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Para especialista, governo é intencionalmente omisso na contenção do óleo que atingiu o litoral do Nordeste

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por Raíssa Ebrahim, em Marco Zero, para o VioMundo.

“Estamos sendo feitos de tolos. Como veem manchas chegarem às praias e não acionam imagens dos satélites?”

 

 

 

A frase resume a revolta de Yara Schaeffer Novelli, doutora e professora sênior da Universidade de São Paulo (USP), em relação ao vazamento de óleo que já é considerado o maior desastre ambiental do Nordeste.

Ela foi a primeira perita judicial da primeira ação civil pública movida no Brasil por dano ambiental, em 1983, num rompimento de oleoduto da Petrobras na Baixada Santista.

Naquela época, o Brasil tinha recém-publicado e regulamentado a Lei 6938, de 1981, da Política Nacional do Meio Ambiente.

Desde então, leis, normas, protocolos, planos nacionais e experiências foram sendo acumulados.

Marcos legais não faltam, mas eles não estão sendo cumpridos.

O descaso e o silêncio do governo federal são ensurdecedores. A Marco Zero Conteúdoconversou por quase 1h ao telefone com a cientista, considerada umas das maiores conhecedoras do assunto no País e sócia-fundadora da ONG Instituto Bioma Brasil.

“Nós (o Brasil) começamos com o pé errado. Mas, com todo esse tempo – as primeiras manchas de óleo apareceram em 30 de agosto –, para mim foi intencional não se envolver pessoas e grupos que poderiam definitivamente ter colaborado. Teríamos tudo para ter agido de forma organizada, legal e dentro das normas desde o primeiro momento em que se avistou óleo chegando às praias. Não precisa de muito, está tudo aí no Google”, avalia Yara, autora de mais de 100 artigos científicos e escritora ou organizadora de mais de 40 livros.

A Lei 9.966, de 2000, estabelece o que deve ser feito em termos de prevenção, controle e fiscalização de poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional.

São os princípios básicos a serem seguidos por todos os tipos de embarcações, portos, plataformas e instalações, nacionais ou estrangeiros, que estejam em águas brasileiras.

“Está tudo lá, mastigado”, reforça.

A lei mostra desde o que deve ser feito quando se registram as primeiras aparições de óleo, como classificar, controlar, prevenir e transportar as substâncias, incluindo marcos legais de infrações e punições, além de elencar quem são os responsáveis pelo cumprimento.

A legislação, porém, não está sendo cumprida.

Foi necessário que o problema se espalhasse assustadoramente para que, só no último sábado (7) – quase 40 dias depois dos primeiros registros –, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) determinasse que a Polícia Federal e a Marinha investigassem as causas e as responsabilidades do que, com atraso, passou a ser considerado um crime ambiental de grandes proporções.

As ações de mitigação e prevenção estão sendo realizadas num trabalho de formiguinha, que muitas vezes envolve mais o ativismo do que o cumprimento governamental.

Nada deveria ter sigilo, explica Yara: “o próprio Plano Nacional de Contingência diz que imprensa tem que ser comunicada e que é para haver reuniões diárias e divulgações de tudo que está acontecendo. Eu fico pasma, esse é o adjetivo que configura o que estou sentindo no momento”, lamenta.

A professora explica que a Lei 9.966 também atribuiu ao Ministério do Meio Ambiente a responsabilidade na identificação, localização e definição dos limites das áreas ecologicamente sensíveis à poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas.

Em 2008, uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) estabeleceu que esse mapeamento deveria ser representado pelas chamadas Cartas SAO (Cartas de Sensibilidade Ambiental a Derramamentos de Óleo).

A maior parte das bacias nordestinas são mapeadas: Ceará e Potiguar (Rio Grande do Norte), em 2004; Sul da Bahia, em 2013; Sergipe-Alagoas/Pernambuco-Paraíba, em 2013; e Pará-Maranhão/Barreirinhas, em 2017.

Essas cartas se juntam à Lei 9.966. Mas isso também não aconteceu, e agora o vazamento já atingiu mais de 2 mil quilômetros de costa.

“As Cartas SAO identificam a sensibilidade ambiental que deve ser protegida, os recursos biológicos sensíveis ao óleo. Está tudo lá, cheio de figurinhas, mapa, bichos, atividades socioeconômicas que podem vir a ser prejudicadas”, frisa Yara.

