O Pau do Brasil, de Wilson Alves-Bezerra.

*por André Nogueira

Não um pau gostoso, erétil vigoroso, do jeito que a gente gosta. Não. O pau-de-arara, o pau — do Brasil. Aquele que “vocês vão ter que me engolir”, aquele que “estupra mas não mata”, aquele que te diz “relaxa e goza!”. O pau, a verga, a régua — oh, pátria educadora! — da palmatória; uma vara, um taco de basebol, um porrete especialmente dedicado aos direitos humanos. Porões do DOPS expostos a céu aberto, transmitidos pela Tv Senado, aplaudidos pelo povo. Maioria no Congresso, maioria nas urnas, maioria na ceia de natal. Vamos, vamos ter que engolir. Já que é assim, sejamos, também nós, pornográficos! Peguemos, destrinçemos este peru aos olhos de todos, expondo as entranhas, a loucura, a porra toda com o monte de farofa que deram de dizer, de cagar pela boca, nas redações de jornal, nos púlpitos das igrejas, nos almoços de família. Nós, ao vomitarmos, somos ainda capazes de poesia. Embrulhe num papel brilhante vermelho e dê a sua tia um de nossos livros. Recomendo particularmente este: o Pau do Brasil. Abra e leia um trecho à mesa, antes da oração. Wilson Alves-Bezerra fez isso por nós, pegou porções desse bolo de excrescência discursiva e com elas preparou um refluxo poético implacável. Quando em 2016, para “o terror de Dilma Rousseff”, uns deputados e filhos-deputados, de terno e coturno, golpearam nossa presidenta “pela memória do coronel” aquele mesmo, que a golpeara outrora, o pau-de-arara foi alçado à tribuna do Parlamento. Desde então, muito temos engolido, mas não sem espumar. Dessa espuma, de nojo e revolta, Wilson faz matéria prima, incorpora os
discursos mais abjetos com que nos têm regalado os poderes judiciário, executivo, legislativo, os pastores, empresários, etc., e os expõe pela lente satírica. “Orgulhosa pátria de ratos no cu”, diz Wilson; nós brasileiros, atados a esta peia, amarrados a este tronco, pendurados a este pau, conhecemos desta frase seu sentido literal. De fato, os momentos mais surreais são aqueles em que a fala de um ministro do Supremo é citada literalmente, o grotesco chega a seu ponto de cuminância ao ser atravessado pelos recortes do atual cenário político. De outro lado, Wilson negocia com Exu a invocação dos poetas mortos, cujas palavras aladas também canaliza ao centro da arena, fazendo-as duelar com os relinchos dos excelentíssimos. Dispõe de um vasto arsenal literário, cuja principal referência, que se sente desde o título do livro, é o Pau-Brasil oswaldiano e a antropofagia. No eixo simbólico, em torno do qual giram os fluxos poéticos, a saída deste imbróglio de opressões depende de, lá onde amor e baderna se encontram, subverter os brasis possíveis e seus paus. O carnaval de 2018 veio desnudar o presidente postiço que, não por acaso, o tentou censurar: “a faixa presidencial é minha, não do Vampirão!” É que, sob essas faixas, sob essas togas, fardas e brilhante-lustrados coturnos esconde-se uma constrangedora impotência. Alguma surpresa, que um presidente com obstrução peniana mande descer em nós o cacete? Antevendo o diagnóstico, Wilson foi certeiro ao tocar (como o urologista de Temer!) no ponto mais sensível de nossa falência nacional. Porque o pau-repressor cresce sobre a castração do desejo coletivo, compete ao poeta, mobilizador desse desejo, restituir ao Brasil seu pau originário. Ibirapiranga, Ibirapitanga, Orabutã, diz Wilson, também são nomes desse pau, que nos foi arrancado, confiscado — ao tornar-se Brasil, ou seja, ao se converter em mercadoria e, como tal, meio de exploração, colonização, escravidão, estupro, morte. Pau originário, vermelho, que brota do ventre da Mãe-Terra, pau- folião que baila pelas ruas no carnaval, e na tribo bate maracas; pulsão selvagem, libertadora, do sexo; força indomável, fecunda, da criação; a alegre promessa de que, apesar de tudo (da censura, dos militares e toda forma de repressão), ainda é possível o gozo libertador — que certamente será algum triunfo revolucionário.

Atualmente, o livro está em seu terceiro relançamento. A cada nova edição o poeta acrescentou os capítulos seguintes do aberrante festival: a 1ª tinha 16 poemas, em prosa e verso, a 2ª 54 e, a 3ª edição, 72. Podemos esperar os complementos que virão, democraticamente eleitos ou não, nos próximos 4 anos. Cumprimento Wilson Alves-Bezerra pelo excelente livro. Nós, que vivemos neste tempo, temos em Pau do Brasil um importante destrinchamento de suas questões, vozes e agentes. Não é tarefa simples, extrair algo desse non sense que a classe jurídica tem expelido pelo excretor de seus autos processuais. Merece destaque, ainda, o trabalho da Urutau na edição do livro, pela qualidade do projeto gráfico, e também porque a publicação de Pau do Brasil, como de outros títulos engajados de seu catálogo, é em si um ato político.

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