes sejam consideradas.
Segundo o coordenador do Cimi essa é uma medida extrajudicial para convencer a Operação Acolhida e, se não atendida, as entidades acionarão judicialmente a operação acolhida.
Questionados por e-mail sobre a operação, os diálogos realizados, as alternativas para os imigrantes,as condições nos abrigos e as formas de fiscalização utilizada para que os refugiados não sejam enviados para lugares em que sejam obrigados a trabalhar em situação análoga à escravidão, a Operação Acolhida não respondeu e disse que a Casa Civil da Presidência da República deveria ser acionada.
A equipe do Brasil de Fato tentou contato com a instituição, mas também não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
stephanogta
24/03/19 at 19:48
Se isso fosse na Venezuela, a mídia corrupta exigiria a cabeça de Maduro blá blá blá…
Jose Luiz Pereira da Silva
24/03/19 at 21:03
Realmente, o ser humano não deu certo!
Ronei
24/03/19 at 22:21
Tamanha covardia fazer isso com pessoas que não tem onde morar e tentam de alguma forma sobreviver na favela.
LINDOMAR DA SILVA NUNES
25/03/19 at 7:51
Pra que governo se o pais já virou baderna pois o pais e só pra eles que governam
Ilvan villa secca
25/03/19 at 8:24
Porq os moradores de São Paulo não pedem para retirar este prefeito. …

..
Marinez Lopes De Oliveira Pereira
25/03/19 at 8:32
Que horrível .muito triste falta de amor ao próximo. Fim do mundo. Esse mundo esta ficando muito ruim.
Eduardo faia
25/03/19 at 8:43
O que estamos vivendo no país nos últimos tempos e nada mais nada menos que a desmoralização total dos governantes, das autoridades, das polícias, em fim de todo um sistema inexistente, que só legisla em causa própria.
A classe produtiva/trabalhadora do pais está a deriva há anos.
A outra classe que vive na miseria, miséria essa instituída, pela outra classe, que não tem classe, só tem ladrão e vagabundo. Esses vagabundos que estão no poder.
O meu pensar pra revertermos esse quadro, so se dará mediante irmos pras ruas.
Para matar e morrer.
FLORES
25/03/19 at 8:55
Isso tem que percorre o mundo, culpa não é das autoridades a culpa é dos paulistanos wuq ele Doria e cia, sempre estarei olhando diferente . quando alguém se indentificar ser paulistanos aqui no sul
Luís silva
25/03/19 at 10:24
Eduardo Faia vc disse td cara.faço minhas as suas palavras
Ir. Rita Cola
25/03/19 at 10:46
Quanto HORROR! Quanta desumanidade , meu Deus !
Lilian
25/03/19 at 11:04
Misericórdia, Jeová! Que venha logo o seu Reino, em nome de Jesus Cristo!!
Walace
25/03/19 at 11:17
O fim está próximo, o ser humano perdeu o amor ao semelhante, o dinheiro fala mais alto e é só isso que importa, quem era para dar exemplo é os que mais roubam, pra quê tanta ganância? Sendo que nossa passagem no mundo é tão curta. Dor, medo e fome todos sentimos, mas quando não é com os poderosos tanto faz, mas não esqueça que a terra que se enterra um simples animal é a mesma que se cobre um ser humano, pois no final não a dinheiro, nem rico ou pobre, vamos todos para o mesmo lugar.
Sonia
25/03/19 at 13:07
As imagens desse pobre infeliz correria o mundo caso essa desgraça acontecesse na Venezuela! Isso parece fatos acontecidos no holocausto! Humanidade realmente em retrocesso!
Maria Imaculada
25/03/19 at 16:02
Quem elegeu Doria e o prefeitinho da Elite com certeza não foi a massa. Lamentável a corrupção nas eleições. Estamos fritos se não mudarmos o sistema dos Sufrágios no país. Falei
MARCOS ELENILDO FERREIRA
25/03/19 at 22:13
Prefeito corrupto ,juiza criminosa ,vergonhoso esse país !!
Sirlene
25/03/19 at 22:57
Sem palavras,não tenho esperança nessa humanidade.