Isso significa, portanto, que o governo federal deveria estar protegendo o que já está mapeado e usando imagens de satélite para prevenção, para saber onde colocar as barreiras de contenção e absorção.

“O Porto de Suape, por exemplo, é obrigado a ter essas barreiras. O mesmo vale para a Petrobras no Recôncavo Baiano. E onde elas estão?”, questiona a professora.

“Até palha de coqueiro poderia ter sido colocada na praia”, diz ela para provar mais uma vez o quão absurda é a situação.

A Administração Estadual do Meio Ambiente (Adema) do Governo de Sergipe, que declarou situação de emergência e onde o óleo já atingiu a foz do Rio São Francisco, informou que a Petrobras não tem mais disponíveis as boias absorventes que seriam enviadas para conter as manchas de óleo no Rio Vaza Barris, em Aracaju.

O estado precisará investir R$ 100 mil na compra dos equipamentos.

Como se não bastassem a Lei 9966 e as Cartas SAO, ainda existe um Plano Nacional de Contingência, de 2012, que prevê as medidas a serem tomadas pelo governo diante de grandes vazamentos de petróleo no mar e que deveria ter sido ativado desde o início para evitar que problemas maiores acontecessem.

Na época em que foi anunciado, período ainda de início da exploração do pré-sal, o plano tinha um orçamento de R$ 1 bilhão, uma espécie de seguro que funciona apenas em caso de grandes acidentes, nos quais os responsáveis não são identificados imediatamente.

“Será possível que não fizeram nada disso? Eu uma idosa de 76 anos fico sabendo disso e o seu ministro do meio ambiente não sabe? Porque ele não perguntou aos técnicos do ministério, Ibama, ICMBio, que são competentes? E isso eu afirmo e assino embaixo”, ironiza Yara.

“Começo a desconfiar que existe uma ordem superior para que não se manifestem. Essa mudez total, esse silêncio, só podem ser orquestrados. O Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) se calou, mas eles têm oceanógrafos físicos e pessoal especializado em estudo de imagens de satélite de primeira qualidade”.

No início de agosto, o diretor Ricardo Galvão foi exonerado do Inpe depois que Bolsonaro contestou os dados sobre o monitoramento do desmatamento da Amazônia.

“Como alguém vê as manchas chegarem às praias e não aciona as imagens dos satélites? Elas dizem onde as manchas estavam ontem, onde estavam antes de ontem… Elas estão aí para isso. Acho impossível não terem feito. Se alguém foi impedido de divulgar, isso é muito sério”, levanta a professora.

“Estou realmente abismada e aborrecida. Estamos passando para os brasileiros que ouvem essas notícias há mais de um mês que a gente pagas aos pesquisadores que não sabem dizer nada. Não posso ver uma coisa dessas e não reagir. Temos obrigação legal e cidadã de tentar contribuir e colaborar. Fomos financiados a vida inteira pra fazer uma devolutiva para sociedade”, comenta a cientista da USP.

Durante a conversa, Yara também comentou que a ação da Marinha de notificar 30 navios de 10 países após a triagem das manchas de óleo é “uma tremenda confusão”.

O navio pode ser de uma país e ter bandeira registrada em outro.

Existem os chamados “países de conveniência”, como por exemplo, a Libéria, pouco exigentes em relação às condições das embarcações.

Tanto que algumas delas não têm permissão para entrar em portos europeus, mas entram em portos da América Latina.

Isto significa que a embarcação não necessariamente tem a bandeira do país do armador.

Na avaliação de Yara, sem nenhuma imagem para dizer como esse óleo está se deslocando, fica complicado chegar a alguma conclusão.

“Não vimos a análise do óleo para dizer de onde ele é. Todo óleo tem uma assinatura. Ninguém mostrou nada”.

“É tragicômico” um presidente do Brasil, que tem nomes internacionais de cientistas, “falar em quase certezas”.

“Você já viu alguém estar quase grávido?”, ironiza Yara.

“Já vi áreas costeiras em São Paulo impactadas por óleo, é bem diferente dessa quantidade que está chegando ao Nordeste. E imaginar que esse óleo sofreu intemperismo e já mudou muito… Essa mancha quando foi exposta pela primeira vez na superfície do mar, era enorme. Ela vai secando, se dissolvendo na coluna d’água, perdendo componentes, grudando mais e diminuindo o tamanho da mancha”, ensina.

