“Claro que essas fobias e situações não se comparam. Eu tenho as minhas, ponto. Reconheço as tuas, ponto. Vírgula: vem comigo.”
– Mariano Mattos Martins em cena de “Para Onde Voam as Feiticeiras”
Falar de união de ativismos, interseccionalidades, é tão fundamental quanto é um campo minado de possíveis conflitos. Por trás de movimentos estão pessoas, e pessoas carregam personalidades, aprendizados, observações, traumas, vivências únicas que as moldaram e influenciam, conscientemente ou não, a forma como praticam o seu ativismo — por quem, como, onde, quando, com que objetivo o praticam.
Na colisão de pessoas (e grupos) que forma qualquer movimento social, e na interação entre eles, confrontos surgem. Na esfera pública (como a conhecemos hoje, na era da internet), esses confrontos conjuram um fantasma de desentendimento e desunião, que é contra produtivo para a missão. Na contramão disso, “Para Onde Voam as Feiticeiras” tenta mostrar que, ao menos em uma escala particular, uma coisa não precisa levar à outra.
As vozes
O filme de Eliane Caffé, Carla Caffé e Beto Amaral, que estreou no Festival Internacional de Curitiba nesta semana, respeita a história, mas está interessado no agora, de movimentos indígenas, negros, LGBTQIA+ e pelo direito a moradia — e nos encontros entre todos eles. O centro nervoso do filme são as atividades de um grupo misto de artistas e ativistas que conduzem a narrativa por performances de rua, brincadeiras, conversas, entrevistas direto para a câmera, em uma mistura revitalizadora para o documentário nacional.
Os nomes desses artistas aparecem em destaque nos créditos finais de “Para Onde Voam as Feiticeiras”: Preta Ferreira, Wan Gomez, Thata Lopes, Mariano Mattos Martins, Gabriel Lodi, Ave Terrena Alves e Fernanda Ferreira Ailish. A dinâmica entre eles é de colaboração, e seus encontros com outros durante o filme também, mas vive na produção uma consciência aguda que construir algo em conjunto é impossível sem os blocos fundamentais que formam cada um dos que participam dessa construção.
A mensagem
Ao redor das ações do grupo, os diretores reforçam a mensagem através de uma estrutura dividida em atos flexíveis, cada um abordando de forma mais específica e aprofundada reivindicações de um grupo social representado no filme. Para isso, recortam clipes em colagens à la Spike Lee e recorrem a participações especiais que muito enriquecem o texto, da líder do MSTC (Movimento dos Sem-Teto do Centro) Carmen Silva à filósofa americana Judith Butler.
Essa divisão em partes, assim como os frequentes confrontos diretos entre os participantes do documentário (e deles com os documentaristas, diga-se), não se refletem em separatismo. Muito pelo contrário: “Para Onde Voam as Bruxas” modela um exemplo de ativismo que reconhece particularidades sem perder o ponto delas no coletivo. Serve, como obra de arte, para apresentar uma realidade possível, revelando-a como nem tão distante quanto pode parecer.
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