OS USOS ELEITORAIS DO ANTI-PETISMO

RODRIGO PEREZ OLIVEIRA, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia, com charge de Aziz 

Neste texto, quero analisar os usos eleitorais do anti-petismo, tratando especificamente das estratégias adotadas pelas candidaturas de Geraldo Alckmin e Ciro Gomes.

Vou fazer de conta que as eleições estão acontecendo em uma situação de normalidade democrática. Com algum constrangimento, finjo que não sei que o principal candidato foi retirado da disputa em um processo questionado pela comunidade jurídica nacional e internacional.

Analiso as eleições mesmo tendo seríssimas duvidas se os perdedores aceitarão o resultado. Tenho muitas dúvidas se o vencedor será, de fato, empossado. A mídia hegemônica está tratando general do Exército como interlocutor político, o que é um absurdo em qualquer democracia saudável. O presidente da suprema corte trouxe um militar para o seu gabinete de trabalho, em um comportamento inédito na história recente brasileira. Ainda assim, prossigo examinando a corrida eleitoral, falando das campanhas, das estratégias mobilizadas pelos candidatos.

Sigo com a análise, um tanto envergonhado, confesso.

As candidaturas de Ciro Gomes e Geraldo Alckmin se encontram diante do mesmo impasse: não estão conseguindo construir hegemonia dentro dos seus respectivos campos ideológicos. Ao que tudo indica, a crer nos dados divulgados pelas pesquisas, Geraldo Alckmin será derrotado no campo da direita e Ciro Gomes será derrotado no campo da esquerda.

Hoje, o cenário mais provável aponta para uma disputa de segundo turno entre Fernando Haddad e Jair Bolsonaro.

As candidaturas de Geraldo Alckmin e Ciro Gomes, como não poderia deixar de ser, tentam reverter a situação, usando o anti-petismo como o retórica eleitoral.

Alckmin tenta recuperar os votos anti-petistas que Bolsonaro abocanhou, usando como trunfo as simulações de segundo turno realizadas pelos principais institutos de pesquisa, principalmente o Ibope e o Datafolha.

Os dados apresentam Bolsonaro empatado com Haddad, enquanto Alckmin venceria com alguma facilidade o candidato petista.

É como se Alckmin estivesse dizendo para o eleitor anti-petista: “Comigo, teremos mais chances de derrotar o PT”.

Já Ciro Gomes tem um outro fantasma na manga: Jair Bolsonaro.

Desde o início da campanha, Ciro Gomes vem apostando alto, com coragem, tentando romper com o lulismo e estabelecer um novo alinhamento de forças dentro do campo progressista. Tal como Alckmin, Ciro Gomes também utiliza as simulações de segundo turno como trunfo eleitoral. Como já sabemos, os dados mostram Haddad empatado com Bolsonaro. Já Ciro venceria todos os outros candidatos.

Ciro Gomes tem ainda outra narrativa: se vencer, diz a campanha cirista, Haddad não conseguirá governar por causa do anti-petismo.

O argumento está colando em parte do eleitorado progressista, machucado e esgotado com uma crise que se arrasta há cinco anos.

Cinco anos de crise esgota as energias de qualquer um.

Mas o que seria mesmo esse anti-petismo? Trata-se de um problema com o PT? Algo semelhante a uma antipatia pessoal?

Penso que situação seja muito mais complexa, que o buraco seja muito mais fundo, que o problema seja muito mais grave.

Explico com um exercício de síntese histórica. O conhecimento histórico é útil à vida.

Entre meados dos anos 1970 e fins dos anos 1980, o Brasil viveu aquilo que costumamos chamar de redemocratização. Foi a transição da ditadura para o governo democrático. O processo foi longo, cheio de idas e vindas, teve perfil conservador e foi tutelado pelos próprios militares.

Se é verdade que nem tudo na vida são flores, também podemos dizer que nem tudo são espinhos. Mesmo sendo conservadora, a transição trouxe algo de bom: a mobilização de setores importantes da sociedade brasileira na crítica ao autoritarismo.

Foram anos animados, com grandes atos públicos, engajamento de artistas e intelectuais, greves gerais, milhares de pessoas nas ruas. Desse clima, saíram dois partidos políticos que, cada um a seu modo, passaram a representar as demandas da sociedade civil por um país mais justo e democrático: PT e PSDB, que se tornaram os principais ocupantes do campo político progressista.

Mas o que é o campo político progressista?