Se esse óleo realmente tiver sido despejado em alto-mar, a recomendação era que se tivesse usado tensoativos, como se fossem detergentes que dissolvem o material.

Mas agora que o material está na costa, essa ação não é recomendada, porque podem fazer mal aos seres humanos, à fauna e à flora.

A curto prazo, os danos já estão sendo conhecidos: tartarugas mortas, filhotes que não estão podendo ser chegar ao mar nos locais de desova, redes de pesca e corais sujos de óleo.

Os tratores que estão sendo usados para a limpeza das praias estão levando uma camada considerável de areia da superfície onde há muita vida, isso sem contar com a compressão da areia.

“Isso é uma perda muito grande. Há animais, crustáceos pequenos, larvas e outros organismos vivos importantes para o início da cadeia alimentar”, mostra Yara.

Eles são inclusive alimentos para as aves que se deslocam do hemisfério norte para cá para se alimentar na época de inverno.

As algas sujas de óleo tendem a ir para o fundo do mar e lá se decomporem.

“Muita coisa é irreversível, um efeito crônico de longo prazo”.

Universidades diferentes, hipóteses diferentes

Se o professor de Oceanografia da UFPE Marcus Silva informou ter descoberto que o óleo teria sido derramado por um navio a 50 quilômetros da costa, entre os litorais de Pernambuco e Paraíba, cientistas do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP) sugerem que o óleo que atinge nove estados do Nordeste pode ter sido lançado ao mar em águas internacionais, a até mil quilômetros do litoral brasileiro.

Em Salvador, a equipe da Universidade Federal da Bahia (UFBA) confirmou que o petróleo encontrado nas praias nordestinas teria origem venezuelana.

O óleo analisado usado no estudo foi coletado nas costas sergipana e baiana em parceria com a Universidade Federal de Sergipe (UFS) e a Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs).

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A difícil escolha entre cozinhar ou tomar banho

A água doce corre sérios riscos de ser privatizada em nosso país, depois que o Congresso Nacional aprovou o Novo Marco do Saneamento e Bolsonaro sancionou, com vetos

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O Brasil concentra 53% da água doce da América do Sul e 12% do mundo. Esse recurso, essencial para a vida humana e cada dia mais cobiçado pelas grandes potências, corre sérios riscos de ser privatizado em nosso país. Depois que o Congresso Nacional aprovou e Bolsonaro sancionou, com vetos, há pouco mais de dois meses, o Novo Marco Legal do Saneamento (PL 4.162/2019), o governo federal tem feito gestões para que os governos estaduais apressem esse processo.

Ana Luisa Naghettini, estudante de Matemática Computacional na UFMG e militante independente em defesa do meio ambiente, e Ângela Carrato, jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG

Um forte lobby na mídia também está em ação. O objetivo, na linha da privatização imediata proposta pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, é que os governos estaduais vendam, rápido e a qualquer preço, as suas empresas. O objetivo é convencer a população de que a privatização das companhias de água e saneamento é “o único caminho para o Brasil enfrentar o grave déficit no setor”. Para tanto, dados alarmantes são apresentados quase diariamente: “48% da população brasileira não tem coleta de esgoto”; “o país convive com 3.257 lixões a céu aberto”; “é necessário investir R$ 753 bilhões até 2033 para enfrentar esses problemas”.
Antes mesmo de a nova legislação ser aprovada, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), já dava um largo passo nesse sentido, com a Copasa, a estatal mineira de águas e saneamento, informando aos seus acionistas e ao mercado que iria contratar serviços para começar o processo de desestatização.

A situação se torna mais grave ainda quando se sabe que, caso o Congresso Nacional não derrube os 11 vetos de Bolsonaro a esta legislação, as empresas estatais, responsáveis por 70% desse serviço, não poderão mais assinar contrato com os municípios, sendo obrigadas a se submeterem às licitações, sob a ótica do mercado. Além disso, a obrigação de realizar licitações e as metas de desempenho para contratos tenderão a prejudicar as empresas públicas locais, piorando a qualidade dos serviços prestados.

Os vetos eram para ter entrado em pauta no Congresso em setembro, com muitos governadores e prefeitos trabalhando pela derrubada deles. Até agora não foram apreciados e não falta quem aposte que, por conta das eleições municipais, dificilmente isso acontecerá em 2020. O que complicará ainda mais a situação das empresas de saneamento, a começar pela Copasa.

