Óleo no Nordeste: seguro defeso só atinge 5% dos pescadores de Pernambuco

por Geraldo Lélis (JL/PE)

Enquanto o Governo Federal segue com a narrativa de que tudo está se normalizando no litoral do Nordeste, as famílias de pescadores vivem na incerteza do que será da vida deles daqui para frente. A atividade pesqueira já está interrompida por falta de clientes. Além de não ter renda, há um comprometimento da segurança alimentar das famílias, já que a maioria delas exercem a pesca de subsistência e se alimentam dos pescados.

Um estudo realizado pelo Instituto OceanárioUFRPE em 2010 apontava que, aproximadamente, 30 mil pessoas viviam diretamente do trabalho pesqueiro no litoral de Pernambuco. Levando em conta este número, apenas 5% teriam direito ao seguro defeso, já que é esse percentual que pesca lagosta e possue o Registro Geral da Pesca (RGP) no Estado. O professor especialista em Sociologia da Pesca, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Cristiano Ramalho, alerta para a situação do trabalho feminino. “Nenhuma marisqueira terá acesso, portanto, ao seguro defeso em âmbito federal, porque suas pescarias destinam-se ao sururu, mariscos e ostras, normalmente”, comenta.

“O possível bloqueio à continuidade do trabalho pesqueiro artesanal, por tempo indeterminado, nos lugares atingidos pelos vazamentos causará prejuízos inestimáveis não só para as pessoas ligadas diretamente ao trabalho da pesca artesanal, mas as economias de vários municípios e a cadeia produtiva que tem na pesca artesanal sua base fundante”, acrescenta.

Pescadores tiram óleo no braço, sem proteção alguma na praia de Itapuama, litoral sul de Pernambuco. Foto: Veetmano Prem

 

Em seu artigo “Os possíveis impactos dos vazamentos de óleo nas comunidades pesqueiras artesanais em Pernambuco: um breve e provisório balanço”, Ramalho faz uma contextualização histórica de como se estabeleceu a pesca artesanal no Brasil, cujo trabalho é “fortemente exercido por indivíduos brancos pobres, índios sobreviventes e, principalmente, por escravos e ex-escravos, que conseguiram combinar habilmente saberes nativos aos trazidos de Portugal e do continente africano”.

Ele ainda reforça que a atividade não conta com assalariamento de força-de-trabalho e possibilita baixo acúmulo de capital, além de ser a base de uma “complexa cadeia produtiva”, com fabricadores e reparadores de barcos e redes; beneficiadores de pescados; venda de redes de náilon, linhas, combustível, vela e rancho. O professor destaca ainda o valor cultural que a pesca artesanal representa.

“É mais que uma atividade econômica, pois significa, antes de tudo, um modo de vida, de representações sociais, de sociabilidades, de práticas e valores culturais, que se traduzem na ciranda, nas festas religiosas marítimas (São Pedro, São Gonçalo, Iemanjá), na culinária, nas simbologias que envolvem os mares e rios, num tipo de conhecimento tradicional, de vínculos afetivos com os ambientes litorâneos (manguezais, mar, estuário, etc.), de autonomia, arte, liberdade para aqueles que a exercem historicamente”, aponta.

“A sua provável paralisação, em virtude dos vazamentos, será o silenciar desse rico conjunto de significados e experiências socioculturais históricas”, encerra.

Fotos: Veetmano Prem (JL/PE)

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