São os grupos políticos que partem do princípio de que o Estado deve amparar o sofrimento dos mais vulneráveis, daqueles que no conflito social são mais frágeis.

Os mais frágeis?

Mulheres, pretos e pretas, comunidade LGBT e, principalmente, pessoas pobres.

Do outro lado do campo progressista está o campo do atraso.

O objetivo do campo do atraso é direcionar a riqueza social para uma minoria, justamente aqueles que já são mais poderosos: homens, pessoas brancas e, principalmente, ricos.

Partidos diferentes, cada um com sua proposta: o PT mais próximo dos movimentos sociais de base. O PSDB mais preocupado em tomar a via da política institucional. Mesmo com as diferenças, não era raro ver PT e PSDB dividindo o mesmo palanque naqueles tempos da redemocratização.

Isso ficou claro nas eleições de 1989, quando Mário Covas, importante liderança tucana, apoiou Lula no segundo turno das eleições.

Mas por que fui lá atrás, na redemocratização, se o objetivo é abordar os usos eleitorais do anti-petismo hoje, em 2018?

É que síntese histórica é igual a canja de galinha e cafuné. Sempre faz bem. Sempre ajuda.

Estou querendo dizer pra vocês que nos anos da redemocratização o campo progressista brasileiro era formado por alguns partidos políticos: PT, PSDB, PDT e alguns outros com relevância menor.

Ao longo da década de 1990, com o envelhecimento de Brizola, o PDT se tornou um partido pequeno. Já o PSDB aderiu à agenda do neoliberalismo internacional e se tornou um partido de centro-direita.

Sobrou quem no campo progressista? Apenas o PT.

O PT passou a ocupar sozinho esse campo político e, assim, chegou ao governo em 2002. Com todas as contradições e defeitos dos governos petistas, não dá pra negar que eles foram progressistas. Os números são muito reveladores.

Pessoas pretas, pobres, mulheres tiveram suas vidas melhoradas por meio de políticas públicas. Foi menos do que precisava ser. Foi mais do que tinha sido feito até então.

E o campo do atraso?

Cada vez mais passou a odiar o PT. Como esse campo do atraso controla a maioria dos canais de comunicação, esse ódio se difundiu também para setores das classes médias. A espetacularização seletiva das denúncias de corrupção se tornou o combustível desse ódio. Temos aqui o tão falado ‘anti-petismo’.

Vejam bem, leitor e leitora: não se trata, apenas, de um ódio ao PT. O ódio é direcionado ao grupo político que desde os anos 1990 ocupa sozinho o campo progressista. O ódio é direcionado à agenda progressista, a certo conceito de política, à ideia de que os recursos públicos devem ser usados em benefício dos mais vulneráveis.

Se a estratégia corajosa de Ciro Gomes funcionar, veremos o estabelecimento de um novo equilíbrio de forças dentro campo progressista. Em questão de meses, o anti-petismo se tornará anti-cirismo, ou anti-pedetismo. Sei lá.

Se Ciro Gomes vencer e implementar o seu plano de governo (um plano progressista), passará a ser ele o alvo das forças do atraso. Não à toa, bastou Ciro Gomes se destacar nas pesquisas para que aparecesse uma delação que o coloca na mira da Operação Lava Jato.

Quem acha que o problema das forças do atraso é específico com o PT ainda não entendeu o Brasil.

Não se trata de anti-petismo, meus amigos e minhas amigas. É só o velho Brasil tentando destruir todos os que modificaram as regras de distribuição da riqueza social. Nem carece de ter modificado muito. Basta ter bulido só um pouquinho.

Pra concluir meu argumento: à direita e à esquerda, o anti-petismo é retórica eleitoral. Na campanha do PSDB, a retórica é até coerente com o projeto de Brasil das forças do atraso. Basta saber se o PSDB ainda representa essas forças.

Já na campanha de Ciro Gomes, a retórica do anti-petismo combina oportunismo com ingenuidade. Oportunismo é normal em política, principalmente em época eleitoral. A ingenuidade é o pior defeito que uma pessoa adulta pode ter.

 

 

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

COMENTÁRIOS

Uma resposta

  1. Análise muito boa e correta. Estamos no liminar de mudanças e tempos difíceis. Não é fácil lutar pela inclusão e melhorias para o povo. O preço a pagar é muito alto. Mas ainda temos homens com sonhos para fazer mudanças necessárias e lutar para diminuir diferenças, oferecer oportunidades para melhorar a vida do povo trabalhador e lutador.

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