Risco

Num momento em que o governo Bolsonaro é mundialmente criticado pelo desmonte das políticas ambientais e pela negligência no combate aos incêndios na Amazônia e no Pantanal, além do negacionismo em relação ao vírus do covid-19, não só a nova legislação sobre saneamento virou lei, como o risco agora é que essas empresas sejam privatizadas sem que as pessoas se deem conta da gravidade do que está em jogo.
Uma das principais causas da rápida proliferação do covid-19 no Brasil (o país ostenta o triste recorde de terceiro no mundo em mortes) reside exatamente na falta de acesso de expressivos contingentes da população à água tratada e ao saneamento.
Some-se a isso que estudo do Observatório Fluminense Covid-19 (formado por sete instituições de ensino e pesquisa do Rio de Janeiro, entre elas a UFRJ e a UFF) aponta que a própria estabilização do vírus na América Latina deve se dar em patamares elevados e permanecer atuando na região por mais dois anos.

Ao defender a privatização imediata de suas empresas de saneamento, o Brasil coloca-se na contramão do que acontece no mundo. Segundo estudo do Instituto Transnacional da Holanda (TNI), entre 2000 e 2017, cerca de 1700 municípios de 58 países, entre eles Berlim (Alemanha), Paris (França) e Budapeste (Hungria) reestatizaram seus serviços. Só na França, 106 cidades fizeram isso. Fora do continente europeu, Buenos Aires (Argentina) e La Paz (Bolívia) são alguns dos casos sul-americanos que reestatizaram serviços públicos básicos, entre eles o de fornecimento de água e ampliação de redes de esgoto.

Lucro

As principais razões para as reestatizações foram a colocação do lucro acima dos interesses das comunidades, o não cumprimento dos contratos, das metas de investimentos – principalmente nas áreas periféricas e mais carentes -, e os aumentos abusivos de tarifas.
O governo Bolsonaro e a mídia corporativa brasileira que o apoia ignoram esse tipo de alerta e destacam apenas que “a livre concorrência no setor permitirá mais investimentos – são esperados R$ 600 bilhões, grande parte internacionais, até 2033” – e que “a universalização dos serviços de saneamento ocorrerá em 30 anos”. Acena-se com promessas, para quebrar resistências e ganhar a opinião pública.

Não foi por falta de recursos, como alega o governo Bolsonaro, que se optou pela privatização. Um total de R$ 1,2 trilhão acaba de ser repassado para os bancos privados a título de auxiliá-los durante a pandemia. Um terço desse valor por ano seria mais do que suficiente para resolver o problema do saneamento no Brasil.
Nada foi dito sobre a nova legislação possibilitar que os pobres fiquem cada vez mais distantes do acesso à água tratada e ao saneamento e que o alegado prazo próximo a vencer, para o fim dos lixões, foi prorrogado. Não foi dito, igualmente, que as empresas multinacionais dispõem agora de uma chance de ouro para controlar também as cobiçadas águas brasileiras.

Esse, aliás, parece ser o ponto essencial, porém obscuro nessa legislação.

A nova lei trata da questão do saneamento, mas empresas de saneamento são também as que fornecem água. Assim, a privatização das primeiras traria, como consequência, também a privatização das águas, cujo fornecimento ficaria a cargo de quem visa apenas o lucro.

Dos atuais 5.571 municípios brasileiros, no máximo 500 têm condições de atrair investimentos no setor. Sem dúvida haverá disputa pela privatização de empresas estatais em grandes metrópoles como Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Curitiba e Brasília.

Mas quais empresas se interessarão por fornecer serviços em municípios pobres do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, no sertão nordestino ou no interior da Amazônia? Esses, certamente, serão abandonados à própria sorte, pois o chamado “investimento cruzado”, que determina que o lucro obtido pelas empresas estatais nas áreas mais ricas seja aplicado nas regiões pobres e carentes, não existirá mais.

Jereissati e sua Coca-Cola

Não há também justificativa social para a pressa com a qual essa nova legislação foi aprovada. O relator da matéria, senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), rejeitou todas as emendas de mérito propostas para que o texto não voltasse à Câmara dos Deputados para uma nova apreciação. A oposição propôs que a matéria fosse debatida após o fim da pandemia. Deveria ter sido o caminho natural, diante de uma medida de tamanha
importância, mas foi derrotada.
De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Sinis) de 2018, mais de 83% da população brasileira tem acesso a serviços de abastecimento de água e 53,2% usam serviços de esgotamento sanitário. O marco legal anterior, estabelecido por lei de 2007, definia diversos princípios fundamentais como universalidade, integralidade, controle social e utilização de tecnologias apropriadas.
Também estabelecia funções de gestão para os serviços públicos, como planejamento municipal, estadual e nacional e a regulação, que devem ser usados como normas e padrões. Uma das mudanças mais significativas introduzida pelo novo Marco foi a retirada da autonomia dos estados e municípios do processo de contratação das empresas que distribuirão água para as populações e cuidarão dos resíduos sólidos.
Em síntese, o que foi aprovado é um enorme retrocesso sob a ótica dos interesses da maioria da população. Razão pela qual a aprovação desse novo marco legal provocou reação imediata apenas nas redes sociais, pois a mídia corporativa o apoia e o endossa, bem como a toda a agenda ultraliberal de Paulo Guedes.

“Sobreviverá quem puder pagar”, escreveu a destacada jornalista Hildegard Angel, ao frisar que “a água de nossas nascentes, fontes, rios, lagoas não pode ter dono. Querem engarrafar a água (…) colocar uma etiqueta e botar preço”.

Já o deputado e ex-ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias (PT-MG), preferiu lembrar que “a privatização das águas foi votada no dia em que morreram mais de 1100 brasileiros”, acrescentando que é “assustador observar esse tipo de prioridade, que é do grande capital e do mercado, não dos brasileiros”.

Mais contundente, a presidente da Associação dos Profissionais Universitários da Sabesp, a companhia estatal de águas e saneamento do Estado de São Paulo, socióloga Francisca Adalgisa, garantiu que “é bala na cabeça da população mais pobre”, pois se essas empresas não forem privatizadas, também não receberão mais recursos do governo para os investimentos de que necessitam.
Nada disso parece ter sensibilizado uma população anestesiada em meio a várias pandemias simultâneas. E o lobby pela privatização cresce e aposta na vitória de candidatos “sensíveis” ao mercado nas eleições desse ano nas principais capitais para facilitar as vendas.

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Atualmente no Brasil os serviços de água e esgoto são prestados, em sua grande maioria, por empresas estatais, não sendo vedada a possibilidade de associações entre entes estatais e o setor privado, através das chamadas parcerias público-privadas (PPPs). Nesse sentido, a Sabesp, a empresa de saneamento de São Paulo, é um mau exemplo, que a mídia corporativa brasileira esconde. Mesmo pública, a empresa tem 50% de seu capital privado. Os acionistas dão as cartas e deixam milhões de pessoas sem coleta e tratamento de esgoto na maior cidade do Brasil e da América Latina.

Outro mau exemplo do que faz o setor privado nessa área é Manaus. Com 20 anos de gestão privada, a capital amazonense tem apenas 12,5% de cobertura de esgoto, dos quais só 30% são tratados. Mais de 600 mil pessoas – um terço do total da população -, continuam sem acesso à água potável. Não por acaso Manaus liderou a primeira onda de mortes por coronavírus no país e o risco de um retorno do vírus, mais forte ainda, na cidade é real.
Por isso, o economista Ladislau Dowbor, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), consultor de agências da ONU e autor de mais de 40 livros sobre desenvolvimento econômico e social, propõe que diante do Covid-19 e da situação caótica da economia brasileira sob a gestão Bolsonaro é fundamental o resgate do papel do Estado, a adoção da renda básica generalizada, o reforço da saúde pública e o financiamento local, com a transferência, de maneira organizada, de
recursos a cada município. “É no nível local que se sabe qual bairro é mais ameaçado, onde falta água ou saneamento, quais famílias estão mais fragilizadas”, afirma.
O que Dowbor defende é o oposto do que define a nova legislação. Na mesma linha, o economista francês Thomas Piketty, autor de “Capital e Ideologia”, seu mais recente trabalho lançado no país, diz que as elites brasileiras cometem um erro ao perpetuar o abismo social, comprometendo o futuro da nação.
Diferentemente do que pensa Piketty, as elites brasileiras sabem o que querem. Em 2009, no XXIII Fórum da Liberdade, promovido pelo Instituto Millenium, um think tank brasileiro ultraliberal, o ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, figura reverenciada pela mídia nacional, proclamava: “jamais os direitos humanos irão suplantar o direito à propriedade”.

Nos oito anos em que governou o Brasil (1995-2003) isso foi verdade. Seu governo privatizou mais de 100 empresas, entre elas a mineradora Vale do Rio Doce, rebatizada como Vale S.A. O argumento era o de sempre: “ineficiência” e falta de recursos para investir no setor.

Doze anos depois, a Vale foi responsável pelos dois maiores crimes humanos e ambientais da história brasileira: o rompimento das barragens em Mariana e Brumadinho, ambas em Minas Gerais, com a morte de duas centenas e meia de pessoas e a destruição da bacia do rio Doce, um dos maiores da região Sudeste. As famílias dos mortos, desaparecidos e dos atingidos pela lama e água contaminada ainda lutam para receber indenizações. Enquanto isso, as ações da vale seguem nas alturas.
Foi também no governo de Fernando Henrique Cardoso que o Brasil passou a ter agências reguladoras para fiscalizar a atuação das empresas recém-privatizadas. O resultado é que essas agências, Anatel, na área da telefonia, Anac, na aviação civil, e Aneel, nas águas e energia, rapidamente foram colonizadas pelo capital privado, por aqueles a quem deveria fiscalizar. E acabam não fiscalizando nada. Resultado: serviços de péssima qualidade, tarifas caras e cidadãos transformados em meros consumidores. E os serviços, antes um direito social, viraram atividade econômica regulada pelo mercado, possibilitando basicamente acúmulo do capital privado.

Durante a realização do 8º Fórum Mundial da Água, em 2018 em Brasília, empresas como a gigante nacional de refrigerantes e cervejas Ambev, e as multinacionais Nestlé e Coca-Cola participaram do evento como financiadoras, mas também fizeram várias sugestões. Coincidentemente, essas sugestões, pelas mãos do senador Tasso Jereissati, foram transformadas em projeto de lei e agora integram o novo Marco do Saneamento. Para quem não sabe, Jereissati é acionista da Coca-Cola Brasil e um dos maiores interessados em entregar à iniciativa privada os bens comuns nacionais.
Duramente criticadas pelos brasileiros em suas redes sociais, essas empresas apressaram-se em dizer que não têm nada a ver com a privatização de águas no país. A Coca-Cola Brasil divulgou um longo texto em que considera “boato” qualquer relação com o novo Marco Legal do Saneamento Básico. Já a Nestlé, há anos, vem desmentindo, também por redes sociais, que tenha interesse em privatizar o aquífero Guarani, uma reserva de 1,2 milhões de quilômetros quadrados, compartilhada por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.

Esse assunto, claro, nunca é tratado nas TVs ou emissoras de rádio.

O então presidente da República, Michel Temer, que chegou ao poder depois do golpe, travestido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff em 2016, também negou que houvesse qualquer entendimento nesse sentido. Mas não deixa de ser coincidência que tenha sido em seu governo que o primeiro projeto de lei alterando a legislação de 2007 sobre saneamento fosse enviado ao Congresso.
Igualmente não deixa de ser coincidência que esse novo marco tenha sido aprovado a toque de caixa pelo governo Bolsonaro, em plena pandemia, quando a população brasileira está assustada com o número crescente de mortos e sem condições de protestar nas ruas e praças públicas, como sempre fez.
Pelo visto, o governo Bolsonaro está seguindo à risca a proposta de seu mundialmente criticado ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para quem a pandemia deveria ser aproveitada “para passar a boiada”.
As medidas impopulares não só estão sendo aprovadas, como se preparam para sair do papel sem que a maioria das pessoas se dê conta disso. Quando perceberem, poderão já estar pagando muito mais caro pela água que utilizam. Ou, pior ainda: tendo que escolher entre cozinhar e tomar banho.

Charge de Bacellar


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Ação Humanitária

A luta ambiental dos índios Tuxás contra o retrocesso da usina nuclear

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tuxas contra usina nuclear

Com a promessa de empregabilidade em uma região carente e que já sofreu uma tragédia, quando na década de 1980, a construção da barragem de Itaparica, inaugurada em 1988, inundou todo o território das cidades de Itacuruba, Petrolândia e Rodelas, atingindo assim as comunidades indígenas e quilombolas, o Governo Federal vem prometendo mundos e fundos para a pequena população de menos de 5 mil habitantes da cidade de Itacuruba.

 

 

Sobre a inundação, no livro “Tuxá, os Índios do Nordeste, o autor Orlando Sampaio lembra o fato: “Com a cidade de Rodelas, ficaram sob as águas as habitações e as ilhas dos índios Tuxá. A ilha da Viúva, a mítica terra em que esses índios faziam a agricultura e praticavam seus rituais, tornou-se um acidente histórico submerso no lago.”

Viajamos até lá e entrevistamos várias pessoas de comunidades indígenas, quilombolas e das cidades de Itacuruba e Floresta, onde se concentra o movimento da igreja católica que é contrária a construção da Usina Nuclear com seis reatores na região e que conta com dois lobistas do Governo Federal e Estadual respectivamente: Fernando Bezerra Coelho, senador (MDB) e Alberto Feitosa, deputado estadual (SD).

 

tuxas contra usina nuclear

Entrada do aldeia do povo Tuxá, em Itacuruba, Pernambuco

Em breve traremos novas entrevistas sobre um assunto tão absurdo e surreal, pois é totalmente na contramão da tendência mundial, que é desligar todas as Usinas Nucleares, a exemplo da Alemanha e Japão, que já vem nesse processo há alguns anos, mas que se tratando de desgoverno Bolsonaro, a gente até entende.

Videorreportagem: Sergio Gaspar, Veetmano Prem, Daniel Barros e Eduardo Nascimento

Texto: Rodrigo Pires

#XôNuclear #Itacuruba #UsinaNuclear #Pernambuco

LEIA MAIS EM NOSSO SITE SOBRE O PROJETO DE CONSTRUÇÃO DA USINA NUCLEAR EM PERNAMBUCO

Carta de Floresta, 06 de novembro de 2019

BACURAU E ITACURUBA: A HISTÓRIA SE REPETE, A PRIMEIRA COMO FICÇÃO, AMBAS COMO TRAGÉDIAS

*Essa matéria faz parte de uma série de reportagens que iremos fazer a respeito da construção do complexo nuclear em Itacuruba, sertão de Pernambuco. Para viabilizar nossas viagens, estamos realizando campanhas boca a boca em Recife, junto aos parceiros que podem de alguma forma, contribuir para o bom jornalismo.

Patrocinadores:

FETAPE – Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado de Pernambuco

Mandato do Vereador Ivan Moraes (PSOL)

SINDSPREV – Sindicato dos Trabalhadores Públicos Federais em Saúde e Previdência Social no Estado de Pernambuco

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Agroecologia

Os Guarani convocam povo de SP para proteger Terra Indígena Jaraguá

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Empreiteira que ameaça vida dos Guarani do Jaraguá tem como slogan de venda: Tenda, Construindo Felicidade. Para quem, cara pálida?

“O povo indígena está com os negros, está com os pobres, está com os favelados, está com o rappers. Nós precisamos mudar nosso país, estamos à beira do colapso final. Nós Guarani estamos alertando isso há muito tempo”

 

Sônia apresenta a luta Guarani para diverso coletivos da cidade de São Paulo

Sônia apresenta a luta Guarani para diversos coletivos de São Paulo

Assim Sônia Barbosa (Ara Mirim), liderança Guarani, saudou coletivos de Rap, Saraus periféricos, coletivos LGBTQI+, movimentos de catadores de recicláveis, representantes do MTST, professoras de escolas públicas e tantas outras pessoas que se juntaram na ocupação Yari Ty na última quinta feira, 27/02. Os coletivos foram convocados pelos Guarani do pico do Jaraguá para colaborarem na luta contra um condomínio da Construtora Tenda a ser construído em território sagrado Guarani num terreno vizinho à Terra Indígena Jaraguá. Os participantes ouviram as lideranças Guarani e propuseram ações que dessem visibilidade à resistência Guarani na Ocupação Yari Ty.

A Construtora Tenda pretende construir 5 torres totalizando 396 apartamentos num terreno sagrado para os cerca de 800 Guarani que vivem ao redor do empreendimento em 6 aldeias da Terra Indígena Jaraguá. Surpreendidos pelo início inesperado das obras na última semana de janeiro os Guarani iniciaram a ocupação assim que  as primeiras árvores foram cortadas. Eles denunciam que o condomínio ameaça aproximadamente 4.000 árvores, além de cursos d’água, nascentes e animais que habitam a região. Como protesto a esse cenário de destruição estão construindo a Ocupação Yari Ty, um lugar de vida focado na preservação do meio ambiente. Os Guarani exigem que o terreno seja destinado à  construção de um parque e memorial Guarani aberto e formando um corredor verde para a cidade.  Nesse espaço aberto, eles poderão praticar e demonstrar suas práticas sustentáveis, como a criação de abelhas nativas, o desenvolvimento de uma agrofloresta, além da realização de formações em práticas agrícolas sustentáveis.

Canteiro de obras da Tenda já derrubou espécies nativas e ameaça a TI Jaraguá.

Canteiro de obras da  Construtora Tenda já derrubou espécies nativas e ameaça a TI Jaraguá

Ao invés de cimento e concreto, os Guarani agem para a construção de um espaço com floresta, alimento e cursos de água limpa que sirva como um corredor verde para a cidade. Eles mesmo já iniciaram o processo e nesse quase um mês de ocupação já foram plantadas 800 mudas de espécies nativas e uma horta de plantas medicinais. Além disso, um lago para a criação de peixes está sendo construído a partir de um trecho do Ribeirão das Lavras.

Lago sendo construído em área ameaçada pela construtora Tenda

Lago sendo construído em área ameaçada pela Construtora Tenda

Vale lembrar que o Jaraguá possui inúmeras nascentes de ribeirões que correm diretamente para o Rio Tietê. Se forem construídas, as torres da Construtora Tenda vão impermeabilizar toda uma grande área, fazendo com que a água que não for absorvida vá direto para o Rio Tietê, gerando alagamentos em toda cidade de São Paulo. O empreendimento tende a piorar a situação trágica que já presenciamos com os     alagamentos de janeiro deste ano. Assim, a construção deste  corredor verde com manejo adequado das águas é vital para toda a cidade.

No aspecto jurídico os advogados atentam para a ilegalidade da obra, por se tratar de empreendimento a menos de 8 quilômetros de distância de uma Terra Indígena, o que torna obrigatória a consulta prévia aos Guarani como pré-condição para o licenciamento das obras, como garante a Portaria Interministerial 60, de 2015. Além disso a consulta prévia aos povos é assegurada pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário e a área também é protegida como parte da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde de São Paulo pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), desde 1994. Trata-se de um dos últimos pontos de Mata Atlântica da região.

A prefeitura tem sido evasiva diante da situação e mantém a autorização para a obra. A Construtora Tenda alega estar com todas as licenças ambientais. A Justiça de São Paulo autorizou a reintegração de posse e a PM afirma que esta deverá ser realizada até o dia 10 de março. Diante dessa situação David Karai Popygua, liderança Guarani, promete resistir de todas as maneiras.

“Não se negocia a destruição. Se existe lei juruá (não-indígena) que coloca PM aqui, existe lei Guarani que diz que a gente vai ficar aqui até o último Guarani”

É com o apoio de todas e todos habitantes da cidade que os Guarani pretendem barrar a reintegração de posse e garantir a criação do Parque Ecológico YARY TY (CEYTY) e Memorial da Cultura Guarani. Com a reintegração de posse agendada para 10 de março, essa semana é decisiva para a ocupação que construiu uma extensa programação para marcar a resistência com aulas de guarani, mutirões, oficinas e tantas outras atividades socioambientais. É uma ótima oportunidade para quem está interessado em conhecer a ocupação e colaborar com os Guarani. A ocupação é de fácil acesso de transporte público, está a 10 minutos de caminhada da estação Vila Clarice da CPTM e a apenas 5 estações do terminal Barra Funda pela linha 7-Rubi. Vale também assinar o abaixo assinado para a criação do Parque Ecológico (http://bit.ly/37YwRwb).

Além disso, todas as ações da ocupação estão sendo divulgadas nas páginas “Existe Guarani em Sp” (www.facebook.com/existeguaraniemsp/), “Tenonderã Ayru” (https://www.facebook.com/tenonderaayvu)  e da @lutaparquejaragua do Instagram (www.instagram.com/lutaparquejaragua).

 

#JaraguáéGuarani.

Programação ocupação/centro ecológico YARY TY

segue até 11 de março

Endereço: Rua Comendador José de Matos, 139 – Vila Clarice

estação Vila Clarice da CPTM (linha 7- rubi)

Página do Evento: https://tinyurl.com/yx4465oz

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Leia mais sobre a luta Guarani em

 

Entenda a luta do povo Guarani pelo Parque Ecológico Yary Ty no Jaraguá-SP

 

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